Parashat Tazria

O que cada um tem de bom

Roberto finalmente havia realizado seu sonho de entrar na faculdade de engenharia. Mas aquela empolgação inicial logo se transformou em desespero quando começaram as aulas e ele escutou os professores de Cálculo e Álgebra Linear falando em um dialeto que parecia chinês misturado com russo. Roberto via todos aqueles números anotados na lousa e não entendia nada.
 
A preocupação ficou ainda maior quando, depois de um mês de aulas, chegou o dia da primeira prova da faculdade. O professor entregou a prova aos alunos e orientou que todos lessem com atenção todas as questões. Roberto, apesar dos traumas iniciais, havia se preparado bem para a prova e começou a responder rapidamente todas as questões, até que chegou à última pergunta: “Qual é o nome da mulher que faz a limpeza das salas de aula?”. Roberto pensou que tratava-se de algum tipo de piada. Naquele primeiro mês de aulas ele realmente tinha visto a moça da limpeza diversas vezes. Como ele chegava cedo, sempre a via se esforçando para terminar a limpeza da sala e deixar tudo pronto para o início das aulas. Era uma mulher baixa, de cabelos escuros, com cerca de 50 anos, mas como ele poderia saber o nome dela? Na verdade, ele nunca havia sequer se interessado em saber. Quando entregou sua prova, deixou a última questão em branco, imaginando que era apenas uma brincadeira do professor.
 
Porém, quando a prova terminou e todos os alunos voltaram para a sala de aula, Roberto tomou coragem e questionou se a última pergunta era séria e se seria levada em consideração na nota da prova. O professor olhou fixamente nos olhos dele e respondeu:
 
– Obviamente que será levada em consideração, pois esta foi a pergunta mais séria de toda a prova. Na vida profissional você encontrará muitas pessoas. Saiba desde agora que todas elas são importantes e significativas. Todas elas merecem ser valorizadas e terem seu trabalho reconhecido, mesmo que seja através de um sorriso e um “Bom dia”.
 
– Quando vocês chegam à sala de aula de manhã, está tudo limpo e arrumado, pronto para a aula começar, graças a esta moça que faz a limpeza – continuou o professor, se dirigindo a todos os alunos da sala – Se não fosse por ela, perderíamos tempo e despenderíamos esforços na arrumação, ao invés de focarmos na aula. Por isso, temos que saber valorizá-la. O mínimo que vocês deveriam saber era o nome dela, para poder agradecer pela ajuda que ela nos dá todos os dias.
 
Naquela aula, Roberto aprendeu uma das lições mais importantes de sua vida, que ele jamais esqueceu. Ele aprendeu a enxergar o que cada um tem de melhor, aprendeu a dar importância para cada pessoa e parar de julgar os outros de forma superficial. E também aprendeu que o nome da moça da limpeza era Yvone. 

 

Nesta semana lemos a Parashat Tazria (que literalmente significa “Conceber”), que descreve algumas formas de impureza espiritual, entre elas uma doença chamada “Tzaráat”. Apesar de ter manifestações físicas, na forma de manchas que surgiam na pele da pessoa contaminada, a Tzaráat era uma doença espiritual. A prova disso é que, caso surgissem manchas na pele de uma pessoa, levantando a suspeita de Tzaráat, ela não ia a um médico dermatologista fazer o diagnóstico, e sim a um Cohen (sacerdote), pois somente os Cohanim estavam aptos a definir se era ou não Tzaráat, como está escrito: “… ele deve ser trazido a Aharon, o Cohen, ou a um de seus filhos Cohanim” (Vayikrá 13:2). Caso a Tzaráat fosse confirmada, a pessoa contaminada precisava iniciar uma série de processos de purificação.
 
Porém, este versículo desperta alguns questionamentos. Em primeiro lugar, por que somente os Cohanim podiam anunciar se aquelas manchas eram uma manifestação de Tzaráat ou não? Se o problema era a dificuldade no diagnóstico por causa dos inúmeros detalhes envolvidos nas leis sobre Tzaráat, então qualquer grande sábio de Torá com conhecimentos específicos nesta área também estaria apto a verificar se as manchas estavam dentro dos padrões estabelecidos pela Torá para a Tzaráat. Porém, por algum motivo, a Torá determinou que apenas os Cohanim estavam aptos a fazer este tipo de verificação. Por que outras pessoas não podiam fazer um “curso prático” de identificação de Tzaráat?

Além disso, é possível perceber que nos diversos serviços feitos no Mishkan (Templo Móvel), a Torá sempre indica quem são os responsáveis pela sua execução de uma maneira mais genérica, isto é, algumas vezes o serviço é atribuído ao “Cohen”, enquanto outras ele é atribuído aos “filhos de Aharon, os Cohanim”. Por exemplo, está escrito “Os filhos de Aharon, os Cohanim, deverão trazer o sangue e despejar o sangue no altar” (Vayikrá 1:5). Também está escrito: “… e o Cohen queimará tudo no altar” (Vayikrá 1:9). Porém, em relação à Tzaráat, a Torá foi bem específica, determinando que a pessoa contaminada deveria ser trazida diretamente para Aharon ou para um de seus filhos. Por que a Torá se preocupou que Aharon HaCohen estivesse pessoalmente envolvido quando se tratava de um procedimento de diagnóstico de Tzaráat, enquanto nos outros serviços a Torá não foi tão específica?
 
Responde o Rav Yohanan Zweig que muito frequentemente a maneira como a pessoa valida seu próprio status e aumenta sua autoestima é focando nas falhas e deficiências dos outros. Isto acaba nos transformando em “especialistas” em ver o lado negativo das pessoas, e acabamos sempre procurando as falhas e defeitos dos outros. Mas Aharon HaCohen era diferente, a ponto dos nossos sábios o descreverem da seguinte maneira: “Seja dos discípulos de Aharon: ame a paz e procure a paz; ame as criaturas e as aproxime da Torá” (Pirkei Avót 1:12). Aharon tinha a incrível habilidade de criar harmonia em relacionamentos que anteriormente haviam sido de hostilidade. Qual característica permitia que ele tivesse tanto sucesso nesta área? Ele estava sempre predisposto a focar nos traços positivos dos outros. Ver sempre o lado positivo era o que permitia a Aharon transformar alguém, que anteriormente era um odiado inimigo, em um indivíduo digno de amizade.
 
Era justamente este traço de caráter que fazia de Aharon a pessoa apta a diagnosticar a Tzaráat em alguém com suspeita de contaminação. Somente uma pessoa que procura o que é positivo no próximo está qualificada para também avaliar as suas falhas. Já a pessoa que tem predisposição de procurar no próximo suas falhas não é capaz de conduzir um julgamento de forma objetiva e imparcial.
 
É justamente por isso que a Torá atribuiu especificamente a Aharon o diagnóstico de uma pessoa com suspeita de Tzaráat. Em relação aos outros serviços realizados no Mishkan, qualquer Cohen poderia executá-los, pela força do direito adquirido pelos seus ancestrais, e por isso estava escrito “Cohen” de forma genérica. Porém, a habilidade de diagnosticar alguém com Tzaráat emanava da natureza positiva de Aharon, que sabia procurar o que cada um tinha de melhor, ao invés de procurar falhas e defeitos. A perfeição de Aharon nesta característica foi herdada por seus filhos e descendentes, o que deu a eles, e não a nenhum outro grande sábio conhecedor das leis, a objetividade necessária para conseguir enxergar se aquelas manchas eram realmente a manifestação de Tzaráat ou não.
 
O mais incrível é perceber que a cura da Tzaráat começava justamente com a característica oposta ao que havia causado a doença espiritual. Nossos sábios explicam que a Tzaráat era causada principalmente por causa da transgressão de Lashon Hará, que consiste em denegrir e apontar as falhas dos outros. E esta terrível transgressão é consequência de enxergar sempre o lado negativo das pessoas. Todos têm qualidade e defeitos, pontos fortes e pontos fracos. Portanto, somente fala Lashon Hará aquele que sempre procura nos outros os defeitos. Se procurasse as qualidades, não estaria gastando seu precioso tempo denegrindo o próximo.
 
Ensinam os nossos sábios: “Todo aquele que possui as três características seguintes é dos discípulos de Avraham… bom olhar, espírito humilde e alma dócil” (Pirkei Avót 5:19). O que significa que Avraham tinha um “bom olhar”? Mesmo em uma cidade repleta de Reshaim (malvados) como Sdom, Avraham sabia procurar o que eles tinham de bom, e rezou para que D'us tivesse misericórdia de toda a cidade. Mesmo sabendo que seu sobrinho Lót era uma pessoa de má-índole, ele não o abandonou, pois sabia enxergar as suas qualidades. Avraham tinha um bom olhar, procurava o melhor em cada um.
 
Se quisermos estar listados entre os discípulos de Avraham e de Aharon, precisamos trabalhar o nosso olho e o nosso coração para sempre focarmos o lado bom das pessoas. Pois as pessoas positivas trazem mais amor e harmonia ao mundo, enquanto as pessoas negativas trazem tristeza, desgosto e sofrimento.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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