Parashat Beshalach

A força de um bom ato

Daniel certa vez procurou seu rabino para fazer uma pergunta que o incomodava muito. Ele queria saber por que valia a pena se esforçar tanto para fazer boas ações, se mais cedo ou mais tarde acabaria fazendo alguma transgressão e colocaria tudo a perder. O rabino respondeu com uma interessante comparação:

– Meu querido Daniel, imagine se você estivesse em um lugar onde há uma paisagem de tirar o fôlego. Então você não resiste e tira uma bela fotografia, que depois é colocada em uma linda moldura. Se você fosse ao mercado vender, quanto você acha que conseguiria por ela? Talvez uns 30 ou 40 reais no máximo.

– Porém o que aconteceria – continuou o rabino – se você fosse ao mesmo lugar, visse a mesma paisagem, mas ao invés de fotografa-la, você pegasse uma tela, passasse o mês inteiro pintando a cena de forma artística e depois emoldurasse. Se você fosse ao mercado, poderia vender esta tela por mais de mil reais. Porém, não é estranha esta diferença de valores? A fotografia é muito mais perfeita, contém cada pequeno detalhe da paisagem, enquanto a pintura, apesar da beleza, capta apenas algumas partes da cena. Sabe por que esta diferença de valores? Pois na verdade é o esforço que conta.

– Esta é a resposta para sua pergunta – concluiu o rabino – os anjos têm a perfeição da fotografia, nunca cometem transgressões. Mas a perfeição deles não tem tanto valor aos olhos de D'us, pois vem sem esforço. Já os seres humanos são imperfeitos. Apesar das coisas boas que fazemos, ocasionalmente também cometemos erros, mas é o nosso esforço para melhorar que nos torna tão preciosos aos olhos de D'us.

Daniel saiu de lá feliz. Ele entendeu que as transgressões, apesar de serem graves, não apagavam os méritos de seus bons atos. Por isso valia a pena se esforçar para crescer um pouco mais a cada dia.

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Na Parashá desta semana, Beshalach, após a praga que matou todos os primogênitos egípcios, o povo judeu finalmente saiu do Egito, como está escrito: “E eis que, quando o Faraó enviou o povo (judeu)” (Shemot 13:17). Mas sabemos que o povo judeu foi libertado diretamente por D'us, e não pelo Faraó. Então por que está escrito “quando o Faraó enviou”, como se o Faraó tivesse feito um ato de bondade conosco?

Responde o Midrash (parte da Torá Oral) que o Faraó, no momento em que os judeus estavam saindo do Egito, deu alguns passos para acompanhá-los. O Midrash vai além e afirma que, por estes poucos passos, além do mérito de ter sido escrito na Torá que foi o Faraó que enviou o povo judeu para a liberdade, os egípcios também meritaram a Mitzvá de “Não abominarás o egípcio, pois você foi um estrangeiro na terra dele” (Devarim 23:8).

Mas este Midrash desperta muitos questionamentos. Aquele mesmo Faraó havia negado D'us ao dizer “Quem é Hashem para que eu escute Sua voz?” (Shemot 5:2). Ele também havia endurecido seu coração mesmo com as terríveis pragas que D'us mandou sobre o Egito. Além disso, ele havia permitido a saída do povo judeu somente motivado pelo medo de morrer, já que ele também era um primogênito. Como pode ser que uma pessoa assim tão ruim conseguiu causar um “ruído” tão grande nos mundos espirituais, a ponto da Torá gravar para sempre o mérito dele ter acompanhado o povo judeu na saída do Egito? E mais ainda, como pode ser que, por ter dado alguns passos, o Faraó tenha meritado uma Mitzvá na Torá, apesar de todas as maldades que ele fez?

Responde o Rav Yehuda Leib Chassman (Lituânia,1869 – Israel, 1935) que este Midrash está nos ensinando um importante fundamento, que nos ajuda a perceber como cada pequeno ato pode ter consequências espirituais muito grandes em nossas vidas. Na criação do ser humano está escrito: “E D'us criou o ser humano do pó da terra, e soprou em seu nariz uma alma de vida” (Bereshit 2:7). Este versículo não quer dizer apenas que o ser humano é composto de duas forças, uma espiritual, representada pela alma soprada por D'us, e uma material, representada pelo pó da terra. O versículo também nos ensina que cada ato e cada pensamento do ser humano contém estas duas forças, isto é, uma parte física e uma parte espiritual. A nossa alma é parte de D'us, e da mesma forma que Ele é ilimitado e eterno, a alma que Ele soprou dentro de nós também é ilimitada e eterna. Apesar de não conseguirmos captar com o nosso entendimento limitado o conceito de “eternidade”, uma vez que o mundo material tem fim e limite, de qualquer maneira este conceito existe no mundo espiritual.

Explica o Rav Chassman que quando uma pessoa faz um ato, este ato sobe aos mundos espirituais e é dividido em incontáveis pedaços, para que D'us possa indicar quais partes do ato são mais elevadas e pertencem à alma e quais partes são mais baixas e pertencem ao corpo. Apenas D'us, em Sua sabedoria ilimitada, pode fazer este tipo de avaliação, tão precisa e minuciosa. Nenhum detalhe passa em branco, nenhuma informação é perdida.

Portanto, até mesmo um Rashá (malvado) como o Faraó, que endureceu seu coração e não queria libertar o povo judeu, quando surgiu em seu coração uma pequena faísca de bondade e ele quis libertar o povo judeu, a ponto de até mesmo acompanhá-los com alguns passos, isto revelou um pequeno pedaço de bondade escondida dentro de incontáveis partes de maldade absoluta. E mesmo este ínfimo pedaço não passou despercebido aos olhos de D'us, pois por ser uma parcela espiritual e eterna, este pedaço cresceu e aumentou até que seu brilho fez com que as palavras “o Faraó enviou o povo” fossem gravadas para sempre na Torá, e também trouxe méritos para que D'us nos ordenasse a Mitzvá de “Não abominarás o egípcio”. Como o Faraó despertou em seu coração uma fagulha espiritual eterna, então ele meritou, Midá Kenegued Midá (medida por medida), uma recompensa eterna.

Daqui aprendemos a força espiritual de um bom ato ou um bom pensamento. Se apenas uma fagulha de bondade no coração do Faraó conseguiu despertar uma força espiritual tão grandiosa, qual será então a recompensa de uma pessoa que dedica sua vida a fazer bons atos e a cumprir a vontade de D'us? Apesar de não podermos captar a real dimensão do que ocorrerá nos mundos espirituais, fica claro, através deste ensinamento da Parashá, o quanto vale a pena nos esforçarmos para melhorar um pouco mais a cada dia, aperfeiçoando nossos atos e nossas características. Até mesmo a vontade e o esforço de fazer o que é correto, apesar das dificuldades, é levado em consideração.

Por outro lado, temos um potencial tão grande que, se não aproveitado, pode ter consequências desastrosas. No final da Parashá está descrito o primeiro encontro do povo judeu com Amalek, nosso maior inimigo, o povo descendente de Essav. A maldade de Amalek é tanta que temos uma Mitzvá especial de apagar do mundo qualquer lembrança sua, como está escrito: “Eu vou certamente apagar a lembrança de Amalek sob os céus… D'us mantém uma guerra contra Amalek, de geração em geração” (Shemot 17:14,16). Por que um castigo tão duro para o povo de Amalek, uma guerra eterna contra eles?

D'us escreveu sobre Amalek justamente nesta Parashá, onde está descrita a recompensa eterna do Faraó, para nos ensinar que, diferente do Faraó, que conseguiu despertar no seu coração pelo menos uma fagulha de bondade, os Amalekim representam a total falta de boas características e de Emuná (fé). Seus atos são tão baixos, tão negativos, tão destrutivos, que não resta nem mesmo uma fagulha de espiritualidade. Pelo fato do povo de Amalek tentar apagar do mundo a espiritualidade, que é eterna, então D'us castigou-o, Midá Kenegued Midá, com a Mitzvá de apagar a memória de Amalek e guerrear contra ele para sempre. Ao trazer o assunto de Amalek a Torá quis ressaltar que, apesar de todo o potencial de bondade que o ser humano tem, o mau uso do nosso livre arbítrio pode nos fazer afundar em maldades e aumentar nossas transgressões a ponto de destruir qualquer espiritualidade nos nossos atos, apagando a luz da nossa alma.

D'us não despreza nenhum bom ato, nem mesmo um bom pensamento. Ele vê as nossas dificuldades e o nosso esforço. Mesmo quando fracassamos, Ele sabe quando tentamos de verdade. Por isso, não podemos desistir, apesar de às vezes o trabalho parecer difícil demais. Se ao menos tentarmos, com todas as nossas forças, assim estaremos garantindo que, mesmo dentro de um fracasso, haverá muitos sucessos.

SHABAT SHALOM

Rabino Efraim Birbojm

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