Parashat Nitzavim

Aprendendo a cair e levantar

Certa vez o Rav Levi Yitzchak MiBerdichev (Ucrânia, 1740 – 1809) disse a um aluno que podemos aprender muitos ensinamentos espirituais importantes apenas observando cada um dos detalhes do que D'us criou no mundo material. O aluno gostou muito do ensinamento, mas não entendeu como funcionava na prática. O Rav Levi Yitzchak então ensinou:
 
– Por exemplo, observando os bebês nós podemos aprender três lições muito importantes para nossa vida. A primeira lição é que quando alguém machuca um bebê, ele chora para o seu pai. Assim também um judeu deve se comportar, sempre quando temos problemas e dificuldades, a primeira coisa que devemos fazer é abrir nosso coração e pedir ajuda ao nosso Pai, derramando lágrimas sinceras na nossa Tefilá (reza). A segunda lição é que um bebê nunca está desocupado, ele está sempre procurando algo para fazer, algo com o que se ocupar. Assim também um judeu deve se comportar, nunca pode estar parado, sempre deve estar buscando algo para se ocupar, pois nosso tempo neste mundo é curto demais para ficarmos parados sem fazer nada. E a terceira e mais importante lição é que quando um bebê cai, ele sempre se levanta. Assim também deve se comportar um judeu. Não importa quantas vezes um judeu cai, ele sempre deve se levantar. 

 

Nesta semana lemos a Parashtá Nitzavim (literalmente “parados”), na qual Moshé reuniu o povo no seu último dia de vida para instruí-los a como tomar as decisões de vida corretas quando entrassem na Terra de Israel. Já estamos nas últimas Parashiót, nos aproximando do final da Torá. E também estamos chegando ao fim de mais um ano. No anoitecer do próximo domingo de noite (02 de outubro) se inicia um dos dias mais solenes e importantes do ciclo judaico: Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento, as fundações do novo ano que vai se iniciar. Tudo o que ocorrerá neste novo ano será decretado em Rosh Hashaná.
 
Apesar de ser um Chag, um dia alegre, no qual fazemos Seudót (refeições) festivas e cheias de simbolismos, Rosh Hashaná também vem junto com alguns temores. Este não é nosso primeiro Rosh Hashaná. Nos anos anteriores pedimos a D'us mais um ano de vida, argumentando que precisávamos deste tempo a mais para mudar, para melhorar. Tomamos decisões de crescimento, nos comprometemos a cumprir mais Mitzvót, a sermos mais cuidados com o próximo, a rezarmos com mais Kavaná (intenção). Porém, na prática, o que mudou? Crescemos como tínhamos imaginado? Estamos cumprindo as Mitzvót com mais alegria? Estamos nos comportando com os outros com mais respeito e atenção? Na verdade, sentimos que continuamos essencialmente as mesmas pessoas que éramos no ano passado. Este é um sentimento que incomoda os judeus há milhares de anos. Será que neste Rosh Hashaná não acontecerá a mesma coisa e nossas decisões ficarão novamente apenas no papel? Será que, depois de um ano com tantos erros, nas mais diversas áreas, poderemos passar pelo nosso julgamento de Rosh Hashaná?
 
Esta pergunta não é nova, já foi mencionada por um dos maiores profetas do povo judeu: “Pois nossas transgressões e nossos pecados estão sobre nós, e por causa deles nós derretemos. Então, como viveremos?” (Yechezkel 33:10). O profeta Yechezkel ressaltou em suas palavras a inquietude do povo com os erros do passado e o medo das futuras consequências. Mas ele também nos ensinou qual foi a resposta de D'us para esta preocupação do povo: “Eu não desejo a morte do Rashá (malvado), e sim que o Rashá volte e se arrependa do seu caminho. Arrependa-se, arrependa-se de seus maus caminhos, pois por que você deve morrer, Beit Israel?'” (Yechezkel 33:11).
 
Nestas palavras de Yechezkel, D'us está nos ensinando a não desistir. Até o Rashá, uma pessoa muito afastada da espiritualidade, aquele cujos maus atos são mais numerosos do que seus bons atos, pode consertar seu caminho. D'us pede para fazermos Teshuvá, isto é, para retornarmos dos nossos maus atos, pois a Teshuvá funciona. A Teshuvá, o arrependimento sincero, a vontade de mudar e melhorar, é o antídoto para estes sentimentos venenosos que diminuem nossas forças e nos impedem de crescer. A Teshuvá é baseada em dois princípios. O primeiro princípio é que nós temos a capacidade de mudar, podemos melhorar, por mais difícil que seja. O segundo princípio é a resiliência do ser humano. Esta é a essência dos “Asseret Iemei Teshuvá”, os dez dias que vão desde Rosh Hashaná até Yom Kipur.
                                                                            
O Midrash (parte da Torá Oral) questiona: por que D'us nos deu os Asseret Iemei Teshuvá? Qual foi o mérito para recebermos dias de tanta misericórdia, nos quais podemos melhorar nossos atos e garantir um ano com bons decretos? Responde o Midrash que os Asseret Iemei Teshuvá são mérito de dois grandes feitos de Avraham Avinu: os 10 testes pelos quais ele passou na vida e saiu vitorioso de todos eles, e por ter implorado pela salvação dos habitantes de Sdom. Estes dois tipos de atos de Avraham nos ensinam que ele deixou de herança para seus descendentes duas formas de Asseret Iemei Teshuvá.
 
A primeira forma de Asseret Iemei Teshuvá é representada pelos dez testes de Avraham. Da mesma forma que Avraham foi passando por cada teste e subindo para um novo nível espiritual, como alguém que sobe os degraus de uma escada, assim também podemos aproveitar os Asseret Iemei Teshuvá, dias de muita espiritualidade, para subir e crescer a cada dia, de forma tão palpável quanto alguém que sobe uma escada. Mas este tipo de Asseret Iemei Teshuvá se aplica apenas aos Tzadikim (Justos), pessoas que conseguem dar verdadeiros saltos espirituais, que conseguem subir um degrau a cada dia. Porém, e o resto do povo, pessoas mais simples, que não estão em um nível tão elevado? Será que Avraham não deixou nada para nós?
 
A resposta é que para as pessoas mais simples Avraham deixou outra forma de Asseret Iemei Teshuvá, representada pelo apelo que ele fez a D'us para salvar a cidade de Sdom. Mas antes de tudo precisamos entender a atitude de Avraham. Por diversas vezes ele “negociou” com D'us a salvação de Sdom, como está escrito: “E Avraham se aproximou e disse: “E Você destruirá o Tzadik junto com o Rashá? Talvez existam 50 Tzadikim na cidade… Talvez serão encontrados lá 40… Talvez serão encontrados lá 30… Talvez serão encontrados lá 20… Talvez serão encontrados lá 10” (Bereshit 18:23-33). Como Avraham teve a audácia de discutir por Sdom, uma cidade repleta de Reshaim, pessoas no limite da maldade, que chegaram ao ponto de fazer leis que proibiam atos de bondade? Por que salvar pessoas tão ruins, tão corrompidas, que aparentemente não tinham mais volta?
 
Responde o Rav Yssocher Frand que Avraham estava nos ensinando que o ser humano tem a capacidade de mudar. Não importa o quanto uma pessoa tenha caído, ela pode voltar a subir. É como se Avraham estivesse dizendo: “D'us, não destrua Sdom. Se houver lá 50 pessoas justas, elas podem mudar toda a cidade. Talvez 40 justos consigam causar mudanças. Quem sabe 30 justos. Será que 20 justos não são suficientes para causar mudanças? D'us, por acaso 10 pessoas justas não poderiam influenciar e mudar uma cidade inteira?”. E o mais interessante é que D'us concordou com Avraham ao aceitar que 10 Tzadikim seriam suficientes para mudar uma cidade inteira, mesmo uma cidade desviada como Sdom, pois D'us sabe que as pessoas podem mudar, as pessoas podem ser boas. Esta é a força dos Asseret Iemei Teshuvá que herdamos de Avraham. A mensagem de Avraham para seus descendentes é: não importa as tentativas passadas que fracassaram, tente novamente. Não desista, pois nós podemos mudar.
 
O outro princípio da Teshuvá é o princípio da resiliência. Resiliência é a capacidade de algo voltar ao seu estado natural, principalmente após alguma situação crítica e fora do comum. D'us colocou dentro de cada ser humano a capacidade de ser resiliente, isto é, uma pessoa pode cair e se levantar de novo várias vezes na vida, como nos ensina Shlomo Hamelech, o mais sábio de todos os homens: “Pois um Tzadik cai sete vezes e se levanta, mas o Rashá tropeça em seu mal” (Mishlei – Provérbios 24:16). A explicação mais simples deste versículo é que o Tzadik não é aquele que nunca erra, e sim aquele que erra, que algumas vezes cai em seus erros, mas que sabe se levantar.
 
O Rav Yitzchak Hutner zt”l (Israel, 1906 – 1980) explica o versículo de uma maneira mais profunda. Ele diz que a pessoa não é Tzadik apesar de suas quedas, e sim que a pessoa vira Tzadik por causa de suas quedas. As quedas de uma pessoa, e o aprendizado de saber se levantar e aprender com a queda, faz dela uma pessoa melhor. O Rav Hutner está nos ensinando que devemos lutar para crescer. Podemos perder batalhas na vida, mas devemos vencer a guerra. São justamente as quedas, os obstáculos e a luta que nos transformam em Tzadikim. Lemos a história da vida de grandes rabinos, que chegaram a níveis espirituais muito elevados, e pensamos que para eles o crescimento sempre foi muito fácil, mas isto é uma enganação. Todos eles eram pessoas normais. Todos eles tiveram suas batalhas, suas enormes dificuldades na vida. Eles viraram Tzadikim porque eles se levantaram quando caíram. Eles viraram pessoas grandes pois nunca desistiram, não ficaram se lamentando e dizendo “eu nunca vou melhorar”.
 
Esta capacidade de se levantar é a marca registrada do povo judeu. Somos a nação que se levanta. Podemos ser derrubados, pisados, esmagados, mas nós sempre nos levantamos, como profetizou Bilaam, o profeta das outras nações: “Eis que eles são um povo que se levanta como uma leoa e ergue-se como um leão” (Bamidbar 23:24). Esta é a nossa característica mais valorosa. Isto é o povo judeu, uma nação que se levanta sempre. E esta é a mensagem da Teshuvá: não desista nunca. Perca a batalha, mas vença a guerra. Com esta convicção, certamente este Rosh Hashaná será completamente diferente dos outros.

QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA

SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ

R' Efraim Birbojm

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