Parashat Shemot

Crescimento individual e coletivo

Yossef era funcionário de uma grande empresa. Certo dia, todo o grupo gerencial, um total de 12 pessoas, foi participar de um curso de sobrevivência na selva. A primeira prova apresentada pelo instrutor era cruzar um rio com uma forte correnteza. Os funcionários deveriam se dividir em três grupos de quatro pessoas e superar aquele obstáculo em equipe. O grupo “A” recebeu quatro tambores de óleo vazios, duas grandes toras de madeira, uma pilha de tábuas, um grande rolo de corda grossa e dois remos. O grupo “B” recebeu dois tambores, uma tora e um rolo de barbante. Já o grupo “C” não recebeu recurso nenhum para cruzar o rio. Eles poderiam utilizar qualquer material fornecido pela natureza, caso conseguissem encontrar algo perto do rio ou na floresta próxima. Não foi dada nenhuma instrução a mais. Simplesmente foi dito aos participantes que todos eles deveriam atravessar o rio no prazo de quatro horas.
 
Yossef teve a sorte de estar no grupo “A”, que não levou mais do que uma hora para construir uma forte jangada. Quinze minutos mais tarde ele já estava com o resto do seu grupo, em segurança e enxuto, do outro lado do rio. O grupo “B” levou quase duas horas para atravessar o rio. Há muito tempo Yossef não ria tanto como no momento em que a tora, amarrada aos dois tambores, virou com a força das águas, derrubando todos os integrantes do grupo. Eles conseguiram chegar ao outro lado, mas encharcados da cabeça aos pés.
 
Porém, o melhor ainda estava por vir. Nem mesmo o rugido das águas do rio foi suficiente para encobrir as gargalhadas dos oito homens quando o grupo “C” tentou lutar contra as águas espumantes. Os coitados agarraram-se a um emaranhado de galhos e pequenos pedaços de madeira amarrados com cipós, tudo o que eles haviam conseguido como “ferramentas” para ajudar na travessia do rio. O auge da diversão foi quando o grupo bateu em um rochedo, quebrando os galhos. Reunindo todas as forças que lhe restava, o último membro do grupo “C”, o gerente de logística, chegou ao outro lado do rio, todo arranhado e com os óculos quebrados. Quando ele chegou, já haviam passado mais do que quatro horas.
 
Neste momento, o instrutor do curso voltou e perguntou como havia sido a competição. Os integrantes do grupo “A” responderam em coro: “Nós vencemos! Nós vencemos!”. Os integrantes do grupo “B” também estavam felizes, pois haviam terminado a travessia dentro das 4 horas propostas. Somente os integrantes do grupo “C” estavam quietos e cabisbaixos. O instrutor do curso balançou negativamente a cabeça e disse: 

– Vocês entenderam mal as instruções. A meta de vocês não era competir e vencer uns aos outros. Eu avisei que todos deveriam atravessar o rio no prazo de quatro horas. Isto significa que a tarefa somente seria concluída com sucesso se os três grupos tivessem atravessado o rio dentro das quatro horas. Nenhum de vocês pensou em ajuda mútua, nem imaginou a possibilidade de dividir os recursos para atingir uma meta comum. Não passou pela cabeça de nenhum integrante dos grupos “A” e “B” coordenar os esforços e ajudar os integrantes do grupo “C”, que não tinham recebido nenhuma ferramenta para cruzar o rio. Portanto, ninguém aqui ganhou nada. Apesar de terem conseguido cruzar o rio, todos vocês perderam.

Foi uma grande lição para todos no grupo gerencial. Naquele dia, o grupo aprendeu muito sobre trabalho em equipe e sobre a importância de se importar com os outros. 

 

Nesta semana começamos o segundo livro da Torá, Shemot, que tem o mesmo nome da nossa Parashá. Literalmente “Shemot” é traduzido como “Nomes”. Porém, o nome desta Parashá é intrigante. Com exceção dos primeiros versículos, que mencionam o nome das 12 tribos de Israel, nos surpreendemos ao perceber que a Parashá não menciona o nome da maioria dos personagens que aparecem nela. Por exemplo, as parteiras que salvaram muitos bebês judeus são chamadas de “Shifrá” e “Puá” (Shemot 1:15), mas não são identificadas por seus nomes reais, que de acordo com o Talmud (Sota 12b) eram Yocheved e Miriam, a mãe e a irmã de Moshé Rabeinu. Amram, o pai de Moshé, é chamado de “um homem da casa de Levi” (Shemot 2:1). Yocheved também é chamada de “uma filha de Levi” (Shemot 2:1). Moshé é referido como “garoto” (Shemot 2:3) ou como “jovem” (Shemot 2:6). Miriam é chamada de “sua irmã” (Shemot 2:4) e Batia, que salvou Moshé das águas do Nilo, é chamada apenas de “filha do Faraó” (Shemot 2:5). Parece que intencionalmente a Torá se esforça para ocultar as identidades dos personagens desta Parashá. Por que?
 
Outro ponto que nos chama a atenção é um ensinamento do Talmud (Sota 12b) de que Yocheved tinha 130 anos quando deu a luz a Moshé. O Rav Avraham ben Meir zt”l (Espanha, 1092 – 1167), mais conhecido como Ibn Ezra, se surpreende com este ensinamento do Talmud, pois quando Sara deu a luz aos 90 anos, a Torá ressaltou a natureza milagrosa deste evento. Porém, a Torá nem mesmo mencionou o fato de Yocheved ter dado a luz a um filho aos 130 anos, um milagre muito maior. Se realmente ela deu a luz aos 130 anos, por que a Torá nem mesmo mencionou este fato?
 
Finalmente, outra questão é despertada quando prestamos atenção nos detalhes de um evento milagroso descrito pelos nossos sábios. Quando os magos egípcios previram o nascimento iminente do salvador do povo judeu, o Faraó decretou que todos os meninos recém nascidos fossem atirados no rio Nilo. Os pais de Moshé, que ainda era um pequeno bebê, colocaram-no em uma cestinha revestida de material impermeável e deixaram-no à deriva no rio Nilo, para que de alguma maneira ele fosse encontrado por alguém e pudesse se salvar. Quando Batia, a filha do Faraó, desceu para se banhar, ela viu a cestinha de Moshé flutuando entre os juncos do rio Nilo. De acordo com o Talmud (Sotá 12b), apesar de estar muito longe do bebê, Batia estendeu suas mãos para alcançar a cestinha e milagrosamente suas mãos se alongaram e alcançaram o bebê. Mas Batia não sabia que um milagre aconteceria. Então, ao ver que a cestinha estava muito longe, certamente fora do seu alcance, por que ela estendeu os braços para tentar alcançá-la?
 
Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta destas três perguntas está no entendimento da diferença fundamental que há entre o Sefer Bereshit, o primeiro livro da Torá, e o Sefer Shemot. O Sefer Bereshit, que descreve as vidas de personagens como Adam Harishon, Noach e os nossos três patriarcas, Avraham, Ytzchak e Yaacov, tem seu foco no desenvolvimento do caráter e na realização do potencial dos indivíduos que foram os responsáveis por fornecer o “material genético espiritual” necessário para a formação do povo judeu. Já o Sefer Shemot tem como foco a formação e o desenvolvimento do povo judeu como uma nação.
 
A consequência desta diferença é que, enquanto o foco principal do Sefer Bereshit são as realizações e as vidas dos indivíduos, o foco do Sefer Shemot é o lado coletivo do povo judeu. Por causa dos eventos milagrosos descritos no Sefer Shemot, que levaram à criação do povo judeu como uma nação, a Torá minimiza as realizações individuais e ressalta o impacto coletivo dos acontecimentos.
 
A formação do povo judeu seguiu os planos determinados por D'us, um projeto cujo objetivo era trazer à existência uma nação. Cada movimento de cada indivíduo envolvido neste projeto foi cuidadosamente coordenado por D'us, como parte de uma incrível coreografia. Enfatizar as realizações individuais diminuiria o envolvimento Divino nos eventos que se desdobraram e levaram ao nascimento e desenvolvimento do povo judeu. É por isso que os nomes dos indivíduos raramente são mencionados nesta Parashá, para dar a sensação de que suas ações foram meramente mecânicas e preordenadas por uma “Autoridade superior”.
 
Pelo fato do Sefer Shemot seguir o “script” definido por D'us, mesmo os eventos mais milagrosos são tratados como acontecimentos comuns e triviais. Por isso, nenhuma menção é feita ao incrível fato de Yocheved ter dado a luz a um filho com a idade de 130 anos. Já no Sefer Bereshit, como as realizações dos indivíduos são muito enfatizadas, a possibilidade de Sara ter um filho aos 90 anos foi muito ressaltada.
 
Isto também explica a atitude de Batia. As ações dos indivíduos mencionados nesta Parashá foram conduzidas por D'us, de acordo com os Seus planos. Batia estendeu sua mão em direção à cestinha pois era a vontade de D'us que Moshé fosse salvo. Batia havia se transformado em uma ferramenta nas mãos de D'us para alcançar o objetivo final: a formação do povo judeu.
 
Desta enorme diferença entre os livros Bereshit e Shemot nós aprendemos uma lição extremamente importante para nossas vidas. Com o Sefer Bereshit nós aprendemos que D'us dá a cada indivíduo forças e ferramentas para que ele possa desenvolver o seu potencial e as suas habilidades, alcançando assim os seus objetivos. Porém, o Sefer Shemot nos ensina que parte dos objetivos de cada judeu é também se preocupar com o povo como um todo. Nossas forças e habilidades também devem ser voltadas a beneficiar outras pessoas. Não adianta desenvolvermos nossas habilidades e o nosso caráter se não fizermos nada pelos outros, pois não estaremos completando nosso objetivo coletivo como parte de uma nação. O povo judeu é uma unidade e todos vão juntos, para cima ou para baixo. Não estamos em uma corrida para ver quem chega primeiro, e sim em um “curso de sobrevivência”, no qual apenas sairemos vitoriosos quando, além de cumprirmos nossos objetivos individuais, ajudarmos a todos em volta a também cumprirem os seus objetivos.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo