Parashat Nasso

Liberte-se da escravidão

“Joel estava tranquilamente sentado, conversando com um conhecido durante o Brit Milá do filho de um de seus melhores amigos da época de Yeshivá. Ele então percebeu que alguém havia se sentado na cadeira ao lado. Quando se virou para ver quem era, quase desmaiou. Ao seu lado estava sentado simplesmente um dos maiores rabinos da geração.

Joel ficou sem saber o que fazer e o que falar. Em Israel fazia muito calor naquela época e o rabino estava bastante suado. Querendo agradá-lo de alguma maneira, Joel encheu um copo com refrigerante de Cola gelado e ofereceu ao rabino. Ele agradeceu, mas recusou a bebida. Joel sabia que o motivo não era Kashrut, pois todos confiavam naquela Hashgachá (selo de supervisão rabínica). Então imaginou que o motivo era o cuidado com a saúde. Com uma agilidade impressionante, Joel conseguiu um copo novo e desta vez encheu com refrigerante de Cola diet. Porém, para a decepção de Joel, o rabino educadamente recusou novamente. Vendo que Joel havia ficado confuso, o rabino então explicou:

– Não se preocupe, não há nada de errado com a Hashgachá. Porém, desde cedo eu comecei a perceber que todos os que bebem refrigerante gostam tanto que acabam ficando quase dependentes. Isto me assustou um pouco. Então eu decidi que nunca na vida eu tomaria refrigerante, para não correr o risco de também acabar ficando viciado” (História real).

Existem duas formas de como utilizar os prazeres do mundo material: como uma ferramenta que nos ajuda em nossa elevação espiritual, ou como vícios que nos tornam escravos dos nossos desejos. A escolha está em nossas mãos.

 

Nesta semana lemos a Parashá Nassó (literalmente “Carregar”), que traz diversos assuntos, tais como a função de cada família da tribo de Levi em relação ao transporte do Mishkan (Templo Móvel) quando o povo judeu viajava, a cerimônia de Sotá, o voto do Nazir e a oferenda dos líderes de cada tribo na inauguração do Mishkan. Um dos assuntos mais interessantes é o Nazir, uma pessoa que recebia sobre si, de forma voluntária, um voto que a proibia de cortar o cabelo, de se impurificar com os mortos e do prazer de beber vinho. Porém, o conceito do Nazir é intrigante, pois há uma aparente indefinição da Torá se o ato de receber sobre si um voto de Nazir é algo positivo ou negativo.

 Por um lado, a Torá define o Nazir como alguém que está em um alto nível de santidade, como está escrito: “Até que ele complete os dias de sua Nezirut em nome de D'us, ele deve ser sagrado” (Bamidbar 6:5). Porém, logo depois a Torá descreve o processo pelo qual o Nazir passava quando terminava seu voto, que incluía trazer um “Korban Chatat” (oferenda de expiação), um Korban trazido apenas quando a pessoa cometia certos tipos de transgressão. Mas o que o Nazir havia feito de errado? Rashi (França, 1040 – 1105) explica que a transgressão foi que o Nazir, ao se privar do prazer de beber vinho, causou sofrimento a si mesmo. Portanto, há aparentemente uma enorme contradição em relação ao ato da pessoa que recebeu sobre si o voto de Nazir. Ela fez uma grande Mitzvá ou de fato está cometendo uma transgressão?

 

Explica o Rav Avraham Grodzinski zt”l (Polônia, 1883 – Lituânia, 1944) que certamente o Nazir está fazendo uma Mitzvá. Quando uma pessoa sente uma atração não saudável em relação aos seus desejos físicos e considera necessário tomar a drástica atitude de fazer um voto de Nezirut, está fazendo um ato correto e louvável. Isto demonstra que a pessoa tem temor a D'us e quer se afastar a qualquer custo das transgressões. Entretanto, há um elemento de transgressão em seu ato que requer expiação. D'us criou o ser humano com um corpo e uma alma e, portanto, é proibido ao ser humano negligenciar qualquer um dos dois. Mesmo as pessoas mais elevadas espiritualmente não podem se descuidar de seu corpo. O trabalho do ser humano é, apesar de viver em um mundo material, interagir e elevá-lo. O Nazir sente que não pode fazer isto sem se abster do prazer de beber vinho. Apesar de ter agido corretamente, ele causa ao seu corpo um considerável desconforto, pois tem um certo nível de dependência do mundo físico e sofre ao se privar dos prazeres que o mundo pode oferecer. O Nazir é considerado uma pessoa “sagrada” por se submeter a este “ousado” processo de purificação. Mas, ao mesmo tempo, ele precisa trazer um “Korban Chatat” por ter causado sofrimento ao seu corpo.

 

Porém, a Torá descreve claramente o que D'us exige de nós: “Fale com toda a assembléia do povo judeu e diga para eles: 'Sejam sagrados'” (Vayikrá 19:2). De acordo com o Ramban(Espanha, 1194 – Israel, 1270), a Torá está nos ensinando que, para nos transformarmos em pessoas sagradas, não é suficiente cumprir as Mitzvót e, ao mesmo tempo, viver uma vida imersa em prazeres materiais. Segundo ele, para cumprir a Mitzvá de “Sejam sagrados”, devemos nos abster dos prazeres físicos. O Ramban inclusive cita o Nazir como exemplo de santidade, justamente por ele se abster do prazer de beber vinho. O que mais nos chama a atenção no comentário do Ramban é que ele não faz absolutamente nenhuma alusão à transgressão cometida pela pessoa ao se abster dos prazeres físicos. Por que o Ramban não menciona nenhuma transgressão se, neste caso, a pessoa que quer se tornar “sagrada” também está causando sofrimentos ao seu corpo ao se abster de prazeres?

 

Além disso, o Rav Avraham Grodzinki esclarece que este comentário do Ramban se refere especificamente a um “Talmid Chacham” (estudioso de Torá em um nível espiritual elevado, acima das pessoas normais), alguém que se esforçou para se separar das luxúrias do mundo material. Mas qual é a diferença entre o Nazir, que comete uma transgressão ao se abster do vinho, e o Talmid Chacham, que não comete nenhuma transgressão ao se abster de ainda mais tipos de prazer?

 

A resposta é que há uma diferença fundamental entre a “Prishut” (separação do mundo físico) do Nazir e do Talmid Chacham. O Nazir é alguém que tem um intenso desejo físico pelos prazeres materiais mais baixos e básicos, como beber vinho. Para ele é algo doloroso evitar estes tipos de prazer e, portanto, quando ele se abstém, mesmo com as melhores intenções, é considerado que ele está fazendo uma transgressão por ter causado sofrimento a si mesmo. Em contraste, o Talmid Chacham não sente sofrimento ao evitar a busca de prazeres de forma desenfreada, pois ele não está preso aos desejos físicos. Ele tem um reconhecimento tão forte da natureza fútil e passageira dos prazeres físicos que para ele não é difícil nem doloroso se abster. Portanto, enquanto o Nazir necessita de expiação por ter causado a si mesmo sofrimento, a Torá não considera que o Talmid Chacham tenha cometido qualquer transgressão ao se abster dos prazeres mundanos.

 

Conclui o Rav Yehonasan Gefen que deste ensinamento da Parashá aprendemos um princípio fundamental: a forma ideal de se desvincular da dependência dos prazeres materiais não deve envolver um processo doloroso de autoprivação. Esta desconexão deve emanar de um senso da futilidade dos prazeres materiais ao compará-los com o nosso verdadeiro objetivo de alcançar os prazeres espirituais mais sublimes. Qualquer tentativa de se desvincular da dependência dos prazeres materiais que envolva processos muito dolorosos normalmente não traz resultados satisfatórios e duradouros. Talvez isto explique por que tantas pessoas decidem entrar em dietas intensas e altamente restritivas, mas a grande maioria acaba desistindo após pouco tempo. Quando a pessoa nega a si mesma os prazeres que a preenchem, isto causa uma grande aflição nela. A pessoa que está em dieta não se liberta do desejo pelos prazeres das comidas saborosas, normalmente o desejo inclusive aumenta. Então este processo de autoprivação não consegue durar por muito tempo. Se a pessoa utilizasse a abordagem da Torá, poderia melhorar sua saúde, comendo coisas mais saudáveis e de forma mais controlada, podendo perder peso sem nenhum tipo de sofrimento. Pois quando alguém se liberta da dependência dos prazeres físicos, então se abster deles se torna um processo indolor.

 

Mas como fazemos para alcançar este nível de autocontrole do “Talmid Chacham” e conseguir nos separarmos de prazeres físicos sem causar nenhum tipo de desconforto? A chave é desenvolver uma apreciação pela espiritualidade. Quanto mais claridade tivermos, quanto mais certeza de que o mundo material é passageiro e ilusório, enquanto o mundo espiritual é o que nos traz os prazeres verdadeiros e duradouros, automaticamente vamos dando menos valor para os prazeres momentâneos e vamos nos libertando da dependência do materialismo.

 

Com este conceito podemos entender um interessante ensinamento dos nossos sábios: “Este é o caminho da Torá: coma pão com sal, beba água sob medida e durma no chão; viva uma vida de privações e se esforce no estudo da Torá. E se você fizer assim 'Você será feliz e será bom para você' (Salmos 128:2). 'Você será feliz' neste mundo, e 'será bom para você' no Mundo Vindouro” (Pirkei Avót 6:4). A Mishná não está nos ensinando que, necessariamente, a única maneira de se tornar um Talmid Chacham é vivendo desta forma. A Mishná está nos ensinando que devemos desenvolver uma apreciação tão profunda pela Torá, em especial através do seu estudo, que os prazeres mais básicos se tornam sem sentido. Para uma pessoa aspirar ser um Talmid Chacham, ela deve estar disposta a levar uma vida de escassez. Assim, mesmo que a pessoa tenha acesso a um padrão de vida melhor, ela ainda vai ser capaz de focar nos prazeres mais elevados do estudo da Torá. Porém, se a pessoa sente uma tração muito forte pelo conforto físico, então será impossível para ela se dedicar da maneira adequada à Torá.

 

Acabamos de passar a Festa de Shavuót, na qual comemoramos a entrega da Torá no Monte Sinai. Há um Midrash (parte da Torá Oral) que nos ensina que o povo judeu dormiu durante toda a noite que precedeu a entrega da Torá e teve que ser despertado por D'us. Por isso, atualmente temos o difundido costume dos homens passarem a noite inteira acordados, estudando Torá, para consertar o erro cometido pelos nossos antepassados. Mas qual é a fonte deste erro cometido pelo povo judeu? Apesar de eles terem demonstrado que estavam prontos para receber a Torá, a ponto de terem afirmado “Naasê Ve Nishmá” (Faremos e somente depois procuraremos entender), em certo nível eles estavam apreensivos com as implicações de receber a Torá. Eles sabiam que a Torá exigiria deles um nível mais alto de privações e uma cobrança maior. Esta apreensão se manifestou através do sono, que representa a “maior das fugas” dos desafios da vida. É comum que as pessoas, quando se sentem perturbadas ou depressivas, recorram ao sono como forma de escapar dos problemas. O povo judeu estava empolgado com a entrega da Torá, pois sabiam que ela daria a eles uma forma muito mais profunda e significativa de existência. Porém, no fundo eles sentiam uma dependência dos prazeres físicos que eles precisariam abandonar. Para consertar este erro, na noite de Shavuót nos privamos do nosso sono, demonstrando para D'us que o prazer de receber a Torá supera de longe a perda de confortos físicos, tais como uma boa noite de sono.

 Aprendemos desta Parashá que há duas maneiras de se privar dos prazeres físicos. A privação forçada do Nazir, que causa um considerável desconforto, e a privação do Talmid Chacham, que não causa nenhum tipo de sofrimento. Nosso objetivo na vida é reduzir nossa dependência do mundo material através de uma apreciação cada vez maior pela espiritualidade. Através da Torá podemos nos desconectar da nossa pior prisão: aquela que não escraviza o nosso corpo, mas escraviza nossa cabeça. Somente com o estudo da Torá poderemos chegar ao nível de sermos livres de verdade.

Shabat Shalom

R' Efraim Birbojm

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