Parashat Bo

Acerto de contas

“Adam e Josef eram dois irmãos judeus que viviam na Rússia. Adam era um bom rapaz, mas Josef era encrenqueiro e gostava de colocar medo nas pessoas. Ele se alegrava de saber que podia fazer o que quisesse e nada aconteceria com ele, pois ninguém tinha coragem de castigá-lo para ensinar-lhe bons modos. As pessoas da comunidade dele se perguntavam se algum dia seus maus atos seriam castigados.
 
Certa vez Adam e Josef resolveram partir em uma viagem sem destino certo. Em uma noite gelada eles entraram em um bar e, para fugir do frio, sentaram-se em uma mesa no canto do salão e pediram duas doses de vodca. Pouco tempo depois alguns camponeses russos, muito antissemitas, entraram na hospedaria. Eles começaram a beber muito e, quando já estavam completamente bêbados, levantaram-se para dançar em roda pelo salão. Foi quando um dos malvados russos viu os dois judeus sentados no canto e resolveu se divertir com eles. Cada vez que ele dava uma volta completa no salão, fazia questão de passar ao lado do pobre Josef, que estava sentado mais perto da roda de camponeses, e lhe dava um soco na cabeça.
 
Quando Adam viu que seu irmão apanhava muito e com ele não acontecia nada, decidiu trocar de lugar para receber as pancadas no lugar do irmão. Porém, exatamente no momento em que eles trocaram de lugar, o agressor russo pensou: “Acho que este judeu já apanhou o suficiente. A partir de agora vou começar a bater no irmão dele, que está sentado do outro lado…”
 
Cada sofrimento que recebemos é “sob medida”. Não existem sofrimentos a mais nem a menos, pois não há erros nos cálculos Celestiais. No momento certo, cada mau ato será devidamente cobrado. 

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Na Parashá da semana passada, Vaerá, após as constantes recusas do Faraó em libertar o povo judeu, D'us mandou sobre os egípcios as primeiras sete pragas. E na Parashá desta semana, Bô, a Torá descreve as últimas três pragas: Gafanhotos, Escuridão e Morte dos primogênitos. Mas por que a Torá dividiu as pragas em duas Parashiót? E por que a divisão foi feita justamente desta maneira?
 
Além disso, antes da aplicação das três últimas pragas, D'us fez uma pequena introdução, na qual Ele transmitiu duas mensagens. Ele comandou Moshé a apresentar-se diante do Faraó para comunicar que ainda viriam mais pragas, como está escrito: “E disse D'us para Moshé: 'Venha ao Faraó, pois eu endureci seu coração e o coração de seus servos' ” (Shemot 10:1), e comandou os judeus a contarem aos seus filhos os milagres que D'us fez no Egito, como está escrito: “Para que vocês contem nos ouvidos dos seus filhos e aos filhos dos seus filhos o que Eu fiz no Egito” (Shemot 10:2). Porém, estas duas mensagens se aplicariam também às sete pragas anteriores. Então por que somente agora D'us transmitiu estas duas mensagens a Moshé e ao povo judeu?
 
Também há algo que nos chama a atenção na última praga, a Morte dos primogênitos, na qual D'us matou todos os filhos primogênitos dos egípcios e poupou os filhos primogênitos dos judeus. Diferente das outras pragas, antes desta praga os judeus não ficaram assistindo passivamente, eles tiveram que participar. Cada judeu foi comandado a sacrificar um cabrito, que era uma das divindades no Egito, diante dos olhos dos egípcios, e pintar os batentes e umbrais das portas de suas casas com o sangue do cabrito sacrificado. Explicam os nossos sábios que esta incrível demonstração de Emuná (fé) do povo judeu foi necessária para aumentar os méritos dos judeus e protegê-los de qualquer dano no momento em que D'us estivesse aplicando a última praga. Este conceito foi reforçado quando D'us ensinou a Moshé sobre a praga da Morte dos primogênitos: “E Eu passarei pelo Egito nesta noite, e Eu golpearei todo primogênito na terra do Egito… E Eu verei o sangue (dos batentes e umbrais) e Eu saltarei sobre vocês, e vocês não serão atingidos pela praga” (Shemot 12:12,13). De acordo com o Rav Shlomo Itzchaki (França, 1040 – 1105), mais conhecido como Rashi, a palavra “Passachti”, que significa “saltarei”, também significa “terei misericórdia”, ensinando que esta praga somente não atingiu também os judeus pelo mérito adicional que eles adquiriram e pela misericórdia de D'us. Mas por que nas outras pragas D'us atingiu somente os egípcios, e os judeus não precisaram de nenhum mérito adicional? E por que não está escrito que D'us utilizou uma medida a mais de misericórdia para poupar os judeus das outras pragas?
 
Explica Rashi, baseado em um Midrash (parte da Torá Oral), que as 10 pragas não foram aleatórias, elas seguiram uma estratégia de guerra. Quando um exército quer atacar e conquistar uma cidade, a primeira estratégia é cortar o suprimento de água, forçando os moradores a se renderem. Caso eles se recusem a se render, é lançada uma guerra psicológica, fazendo muito ruído para amedrontar os habitantes e fazê-los desistir da luta. Da mesma forma, a primeira coisa que D'us atacou foi o suprimento de água dos egípcios, transformando toda a água do Egito em sangue. Mas como isto não foi suficiente para os egípcios se renderem, então D'us mandou sobre eles os sapos, que emitiam um ruído assustador, causando pânico. E assim foi com cada uma das pragas, que iam minando as forças e destruindo a autoconfiança dos egípcios, até que eles finalmente se renderam.
 
O Midrash traz ainda mais uma motivação para D'us ter mandado as pragas sobre os egípcios. As pragas não foram meros “tapas” que D'us estava dando nos egípcios. Cada praga foi “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), isto é, para cada sofrimento que os egípcios haviam causado aos judeus durante o período de escravidão, eles foram castigados exatamente da mesma maneira. Cada praga foi “sob medida”, uma punição exata para cada mau ato dos egípcios. Portanto, o Midrash está deixando claro que as pragas tiveram dois propósitos diferentes: forçar o Faraó e seu povo a se renderem e cumprirem a vontade de D'us, e punir os egípcios por cada sofrimento que eles haviam causado ao povo judeu.
 
É interessante perceber que depois da sétima praga, Granizo, os egípcios já haviam se rendido, como o próprio Faraó proclamou: “D'us é o Único Justo, enquanto eu e meu povo somos os malvados” (Shemot 9:27). Mas a partir deste momento D'us começou a endurecer o coração do Faraó, para que ele não deixasse o povo judeu sair. Mesmo que o Faraó já havia aceitado as exigências de D'us, as pragas precisavam continuar, para punir os egípcios e cumprir a promessa feita por D'us para Avraham Avinu: “Mas também a nação que eles servirão Eu julgarei” (Bereshit 15:14). A medida do castigo merecido pelos egípcios somente terminou com a aplicação das dez pragas. Mesmo com a rendição após a sétima praga, eles ainda precisavam passar pelo sofrimento das últimas três pragas.
 
Segundo o Rav Yohanan Zweig, desta maneira é possível entender a separação entre as pragas em duas Parashiót diferentes. As sete primeiras foram focadas em derrubar as resistências do Faraó e dos egípcios, e as três últimas tinham uma natureza punitiva. Enquanto as pragas tinham como propósito apenas derrubar a resistência do Faraó, não foi exigido nenhum mérito especial do povo judeu. Mas quando as pragas adquiriram uma natureza punitiva, então o Atributo de Justiça de D'us foi desencadeado e o povo judeu também passou a ser examinado de uma maneira mais rigorosa e minuciosa, e por isso precisava de méritos para se proteger do castigo.
 
Os judeus haviam se assimilado muito no Egito, e muitos faziam até mesmo idolatria. Por isso Moshé teve medo das consequências para o povo judeu das últimas três pragas. Consciente do perigo iminente ao povo, Moshé ficou relutante em continuar sua missão após a sétima praga, e por isso foi necessário um comando especial de D'us para que Moshé se apresentasse diante do Faraó para informá-lo de que as pragas continuariam. E Moshé estava certo em seus temores, pois quando o Atributo de Justiça de D'us foi desencadeado, ocorreram consequências trágicas também para o povo judeu. Há um Midrash que afirma que 80% do povo judeu morreu na nona praga, Escuridão, para que a morte deles fosse encoberta pela escuridão e os egípcios não pudessem testemunhar que os judeus também estavam sendo castigados.
 
E por que D'us comandou que o milagre das pragas fosse transmitido aos nossos filhos apenas nas últimas três pragas? D'us criou o mundo material para que Ele pudesse se ocultar, causando muitas vezes a impressão de que injustiças acontecem. Não são raras as vezes em que escutamos pessoas questionando a bondade de D'us com a famosa pergunta: “Por que as pessoas boas sofrem, enquanto as pessoas ruins têm tranquilidade na vida?”. Certamente os judeus no Egito também tiveram este questionamento. Eles não entendiam como os egípcios causavam a eles tantos sofrimentos e nada acontecia. Onde estava a justiça de D'us? Não haveria nenhuma cobrança daqueles maus atos? Por isso D'us quis transmitir ao povo judeu uma mensagem eterna, passada de pai para filho, de que a justiça Divina sempre se cumpre. Cada sofrimento causado aos judeus foi vingado, cada detalhe da escravidão infligida pelos egípcios teve o seu preço, e no devido momento tudo foi cobrado por D'us. Mesmo quando os egípcios já tinham se rendido, eles continuaram recebendo sofrimentos, Midá Kenegued Midá, até que tudo estivesse pago.
 
Infelizmente vivemos em tempos difíceis, quando o roubo, a corrupção, a enganação e a violência parecem sempre ficar impunes. Mas da nossa Parashá fica a certeza de que, no momento certo, a justiça prevalecerá. Da mesma forma como ocorreu no Egito, várias outras vezes na história as situações que pareciam perdidas se reverteram e se transformaram em grandes salvações. Grandes inimigos do povo judeu, como o Faraó e Haman, que pareciam estar acima da lei, no momento adequado foram humilhados e destruídos. Devemos sempre fazer a nossa parte para estabelecer a justiça no mundo, mas podemos ter a tranquilidade de saber que uma pessoa pode até escapar da justiça humana, mas nunca da justiça Divina.
 
SHABAT SHALOM
 
Rabino Efraim Birbojm

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