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Há muitos anos o Sr. Zaks fez a sua primeira viagem de avião. Era uma longa viagem, e o voo parecia interminável. O Sr. Zaks sentia-se sufocado em seu assento apertado, entre dois desconhecidos, quase sem ar para respirar e sem espaço para esticar as pernas. Para completar o quadro desastroso, uma criança sentada no banco de trás não parava de chutar seu assento, e havia outra criança por perto que chorava sem parar. O Sr. Zaks sentiu que precisava fugir daquele lugar. Levantou-se para caminhar um pouco, mesmo sabendo que não tinha muitas opções para onde ir.
 
Na parte da frente do avião, o Sr. Zaks viu uma cortina. Ao abrir, levou um susto. Seus olhos não acreditaram quando viu a primeira classe. Silêncio e tranquilidade, com assentos amplos e cômodos, muitos lugares vazios. Seria um sonho viajar daquela maneira. Sentou-se em um dos assentos da primeira classe, esticou suas pernas, começou a ler seu livro e acabou adormecendo.
 
– Senhor, você não pode ficar aqui – foram as palavras que o Sr. Zaks escutou enquanto uma aeromoça o sacudia, despertando-o do seu delicioso sonho – Você deve regressar imediatamente ao seu assento na classe econômica!
 
– Sabe, decidi trocar minha passagem – disse o Sr. Zaks, com inocência – A partir de agora quero viajar de primeira classe. Estou disposto a pagar a diferença. Pago qualquer valor, tudo para não precisar voltar às torturas do meu assento anterior.
 
A aeromoça balançou a cabeça negativamente e respondeu:
 
– Sinto muito, senhor, mas a compra de passagens ocorre unicamente em terra. Não se pode mudar de lugar aqui em cima…
 
O Sr. Zaks não teve outra alternativa a não ser voltar, completamente decepcionado, ao seu assento.
 
Mais tarde o Sr. Zaks refletiu e percebeu a importante lição que havia aprendido: a aquisição do nosso lugar no Mundo Vindouro se realiza unicamente aqui, neste mundo. Não poderemos mudar nosso nível depois que terminarmos nosso trabalho neste mundo e formos lá para cima. Por isso vale a pena se esforçar e aproveitar cada oportunidade na vida para adquirirmos um pouco mais de espiritualidade e méritos para o Mundo Vindouro. 
 


 

Nesta semana lemos a Parashat Bo, que descreve as últimas três pragas que D'us mandou sobre os egípcios, quebrando definitivamente a resistência deles. O povo judeu, após dois séculos de convívio com os egípcios, um povo de idólatras sem valores morais, acabou se “contaminando” e também sofreu uma enorme queda espiritual. Poucas gerações após a morte dos nossos patriarcas, que atingiram incríveis níveis de conexão com D'us, o povo judeu acabou se afundando em práticas espiritualmente negativas, chegando a níveis extremos de Tumá (impureza espiritual). Se os judeus tivessem permanecido mais alguns instantes no Egito, eles teriam atingido um nível espiritual tão baixo que não haveria mais volta. Por isso D'us precisou tirar correndo o povo judeu do Egito, tão rápido que a massa que eles estavam assando não teve tempo de fermentar, e eles levaram como provisão para o deserto apenas Matzót, um tipo de pão não fermentado.
 
A Mitzvá de comer Matzá, que tem um simbolismo muito profundo, foi transmitida de geração em geração. Até hoje, durante a semana inteira da festa de Pessach, comemos Matzá no lugar dos pães fermentados. E assim nos comanda o versículo: “E cuidem das Matzót” (Shemot 12:17). O entendimento mais simples deste versículo é que quando preparamos nossas Matzót devemos tomar muito cuidado, pois a partir do momento em que a farinha entra em contato com a água, o atraso em assar a massa faz com que ela fermente, tornando-se “Chametz” e invalidando a Matzá para o seu consumo durante Pessach.
 
Porém Rashi (França, 1040 – 1105), citando um Midrash (parte da Torá Oral), nos ensina um significado mais profundo. A palavra “Matzót” é escrita com as mesmas letras da palavra “Mitzvót”. De acordo com este ensinamento do Midrash, o versículo se transforma na exigência de que nossas Mitzvót sejam cumpridas com “zrizut” (agilidade), sem nenhum tipo de demora ou postergação. Quando temos a oportunidade de cumprir uma Mitzvá, não devemos permitir que ela “fermente”, isto é, não podemos ser desleixados nem preguiçosos, e devemos cumpri-la imediatamente.
Mas esta comparação entre Matzót e Mitzvót ensinada pelo Midrash desperta alguns questionamentos. Em primeiro lugar, se uma pessoa prepara Matzót sem a devida agilidade, ele as invalida completamente. Porém, apesar de não ser a maneira ideal de fazer o Serviço Divino, a pessoa que adia o cumprimento de uma Mitzvá ou a cumpre com desleixo e preguiça não a invalida. Então como entender a comparação feita pelo Midrash, entre Matzót e Mitzvót? Será que é apenas uma semelhança entre as letras?
 
Além disso, este ensinamento do Midrash aparentemente contradiz um ensinamento do Talmud (Sanhedrin 105b), que afirma que a pessoa deve estar sempre envolvida com Torá e Mitzvót, mesmo que seja com motivações incorretas, pois através do cumprimento das Mitzvót ela terminará cumprindo-as pela motivação correta. Mas como pode ser que cumprir uma Mitzvá com as motivações incorretas tem méritos, enquanto cumprir uma Mitzvá com a motivação correta, porém sem agilidade, é comparado com o Chametz, algo sem valor?
 
Explica o Rav Yohanan Zweig que podemos responder estas perguntas com uma interessante analogia. Imagine uma mãe que pede para que seu filho faça algumas compras no mercado que fica a duas quadras de casa. Com um senso de obrigação, o filho interrompe o que estava fazendo e vai às compras. Mas assim que ele volta a mãe informa que esqueceu de pedir um produto, então o filho tem que ir novamente ao mercado, mas desta vez já um pouco mais irritado e relutante. Se este cenário se repetir diversas vezes, isto é, cada vez que o filho voltar do mercado a mãe lembrar que esqueceu algo, obrigando o filho a fazer uma nova viagem, o nível de relutância do filho vai ficando cada vez maior, até ele chegar ao ponto de sentir ressentimento por sua mãe ter pedido para que ele fosse ao mercado. O filho pode até mesmo acaba externando este ressentimento, falando com a mãe de uma maneira desrespeitosa. Era preferível que a mãe nem mesmo tivesse pedido ao filho para ir ao mercado, pois algo que começou como um ato de respeito do filho acabou se transformando em uma terrível demonstração de desrespeito.
 
Mas há uma maneira como a mãe poderia ter feito para que o filho não ficasse ressentido. Se ela tivesse oferecido algum tipo de prêmio para cada vez que ele fosse ao mercado, ele certamente não se incomodaria de ir tantas vezes, ao contrário, faria a tarefa com alegria, pois saberia que em cada uma das vezes estava ganhando algo, não apenas perdendo seu tempo.
 
Este conceito se aplica ao cumprimento de qualquer tarefa. Quanto mais tempo a pessoa cumpre uma tarefa com algum tipo de incômodo ou resistência, mais relutante ela ficará. Aos poucos ela chegará ao ponto de se ressentir tanto desta tarefa que poderá até mesmo chegar a odiar seu cumprimento. Entretanto, algum tipo de incentivo pode aliviar sua relutância, e pode até mesmo levá-la a sentir prazer com o cumprimento desta tarefa.
 
Ensina o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 – Egito, 1204) que é muito importante criar incentivos para estimular as crianças, como dar doces, quando elas fazem uma Mitzvá, pois assim elas vão associar a experiência de cumprir Mitzvót com algo positivo e gostoso, não algo pesado e difícil. Esta é a explicação do “homem das balas” que existe em muitas sinagogas no Shabat. A experiência já demonstrou que se forçarmos uma criança a ir para a sinagoga e a criança sair com um sentimento negativo, no momento em que os pais já não tiverem mais controle sobre o filho, ele deixará de frequentar a sinagoga. Mas ao contrário, se as crianças considerarem a experiência positiva e gostosa, mesmo que seja pelas razões incorretas, é muito provável que elas continuarão a ir à sinagoga, com grandes chances de que, ao amadurecerem, frequentarão a sinagoga com gosto e pelos motivos corretos.
 
Já a pessoa que cumpre uma Mitzvá com as motivações corretas, porém a cumpre de maneira desleixada, isto indica que ela está cumprindo a Mitzvá com algum nível de resistência. Esta resistência pode ir crescendo até chegar ao ponto da pessoa odiar cumprir a Mitzvá. É por isso que o Midrash comparou uma Mitzvá feita sem agilidade ao Chametz, pois da mesma forma que o Chametz é uma Mitzvá nula, assim também será, no fim das contas, a Mitzvá daquele que a cumpre de maneira desleixada, pois ele acabará até mesmo odiando cumpri-la. Por outro lado, se a pessoa cumpre as Mitzvót com entusiasmo, ela vai chegar ao nível de amar o cumprimento desta Mitzvá, mesmo que o entusiasmo seja inicialmente gerado por recompensas ou incentivos. É por isso que o Talmud incentiva o cumprimento das Mitzvót mesmo que seja inicialmente pela motivação incorreta.

Devemos chegar ao nível de cumprir as Mitzvót pelo simples fato de D'us, o nosso Criador, ter nos comandado. Porém, como combustível motivador, podemos usar o conceito de que cada Mitzvá e cada bom ato nos ajuda a construir um pouco do nosso Mundo Vindouro. Assim saberemos dar mais valor para cada oportunidade de Mitzvá quer surgir na nossa frente, pois esta vida é limitada e passageira, mas o Mundo Vindouro, criado com cada Mitzvá e bom ato, será para toda a eternidade.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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