Fé e confiância

Medida por medida

O enterro do Rav Pinchas Yossef Rabinovitz zt”l foi um dos mais marcantes da cidade de Petach Tikva. Não apenas por causa dos milhares de estudantes de Torá e grandes rabinos que saíram às ruas para dar o último adeus àquele grande Tzadik (Justo), mas também por um fato inusitado que aconteceu. Ao chegar no cemitério, muitos perceberam que naquele momento também estava acontecendo o enterro de uma senhora que havia falecido aos 103 anos. Mas diferente da multidão que acompanhava o enterro do Rav Rabinovitz, o grupo que vinha acompanhar o enterro daquela senhora era muito pequeno, pois ela tinha poucos familiares e a maioria das suas amigas já havia falecido. Porém, por algum motivo, aquela senhora meritou que milhares de pessoas, a grande maioria estudantes de Torá e grandes rabinos, acompanhassem seu enterro, pois os dois enterros aconteceram exatamente no mesmo horário e no mesmo local.
 
Mais do que isso, revelou-se que ela vivia na cidade de Haifa, e lá ela seria enterrada. Na última hora, quando os preparativos do enterro já tinham começado, alguém se lembrou que o marido daquela senhora havia falecido há dezenas de anos, mas ninguém sabia onde ele estava enterrado e se ela havia adquirido o jazigo ao lado dele. Foi iniciada uma verdadeira “operação de busca” em todos os cemitérios de Israel, com todos os funcionários da Chevra Kadisha se esforçando ao máximo, sem descanso, até que finalmente descobriram o túmulo dele no cemitério de Petach Tikva. A maior surpresa foi que, apesar de aquela senhora não ter adquirido o jazigo ao lado do marido, e já terem passado dezenas de anos, o lugar ao lado dele era um dos poucos jazigos do cemitério que ainda estavam vagos. Muitos dos que acompanharam o enterro começaram a se interessar em saber qual havia sido o mérito daquela mulher para receber tanta honra no momento do seu falecimento e ter seu lugar “guardado” ao lado de seu marido por tantos anos. Ao conversar com parentes daquela senhora, tudo foi se esclarecendo.
 
Há mais de 80 anos, quando aquela senhora tinha pouco mais de 20 anos, chegou aos ouvidos dela a triste notícia de que a Yeshivá “Torah Vadaat”, que havia sido fundada naquela época nos Estados Unidos, estava passando por enormes dificuldades financeiras. Era uma época de crise, e juntar dinheiro para Yeshivót era uma tarefa muito difícil, que exigia uma dedicação sobre-humana. Mesmo assim, sem se intimidar com as dificuldades, aquela senhora decidiu começar a juntar dinheiro para a Yeshivá, batendo de porta em porta, até conseguir uma enorme quantia, suficiente para tirar a Yeshivá daquela situação difícil e dar aos jovens estudantes tudo o que eles necessitavam para manter seu estudo de Torá.
 
Quem ainda se lembrava daquele ato tão grande daquela senhora? Tanto tempo já havia se passado que talvez nem ela mesma se lembrava. Mas D'us, que nos faz tantas bondades, se lembrava, pois Ele nunca se esquece de nada. Como ela havia permitido, com o esforço de suas mãos, que centenas de jovens pudessem se dedicar ao estudo de Torá, ela teve o mérito de ter um grupo tão grande de estudantes de Torá acompanhando seu enterro para um último adeus. 

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Nesta semana lemos a Parashá Shemini, que começa descrevendo a cerimônia de inauguração do Mishkan (Templo Móvel). Por sete dias consecutivos Moshé montou o Mishkan, fez todos os serviços e depois o desmontou. Somente no oitavo dia (“Shemini”, em hebraico) o Mishkan foi permanentemente erguido e Moshé consagrou Aharon e seus filhos como os Cohanim (sacerdotes) do povo judeu. A partir daquele momento os serviços do Mishkan seriam feitos apenas pelos Cohanim. E assim o versículo descreve o primeiro Korban (sacrifício) oferecido por Aharon durante a inauguração do Mishkan: “E ele (Moshé) disse para Aharon: pegue um bezerro para o (Korban) Chatat” (Vayikrá 9:2).
 
O Korban Chatat era oferecido para expiar erros cometidos de forma não intencional. Por que Aharon foi comandado a oferecer justamente um bezerro? O Rav Shlomo Itzchaki zt”l (França, 1040 – 1105), mais conhecido como Rashi, explica que D'us estava mandando uma mensagem para Aharon, de que aquele Korban Chatat, um bezerro, vinha justamente para expiar a participação de Aharon no terrível pecado do bezerro de ouro. Apesar de Aharon ter participado da construção do bezerro de ouro com as intenções mais puras, tentando apenas ganhar tempo até que Moshé descesse do Monte Sinai, mesmo assim ele acabou causando, de forma não intencional, que o povo transgredisse com mais alegria. Por isso ele recebeu parte da culpa, e naquele momento D'us quis ressaltar que aquele bezerro oferecido vinha para consertar o erro cometido com o outro bezerro.
 
Mas por que D'us revelou para Aharon sobre sua expiação desta maneira, associando o bezerro do Korban com o bezerro de ouro? Para nos ensinar uma de Suas características mais predominantes: o “Midá Kenegued Midá” (Medida por Medida), através da qual D'us se comporta com os seres humanos exatamente da mesma maneira que eles se comportaram, tanto para o bem quanto para o mal.
 
Explica o Rav Ytzchak Zilberstain shlita que enxergar esta característica de D'us é muito importante para o nosso trabalho espiritual, pois permite ao ser humano entender porque ele está recebendo dos céus uma bondade ou um castigo. O ser humano se esquece de seus atos, mas D'us não se esquece de nada, como afirmam os nossos sábios: “Reflita sobre três coisas e você não chegará a pecar. Saiba o que existe acima de você: um Olho que vê, um Ouvido que escuta, e todos seus atos estão registrados em um Livro” (Pirkei Avot 2:1). D'us não se esquece de dar uma recompensa por cada Mitzvá feita e por cada bom ato, mesmo que a pessoa já nem se lembra mais deste ato. E, de maneira similar, Ele não se esquece de dar um castigo por cada transgressão feita e cada mau ato.
 
Este entendimento nos ajuda a fugir de um erro conceitual cometido por um grande número de pessoas. Muitas vezes não entendemos o conceito de que D'us é Misericordioso, e achamos que isto significa que D'us “fecha os olhos” e simplesmente ignora nossos erros e transgressões. Alguns chegam a acreditar que não existe castigo para as nossas transgressões pelo fato de D'us ser Misericordioso. Mas isto vem de uma falha de compreensão sobre o que significa a Misericórdia Divina. Se a Misericórdia simplesmente anulasse qualquer transgressão que cometemos, onde estaria a justiça? Seria correto que todas as Mitzvót fossem lembradas, mas as transgressões fossem simplesmente esquecidas por D'us? Isto seria “Emet” (Verdade)?
 
Então como funciona a Misericórdia Divina, sem contradizer a característica da Justiça? Explica o Rav Moshe Chaim Luzzato (Itália, 1707 – Israel, 1746) que quando uma pessoa faz um erro, ela deveria ser castigada imediatamente, em um momento de “fúria espiritual” de D'us e sem chances de seu erro ser consertado. Isto quer dizer que, de acordo com a justiça estrita, as consequências de uma transgressão seriam imediatas e trágicas. A Misericórdia faz com que o castigo da pessoa seja postergado para um momento em que a “fúria espiritual” de D'us tenha passado, dando a chance dela se arrepender e consertar seu erro, minimizando as consequências espirituais. Mas o conceito de que D'us se esquece de uma transgressão ou perdoa mesmo sem a pessoa se arrepender não é uma realidade espiritual. Quando alguém comete uma transgressão, ela fica guardada, mesmo que seja por muito tempo, para ser cobrada no momento certo.
 
Nossos sábios ensinam que a característica de bondade de D'us é muito maior do que a Sua característica de justiça. Isto quer dizer que, se D'us não esquece nenhuma transgressão, mesmo as menores e mais insignificantes, certamente Ele também não esquece nenhum bom ato que fazemos. Muitas vezes não recebemos nenhum tipo de retribuição pelos bons atos imediatamente, mas D'us deixa guardado para nos recompensar quando Ele decidir que é o momento ideal, de acordo com Seus cálculos perfeitos.
 
Precisamos internalizar este importante conceito da “Midá Keneged Midá” de D'us, pois isto nos ajuda em nosso crescimento espiritual. Quando entendemos que tudo está sendo “anotado”, cada pequeno detalhe, e que D'us não se esquece de nada, então nos tornamos mais cuidadosos, tanto para não cometermos transgressões quanto para sermos mais ágeis e aproveitarmos cada oportunidade de fazer uma Mitzvá ou um bom ato.
 
Parte do nosso trabalho de Emuná (fé) é saber que todos os nossos bons atos serão recompensados, sem exceção. Mesmo quando não enxergamos imediatamente os bons frutos dos nossos atos, nada é esquecido nos mundos espirituais. Algumas vezes leva dias, outras vezes meses, pode ser que leve até anos. Mas no final a bondade de D'us será revelada, e veremos como cada pequeno bom ato valerá uma enorme recompensa.
 

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