Havia na floresta um leão feroz, que era um poderoso caçador. Certo dia ele estava com fome e viu três touros em um pasto. O problema era que eles estavam sempre juntos, e o leão sabia que não podia derrotar três touros. Porém, além de forte, o leão era muito astuto e logo bolou um plano. Ele ficou parado ao lado do pasto, observando. Quando percebeu que um dos touros havia se afastado um pouco dos outros, aproximou-se dele e o cumprimentou. O touro se assustou, mas manteve-se calmo, pois seus amigos estavam por perto. O leão começou uma conversa amigável e logo falou:
– Você parece ser tão bacana. Como pode ser que os outros dois touros falam coisas tão ruins sobre você o tempo todo? Só pode ser por inveja! E o pior é que eles fingem que realmente gostam de você…
Isto deixou o touro curioso. E o leão foi lentamente envolvendo-o, até que o touro começou a acreditar e a odiar seus amigos. O leão sugeriu ao touro que, sem falar nada aos outros, fosse pastar em outro lugar. O touro agradeceu ao leão pelos conselhos e foi sozinho para outro pasto, onde foi facilmente atacado e devorado.
No dia seguinte, o leão continuou seu plano. Sabia que mesmo contra dois touros ele não podia lutar. Quando um deles se afastou, puxou conversa com ele. Perguntou onde estava o amigo que estava faltando, mas o touro não sabia. O leão contou que havia visto o outro touro indo para um pasto vizinho, e que ele estava espalhando para todo mundo que não aguentava mais viver com touros tão falsos e oportunistas. O segundo touro no começo não queria acreditar, mas o leão continuou com sua narrativa de forma tão convincente que ele acabou ficando com raiva. O leão então sugeriu que ele fosse até o pasto vizinho para tirar satisfações com o amigo. O touro agradeceu e foi, e facilmente foi atacado pelo leão e devorado. Depois ficou fácil para o leão, no dia seguinte, atacar o terceiro touro e devorá-lo.
Quando os touros estavam juntos eles estavam seguros, pois o leão não tinha chances. Mas quando o leão foi capaz de separá-los, somente então conseguiu derrotá-los. Assim também acontece com o povo judeu. Quando estamos juntos, unidos, nossos inimigos não conseguem nos derrotar. Mas quando nos separamos, infelizmente perdemos a nossa força.
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Nesta semana começamos o 4º livro da Torá, Bamidbar, que descreve muitos eventos importantes que aconteceram com o povo judeu durante os 40 anos em que permaneceram no deserto, como as contagens do povo, o erro dos espiões e muitas reclamações e rebeliões do povo judeu contra Moshé e contra D’us. E imediatamente após o término do Shabat começa a festa de Shavuót, também conhecida como “Chag Matan Torá” (A Festa da entrega da Torá), pois justamente nesta data, 6 de Sivan, D’us se revelou ao povo judeu no Monte Sinai e nos entregou os 10 Mandamentos.
Há um versículo interessante que descreve o momento da entrega da Torá no Monte Sinai: “E eles (povo judeu) viajaram de Refidim e chegaram ao Deserto do Sinai, e acamparam no deserto. E acampou Israel diante do Monte” (Shemot 19:2). Rashi (França, 1040 – 1105) observa que normalmente quando a Torá está se referindo ao povo judeu os verbos estão no plural (viajaram, chegaram e acamparam), mas quando a Torá descreve o momento no qual o povo estava diante do Monte Sinai está escrito no singular (acampou). Por que?
Outra pergunta interessante surge quando prestamos atenção em um dos textos da Hagadá de Pessach. No “Daienu” (nos bastaria) agradecemos a D’us por cada passo da nossa salvação do Egito. Um dos passos é: “Se D’us tivesse nos aproximado do Monte Sinai e não tivesse nos entregado a Torá, Daienu”. O que há de especial em D’us ter nos aproximado do Monte Sinai? Por que isso tem um peso tão grande, a ponto de a Hagadá afirmar que mesmo sem receber a Torá esta aproximação já teria valido a pena?
Além disso, na Parashá da semana passada, Bechukotai, a Torá trouxe algumas Brachót (bênçãos) que recaem sobre o povo judeu quando andamos no caminho das Mitzvót. Uma das Brachót é que viveremos em segurança em Israel e nossos inimigos não nos dominarão. Assim o versículo descreve como serão nossas vitórias: “Perseguirão, 5 de vocês, 100 (inimigos), e 100 de vocês perseguirão 10 mil, e cairão seus inimigos diante de vocês pela espada” (Vayikrá 26:8). Mas a proporção utilizada pela Torá nos chama a atenção. Se 5 derrotam 100, significa que a força deles será multiplicada por 20. Portanto, 100 deveriam derrotar 2 mil inimigos, não 10 mil! Por que a Torá não manteve a mesma proporção? O Rav Yehuda Loew z”l (Praga, 1525 – 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, vai além e questiona que se a Torá quer nos ensinar que quanto maior o número de pessoas envolvidas em uma tarefa, maior a força do grupo, então por que a força dos nossos inimigos também não aumentou proporcionalmente ao aumento numérico deles?
Rashi explica que a Torá está nos trazendo um importante ensinamento: não se compara o impacto positivo de quando há o comprometimento com a Torá de poucos indivíduos com o impacto positivo de quando há o comprometimento com a Torá de um grupo grande, e por isso os números não são proporcionais. Mas o versículo, que é parte das Brachót, somente se aplica às épocas nas quais o povo inteiro está cumprindo as Mitzvót. Então por que Rashi explica que o versículo compara poucos que estão cumprindo as Mitzvót com muitos que estão cumprindo as Mitzvót?
Explica o Rav Yochanan Zweig que quando estamos lidando com dinâmicas de grupos, há duas maneiras através das quais um grupo tem mais força para completar uma tarefa do que um simples indivíduo. Uma primeira maneira é formando um grupo que contém indivíduos preocupados apenas com seus próprios interesses pessoais, e eles se juntaram por causa de um objetivo comum. Apesar de cada um participar do grupo apenas por motivos pessoais e egoístas, mesmo assim este esforço coletivo para realizar uma tarefa é mais efetivo do que se cada pessoa do grupo estivesse fazendo individualmente a mesma tarefa, pois as forças se somam. Já a segunda maneira, muito mais efetiva do que a primeira, é formando um grupo cuja motivação de cada um dos indivíduos não é somente seus próprios interesses pessoais, mas também ajudar cada indivíduo do grupo a atingir seus objetivos. Enquanto no primeiro grupo o objetivo comum é o que os une, e sua força é derivada apenas de seu aumento numérico, no segundo grupo há um beneficio adicional, pois cada indivíduo também conta com a ajuda de cada um dos outros membros do grupo para que possa atingir seus objetivos. Neste caso, os membros do grupo estão unidos por sua vontade de se ajudarem mutuamente, e a tarefa executada é apenas uma manifestação deste desejo.
Quando versículo traz duas situações diferentes, isto é, de 5 perseguindo 100 e de 100 perseguindo 10 mil, na verdade a Tora está mostrando o contraste entre as duas dinâmicas de grupos. Na primeira situação, o verbo está descrito antes do grupo, “perseguirão, 5 de vocês”, demonstrando que o ato de perseguir os inimigos é o que os une como um grupo. Entretanto, na segunda situação o grupo vem antes do verbo, “100 de vocês perseguirão 10 mil (inimigos)”, demonstrando que o grupo é formado pelo desejo de se ajudar mutuamente, e nesta situação isto se manifesta através da perseguição aos inimigos. Como no primeiro grupo há um fortalecimento apenas na quantidade, a força do grupo só é multiplicada por 20. Mas no segundo grupo há uma centena de membros, e fora o esforço particular de cada um, há outras 99 pessoas interessadas que cada indivíduo alcance seus objetivos. Consequentemente, cada um tem a força de 100 pessoas e, como é um grupo com 100 membros, a combinação das forças resulta em um poderio de 10 mil pessoas.
Com esta explicação conseguimos entender as palavras de Rashi. Se o comprometimento do povo judeu com o cumprimento das Mitzvót é apenas como poucos indivíduos com interesses egoístas, eles não têm a mesma força do que uma nação em que cada indivíduo deseja ajudar seus companheiros em seu cumprimento das Mitzvót. A força de um grupo não depende apenas do número de membros, mas também de seu nível espiritual. Quanto mais um judeu se preocupa com os outros, maior a força do povo judeu como um todo. É por isso que, mesmo que no versículo os inimigos do povo judeu também aumentaram numericamente, sua força não aumentou proporcionalmente, pois eles não estavam unidos para se ajudarem, e sim apenas para atingir seu objetivo em comum: destruir o povo judeu.
Por que a Hagadá afirmou que “Se D’us tivesse nos aproximado do Monte Sinai e não tivesse nos entregado a Torá, Daienu”? Pois sob o Monte Sinai o povo judeu chegou ao nível da união perfeita, cada um preocupado com o outro, todos na mesma sintonia. Rashi explica que o verbo “acampar” está no singular pois o povo judeu chegou ao incrível nível de “Ke Ish Echad Be Lev Echad” (como um homem, com um só coração). É interessante perceber que Rashi ressalta antes “um homem”, isto é, o motivo da formação do grupo é a preocupação um com o outro. E esta união perfeita levou ao “um só coração”, isto é, o objetivo em comum de receber a Torá foi consequência da união perfeita do povo judeu.
Ao contrário, quando os egípcios estavam perseguindo os judeus no deserto, a Torá descreve: “E eis que o Egito estava viajando atrás deles” (Shemot 14:10). Novamente Rashi observa que o versículo mudou a conjugação para o singular (estava viajando), apesar de estar se referindo aos milhares de egípcios que perseguiam os judeus. Rashi explica que eles estavam unidos “Be Lev Echad Ke Ish Echad” (com um coração, como um só homem). Rashi inverteu a ordem justamente para ressaltar que os egípcios não estavam em uma união perfeita. Eles estavam juntos por egoísmo, apenas o que os unia era o ódio em comum contra os judeus e a vontade de pegar seus escravos e seus bens de volta, e não a vontade de ser um grupo, de se ajudarem. Por isso primeiro vem o coração, isto é, o objetivo, e só depois a união em um só homem.
Este deve ser um dos principais trabalhos de preparação para Shavuót: a união do povo judeu. Cada judeu precisa se preocupar de verdade com os outros. Não adianta cumprirmos as Mitzvót e não nos preocuparmos com aqueles que ainda não cumprem. Precisamos chegar a Shavuót com a consciência de que a vida é uma corrida na qual somente seremos vitoriosos quando todos cruzarem a linha de chegada juntos.