A porção semanal da TorahParashat Haazinu

Sentindo a presença divina

“Por volta de 1985 foi criado o “Prêmio Darwin”. Trata-se de uma brincadeira, uma versão irônica do famoso “Prêmio Nobel”, cujo objetivo é escolher e premiar anualmente as pessoas que fizeram os atos mais estúpidos. Em geral o “Prêmio Darwin” é entregue postumamente, pois os vencedores costumam não sobreviver à sua própria estupidez. Os “homenageados” com o “Prêmio Darwin” de 1999 foram três terroristas palestinos. Qual foi a “genialidade” deles?

No dia 5 de setembro de 1999, um domingo, exatamente às 17h30, dois carros-bomba explodiram coordenadamente em duas diferentes cidades de Israel. Porém, apesar do susto, apenas os três terroristas que transportavam as bombas morreram nas explosões. Em um primeiro momento acreditou-se que se tratava de terroristas amadores, e que alguma falha havia ocorrido nas bombas, causando o acionamento prematuro delas. Porém, futuras investigações mostraram a verdade que estava por trás daquele aparente acidente.

Para a maioria das pessoas no mundo inteiro a mudança do horário de verão ocorre sem grandes traumas ou dificuldades. Mas não para os palestinos. Em 1999 Israel decidiu antecipar o fim do horário de verão por causa de rezas da manhã que começavam antes do nascer do sol. Mas os palestinos se recusaram a aceitar o “horário sionista” e não quiseram antecipar o fim do horário de verão deles, causando uma enorme confusão sobre qual era o horário “correto”.

Os dois carros-bomba, que explodiram duas semanas depois do fim do horário de verão israelense, haviam sido preparados em uma área controlada pelos palestinos, e haviam sido programados para explodir às 17h30, mas ainda levando em consideração o horário de verão. Os terroristas palestinos, confusos com os dois horários vigentes, já haviam mudado seus relógios de pulso para o horário israelense normal. Quando eles pegaram os carros-bomba e se dirigiram para áreas de grande concentração de pessoas, tentando matar o máximo número de homens, mulheres e crianças, eles esqueceram um pequeno detalhe: não perguntaram se o horário da explosão havia sido programado em relação ao horário de verão ou ao horário normal.

A conclusão da história, que rendeu aos terroristas palestinos o “Prêmio Darwin” daquele ano, foi que os carros explodiram enquanto ainda estavam a caminho de seus alvos, matando apenas os terroristas e salvando a vida das centenas de pessoas inocentes que seriam alvo daquelas terríveis explosões.”

Algumas vezes D'us nos protege de maneira oculta, sendo difícil enxergar Sua mão. Mas algumas vezes é quase impossível não enxergar a mão de D'us no nosso dia a dia, nos protegendo de perigos e de dificuldades. 
 


Nesta semana lemos a Parashá Ha'azinu, que traz um cântico entoado por Moshé, chamando os céus e a terra como testemunhas das calamidades que ocorreriam ao povo caso eles se desviassem do caminho correto. O cântico de Moshé também profetiza a enorme alegria que virá com a redenção final do povo judeu. E neste Domingo de noite (27/09) começa a Festa de Sucót, também conhecida como “Zman Simchateinu” (A época da nossa alegria). A festa de Sucót é representada pelas suas duas principais Mitzvót: a “Sucá”, uma cabana provisória na qual habitamos durante todos os dias de Sucót, e os “Arbaat Haminim”, as 4 espécies (Lulav, Etróg, Adass e Aravá), que trazem simbolismos interessantes.

Apesar de a Sucá parecer apenas uma simples cabana construída com materiais rústicos, sua construção envolve o conhecimento de muitas Halachót (Leis judaicas). Por exemplo, a cobertura da Sucá, chamada de “Schach”, deve ser obrigatoriamente construída com materiais que cresceram da terra. Galhos de árvores, bambus e folhas de palmeira são os materiais normalmente utilizados para cobrir a Sucá. Além disso, o Schach deve ser colocado de forma que a área sombreada da Sucá seja maior do que a área ensolarada. Por outro lado, o Schach não pode ser espesso demais, pois deve ser possível olhar para o céu e, através do Schach, enxergar as estrelas. A própria estrutura da Sucá também segue leis rígidas e deve ter um caráter temporário. Mesmo que suas paredes podem ser permanentes, sua cobertura deve ser de natureza provisória, sendo anualmente renovada.

De acordo com uma das opiniões trazidas pelo Talmud, o motivo de habitarmos em uma Sucá é para lembrarmos que, desde a saída do Egito, estávamos envolvidos pela Presença de D'us. A manifestação física da proximidade e do amor de D'us pelo povo judeu eram as “Ananei HaCavód” (Nuvens de Glória), que envolveram e protegeram o povo de qualquer perigo e qualquer tipo de desconforto durante os 40 anos nos quais permaneceram no deserto. Mas se é este o motivo de habitarmos em cabanas, a época do ano na qual nós comemoramos a Festa de Sucót é um pouco estranha. Durante todos os dias de Sucót devemos passar o máximo de tempo possível dentro da Sucá, tratando-a como se fosse a nossa verdadeira residência. Porém, se a Festa de Sucót tivesse sido comemorada há um mês, a Sucá teria sido um agradável local de sombra para sentarmos confortavelmente e nos refrescar um pouco nos dias quentes. Se a Sucá é para lembrar a proteção de D'us no deserto, e nossa estadia durou 40 anos, então qualquer dia do ano seria propício para relembrarmos. Então por que D'us nos comandou ficarmos na Sucá agora, justamente quando o clima começa a se tornar um pouco incômodo? E apesar de todas estas dificuldades, cuidados com as Halachót e desconforto, por que ainda assim Sucót é chamada de “Zman Simchateinu”, como se nos trouxesse mais alegria do que as outras festas?

Na verdade todas estas leis, que parecem ser completamente misteriosas, são fascinantes ensinamentos de como devemos nos relacionar com o nosso Criador. Sentir a Presença de D'us no deserto era algo fácil, pois era uma realidade, algo quase palpável. Mas como fazer para sentirmos hoje em dia esta proximidade de D'us? Explicam os nossos sábios que as leis relacionadas com a construção da Sucá são uma oportunidade para revivermos a experiência de sentir, de uma maneira mais palpável, a força vital de D'us nos rodeando, sem as distrações que nos cegam e não nos permitem enxergar a Presença Divina durante o nosso cotidiano.

Ao abandonarmos as nossas casas para habitarmos em cabanas provisórias, nos afastamos de uma das ilusões mais prejudiciais ao ser humano: a sensação de que a segurança material nos protege da nossa vulnerabilidade. A verdade é que nada material é eterno. A sensação de segurança e estabilidade que vem das nossas posses materiais é algo passageiro, e a única coisa que possuímos que é verdadeiramente duradoura é a nossa essência espiritual. Porém, é muito difícil para o ser humano derrubar a ilusão de que o que temos é duradouro e verdadeiro, pois sem esta falsa sensação de segurança, nos sentimos abandonados e nas mãos de um destino desconhecido. Por isso, enquanto as pedras, tijolos e argamassa de nossas casas criam uma falsa sensação de segurança, a fragilidade e instabilidade da Sucá nos ajuda a confrontarmos a realidade. É justamente na fragilidade da nossa Sucá que reside a nossa segurança. Na Sucá nós percebemos que não estamos sozinhos, e por isso não precisamos nos atemorizar com a realidade da nossa vulnerabilidade. Apesar de sermos pequenos e frágeis, percebemos que a mão de D'us está constantemente nos guiando e nos protegendo, como fazia no deserto.

O Schach traz ainda um simbolismo mais forte, pois representa o mundo no qual nós vivemos. Apesar de haver mais sobra do que sol, isto é, mais escuridão do que luz, ainda assim nós conseguimos ver as estrelas. Vivemos em um mundo no qual as perguntas e questionamentos são mais numerosos do que as respostas que nossa sabedoria alcança. Apesar disso, o que faz deste mundo um lugar de sentido e não um lugar de desespero é que podemos ver o que as estrelas representam: brilho e luz. Nós passamos a vida buscando por sentido, e encontramos quando focamos no brilho das estrelas. Nos sentir amados por D'us não é algo fácil de ser atingido, principalmente nos momentos em que somos intensamente testados com sofrimentos e dificuldades. Nestes momentos é muito fácil perder de vista as “Nuvens da Glória” invisíveis que nos cercam o tempo inteiro. Sucót nos ajuda a redefinir o nosso conceito de “possível”. Devemos entender que para D'us tudo é possível, pois Ele não tem nenhuma limitação ou restrição. Nada pode acontecer contra Sua vontade, e nada pode impedir a Sua vontade de se cumprir. Quando observamos o incessante movimento das estrelas e constelações e sua eterna beleza, isto nos ajuda a enxergar a grandeza de D'us. Da mesma maneira que cada estrela, dentre os bilhões e bilhões existentes, foi pessoalmente criada e cuidadosamente colocada no céu por D'us, assim também Ele cuida de cada um de nós com “Hashgachá Pratid” (Supervisão Particular). Esta é a lição eterna da Sucá.

E da mesma forma que nada é por acaso, tudo passa por uma Supervisão Particular de D'us, também a época escolhida para comemorarmos Sucót não é uma data aleatória, e sim uma declaração da nossa identidade judaica. Em Sucót nós não saímos das nossas casas para buscarmos um alívio do calor do verão, nós saímos para experimentar a sensação de vulnerabilidade. Isto nos ajuda a curar a cegueira que nos impede de enxergarmos o amor de D'us. Explica o Rav Moshe Chaim Luzzato zt”l (Itália, 1707 – Israel, 1746) que D'us criou este mundo para nos dar a oportunidade de enfrentarmos dificuldades e desafios. O povo judeu não foi projetado para viver em “moradias permanentes”. O povo judeu foi projetado para viver uma vida de “Sucá”. Um judeu nunca se acomoda, nunca está satisfeito com o que tem, sempre quer crescer mais, ganhar mais conhecimento, atingir mais um nível de espiritualidade. A Sucá representa a vontade de fugir da mesmice, o desejo de crescimento constante. E justamente os testes e dificuldades são as ferramentas que D'us utiliza para nos ajudar a crescer.

Alguém que viaja na “pista expressa” de uma rodovia pode se sentir energizado ou amedrontado. É a escolha que todos nós temos quando passamos por testes e dificuldades na vida, quando nossa Emuná (fé) é colocada à prova. Quanto mais conseguirmos enxergar a eternidade da Sucá, mais receberemos com alegrias as viagens por qualquer tipo de “deserto” que D'us queira nos levar. Esta é a grande alegria da Festa de Sucót: o reconhecimento de algo que sempre foi verdade, mas que nossos olhos não conseguem enxergar. Todos nós estamos, e sempre estivemos, permanentemente na Sucá de D'us. As “Nuvens de Glória” não nos protegeram somente no deserto, mas continuam nos protegendo, com um amor infinito de D'us, em cada pequeno “deserto” que passamos no nosso dia a dia.
SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH

Rav Efraim Birbojm

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo