A alegria do reconhecimento

“O rabino de uma comunidade judaica Sefaradi dos Estados Unidos certa vez desmaiou no meio de uma aula. Ele foi imediatamente levado ao hospital pelo Dr. Goldman (nome fictício), um dos frequentadores da sinagoga. Lamentavelmente a situação do rabino era muito crítica, pois ele não voltava a si e seus sinais vitais começaram a enfraquecer. Depois de uma série de exames, o Dr. Goldman constatou com tristeza que eram poucas as chances de recuperação do rabino. Já esperando pelo pior, ele pediu a alguns alunos do rabino que rapidamente juntassem um “Minian” (grupo de dez homens judeus) para que pudessem fazer o “Vidui” (confissão) antes do falecimento. Infelizmente poucos alunos puderam ser contatados naquele momento e havia apenas nove judeus presentes. Seria uma pena, por tão pouco, não fazer o Vidui com Minian.

Mas o Dr. Goldman não desistiu. Ele revisou a lista de todos os pacientes internados no hospital e descobriu que havia um paciente judeu no último andar. O problema é que aquele doente estava de cama, conectado a tubos e máquinas, muito fraco. Mesmo assim, o Dr. Goldman pediu aos médicos uma permissão especial para mover aquele paciente com sua cama e seus aparelhos e levá-lo até o quarto do rabino, para assim completar o Minian. Mas quando os médicos vieram perguntar ao doente se ele aceitava ir completar o Minian, ele começou a chorar. Quando se acalmou, explicou que justamente aquele dia era o “Yortzait” (data do falecimento) de seu pai, e que ele estava extremamente triste por estar internado no hospital e não poder dizer o “Kadish” (reza em elevação da alma dos falecidos). Ele percebeu que um enorme milagre havia acontecido, pois a Supervisão Divina havia reunido um Minian em pleno hospital sem que ele precisasse fazer nenhum esforço. O paciente pediu permissão para dizer o Kadish por seu pai antes de fazerem o Vidui do rabino. Todos os presentes concordaram e, com muito respeito, escutaram o Kadish que o paciente pronunciou lentamente, enquanto lágrimas corriam dos seus olhos.

Ao terminarem de responder o Kadish mais emocionante de suas vidas, todos se surpreenderam com o que aconteceu. Os batimentos cardíacos do rabino imediatamente começaram a voltar ao normal e, pouco a pouco, ele foi recuperando as forças e a consciência. Parecia que o Vidui não seria mais necessário.
 
Depois de uma semana, milagrosamente o rabino voltou para casa totalmente curado. Além disso, aquele paciente judeu que havia falado o Kadish por seu pai, que estava há muito tempo à espera da doação de um fígado, conseguiu naquela mesma semana um doador compatível. O transplante foi feito, salvando a vida dele.”

Existem alguns momentos nos quais a “Mão de D'us” parece mais evidente. Porém, a verdade é que D'us está presente em cada pequeno detalhe das nossas vidas, e somos nós que não percebemos. Se reconhecêssemos mais as bondades de D'us em nossas vidas, certamente seríamos muito mais felizes. 


A Parashat desta semana, Ki Tavô, começa descrevendo uma incrível cerimônia, na qual os judeus levavam ao Beit Hamikdash (Templo Sagrado) seus “Bikurim” (primícias, as primeiras frutas colhidas de algumas espécies específicas). Estas frutas, que tinham um enorme valor sentimental para os seus donos, eram colocadas em belas cestas e presenteadas ao Cohen (sacerdote). O dono das frutas também recitava diante do Cohen uma enorme declaração de agradecimento a D'us por todas as bondades recebidas, que começava desde a época dos patriarcas e passava por eventos marcantes do povo judeu, como a saída do Egito e a conquista da Terra de Israel. A declaração terminava com o agradecimento por D'us ter dado a possibilidade de colherem os frutos da terra. E logo depois do assunto dos “Bikurim”, a Torá dá uma grande advertência ao povo judeu e descreve as terríveis maldições que poderiam recair sobre eles durante a história. Qual é a relação entre os dois assuntos?
 
Poderíamos imaginar que estas maldições seriam consequência de terríveis transgressões cometidas pelo povo judeu. Porém, surpreendentemente, a Torá nos traz o motivo explícito delas acontecerem: “Pelo fato de vocês não terem servido a Hashem, teu D'us, com alegria e bondade no coração, quando vocês tinham tudo em abundância” (Devarim 28:47). É interessante perceber que D'us não está nos cobrando atitudes positivas em momentos de testes, dificuldades e sofrimentos. A cobrança é por não fazermos nosso serviço espiritual com alegria mesmo em épocas de abundância, na qual não temos outras preocupações nos desviando do nosso crescimento espiritual. Nos momentos nos quais a tranquilidade permite que o nosso foco esteja na nossa conexão espiritual, fazer o serviço Divino sem alegria é considerado algo grave, quase um desprezo.
 
Será que estas terríveis maldições previstas na Torá já se cumpriram em algum momento da história? De acordo com o Ramban zt”l (Nachmânides) (Espanha, 1194 – Israel, 1270), estas palavras, que incluem muitas tragédias pessoais e coletivas do povo judeu, se cumpriram durante o período do Segundo Beit Hamikdash, incluindo sua destruição e o subsequente exílio do povo judeu. Porém, esta explicação desperta um grande questionamento. De acordo com as palavras do Ramban, o motivo da destruição do Segundo Beit HaMikdash foi o fato de não termos servido a D'us com alegria mesmo quando tínhamos tudo em abundância. Porém, o Talmud (Yoma 9b) traz uma opinião completamente diferente ao afirmar que o motivo da destruição do Segundo Beit Hamikdash foi o “Sinat Chinam” (ódio gratuito) que havia dentro do povo judeu. Afinal, qual dos dois motivos é o correto?
 
A chave para entendermos que não existe nenhuma contradição entre estes dois motivos é observarmos o que ocorre em nossa sociedade. Este conceito trazido pela Torá, das pessoas estarem infelizes apesar de terem tudo, reflete um pouco da realidade em que vivemos atualmente, onde uma grande porcentagem de pessoas, apesar de ter sucesso no trabalho e uma alta posição social, se afunda em depressão e desilusão. Por que tantas pessoas, que aparentemente têm tudo que a vida pode oferecer, ainda demonstram uma total falta de alegria na vida? O que falta para elas serem felizes de verdade?
 
Explica o Rav Yohanan Zweig que a pessoa somente é verdadeiramente feliz se ela consegue enxergar e apreciar o que D'us manda para ela na vida. Enxergar as bondades de D'us é saber que tudo é um presente, que não merecemos nada do que recebemos, tudo é parte da Misericórdia Divina. Quem vive desta maneira aprende a dar valor para cada coisa que recebe e a apreciar cada pequeno detalhe da vida. Mas, por outro lado, se a pessoa é egocêntrica e sente que merece tudo o que tem, então ela nunca vai estar contente com o que já conquistou. Ao contrário, vai estar sempre focando nas coisas que ainda não são dela, mas que ela já se acha no direito de ter.

Quando uma pessoa vive sua vida com este tipo de atitude egocêntrica, com a sensação de que todos devem algo a ela, então estará constantemente infeliz. Além disso, pelo fato dela se sentir no direito de ter tudo o que tem vontade, caso outra pessoa tenha algo que ela deseja, acabará sendo vista como uma ameaça. A pessoa egocêntrica começará a sentir aversão pela outra pessoa, mesmo que não exista nenhum motivo real para isso, apenas por causa da percepção de que a outra pessoa a está impedindo de ter algo que, por direito, deveria pertencer a ela. Em outras palavras, este tipo de atitude leva a pessoa a odiar o próximo absolutamente sem nenhum motivo verdadeiro. E é justamente este sentimento de aversão sem justificativas reais que os nossos sábios chamaram de “Sinat Chinam”.
 
Isto significa que, se rastrearmos o que está por trás do Sinat Chinam, encontraremos lá no início a falta de apreciação correta pelo que D'us fez e continua fazendo por nós. Portanto, o Sinat Chinam não é uma razão diferente da trazida pela Parashat Ki Tavô para a destruição do Beit HaMikdash. Na verdade, o Sinat Chinam é apenas uma manifestação de quando a pessoa está infeliz ao fazer o seu serviço Divino. E esta infelicidade ocorrerá apesar de toda a abundância que a pessoa tem na vida.
 
É por isso que a Torá junta o assunto dos Bikurim com o assunto da advertência. Quando a pessoa levava seus Bikurim para o Beit HaMikdash e fazia a declaração diante do Cohen, ela aprendia a dar valor ao que tinha recebido. Quando uma pessoa planta e colhe, normalmente pensa que o sucesso depende apenas da sua força e da sua inteligência. Mas a verdade é que tudo depende de D'us. A força não é nossa, pois a cada instante é D'us quem está nos mandando energia para os movimentos dos nossos membros e órgãos, como se estivéssemos conectados a um fio de energia. A inteligência para tomarmos as decisões corretas também não é nossa, é um presente de D'us, o Dono de toda a sabedoria. A Terra de Israel depende das chuvas, isto é, depende de D'us, e todo esforço e inteligência não são suficientes se não houver chuvas no momento certo. Até mesmo a existência de uma terra para plantarmos foi um presente de D'us, que nos tirou da escravidão do Egito e nos trouxe, com milagres e sinais, para a Terra de Israel. Sem a ajuda Divina, os Bikurim não poderiam ser oferecidos.
 
Os Bikurim são um ensinamento de que esta é a fonte de toda a alegria verdadeira: o reconhecimento de que tudo o que temos é um grande presente de D'us, e que não recebemos por causa dos nossos méritos, e sim pela bondade Dele. Vivendo com esta nova ótica, podemos apreciar mais o que temos, e nos alegrar também com as alegrias dos outros, acabando com o “ódio gratuito” e trazendo ao mundo mais harmonia e companheirismo. 

“SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM” (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA)

SHABAT SHALOM                                           

Rav Efraim Birbojm

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