Assim começa a parashá Ki tetsê:
כִּֽי־תֵצֵ֥א לַמִּלְחָמָ֖ה עַל־אֹיְבֶ֑יךָ וּנְתָנ֞וֹ ה׳ אֱלֹקֶ֛יךָ בְּיָדֶ֖ךָ וְשָׁבִ֥יתָ שִׁבְיֽוֹ׃
Quando saíres à uma guerra contra teus inimigos e D’us o entregará em sua mão e os pegará como cativos.
וְרָאִ֙יתָ֙ בַּשִּׁבְיָ֔ה אֵ֖שֶׁת יְפַת־תֹּ֑אַר וְחָשַׁקְתָּ֣ בָ֔הּ וְלָקַחְתָּ֥ לְךָ֖ לְאִשָּֽׁה׃
E você verá dentre os cativos uma mulher bonita e de boa aparência, terás vontade por ela e a pegará como esposa.
A Torá está falando sobre uma mulher bonita. Nossos sábios discutem esses pessukim em detalhes. Não vou falar aqui sobre o lado haláchico dessa questão, e sim sobre o seu lado moral. No livro Shelah Hakadosh consta a seguinte pergunta: a Torá abre este passuk no singular (ki tetsê – quando saíres), muda para o plural (al oivêcha – teus inimigos) e depois escreve outra vez no singular (unetanó – e o entregará). Por que essa diferença?
Rabi Tzadok HaCohen de Lublin explica que essa parashá fala da guerra dos instintos, ou seja, a guerra contra o mau instinto, o yetser hará. Diz no Talmud (Sucá 52) que o yetser hará possui sete nomes. Porém, mesmo que tenha sete nomes, é somente um yetser hará!A Torá diz ‘sobre seus inimigos’ (no plural), pois o yetser hará vai para a guerra com várias faces e fantasias. Devemos saber que, mesmo tendo várias identidades, o yetser hará é somente um. A prova disto é que a Torá volta a falar no singular (unetanó hashem elokêcha beiadecha– e D’us o entregará em sua mão) no final do passuk. Se a pessoa sair para lutar contra ele, verá a Siatá Dashmia (ajuda celestial), para ter sucesso nesta guerra.
No livro Chovot Halevavot (Shaar Ichud Hamaase, capítulo 5) está escrito: ” … você deve saber, que o maior odiador que você tem no mundo, é seu mau instinto, entregue nos poderes de sua mente, envolvido em seu temperamento, que participa com você em suas ações nas trevas físicas e espirituais, governando os segredos de sua mente, dominando seus conselhos em todos os seus movimentos, visíveis e ocultos, que sejam segundo a vontade do mau instinto. Ele te espera na esquina para te seduzir. Você dorme para ele, e ele está acordado para você. Você o ignora e ele não o ignora.”O mau instinto está grudado em você. Você acha que ele está dormindo – ele está acordado, está sempre com você. O yetser hará se apresenta como amigo da pessoa, dando conselhos, demonstrando amor e amizade, procurando colocar a pessoa numa armadilha, para que caia nas redes do pecado, explicando-lhe que o bom é o ruim e o ruim é o bom, matando espiritualmente sua alma.
Se no início da parashá se refere à guerra e a batalha contra o yetser hará, segundo o Rabi Tsadoc Hacohen, devemos saber que a Torá nos dá dicas de como lutar nessa guerra. A Torá diz que para que a mulher cativa não seja de aparência tão atraente como parecia, ela deve raspar sua cabeça e não fazer as unhas por 30 dias.Quando uma pessoa chega a uma certa idade, seu corpo para de crescer. A exceção é cabelos e unhas, que seguem crescendo. Isso mostra à pessoa que ela é transitória, porque ela constantemente corta os cabelos e as unhas.
O propósito dos cabelos brancos, que uma pessoa recebe na barba e na cabeça, são um sinal para uma pessoa, que ela está prestes a mudar um prefixo de idade, ou transferir-se para outra moradia. Nossos sábios ensinam que uma das coisas que mostram à pessoa que ela deve despertar de seu sono espiritual são os cabelos e as unhas.A Torá dá conselhos aqui, como lutar contra o mau instinto, qual é o conselho?
A Torá diz que a moça cativa “e ela se sentou no cativeiro, chorando por seu pai e sua mãe por um mês.” A primeira explicação é que ela está “paciente” – com boa aparência trazida da guerra, mas não é uma coisa que durará. Ao final ela será divorciada (a palavra ‘mês’ está escrita como yerach – relacionada ao divórcio), uma vez que foi trazida somente para alimentar os desejos físicos.Quando explicamos essa passagem relacionada ao yetser hará, entendemos que quando a pessoa está “chorando por seu pai e sua mãe por um mês”, no final desse período ela dará o divórcio para o mau instinto. Este é o objetivo de chorar um mês pelo pai e pela mãe, separa-se dos meios materiais que lhe atraem ao pecado, para que no final, abandone totalmente o mau instinto. Consta no sagrado Zohar – a Torá nos diz que um dos meios de arrependimento é o choro, que é uma parte íntegra do processo de arrependimento. Está escrito: “e ela se sentou em sua casa e chorou por seu pai e sua mãe um mês”. Aqui se trata de uma linda mulher. A fonte do choro, é a separação e o afastamento da idolatria, que é relacionada ao pai. Assim explicar o profeta Yirmiahu (2:27): na época do primeiro Beit Hamikdash, antes da destruição, o povo chamava a árvore (meio de idolatria) de “pai”.
Mas quando se trata da guerra contra o mau instinto, a pessoa deve chorar a D’us, a quem desrespeitamos em conjunto com a Torá. Portanto, a explicação do passuk é a seguinte: e chorou por seu pai (violando Sua vontade- a vontade de D’us) e por sua mãe (a sagrada Torá), durante um mês, o mês de Elul. E o que significa estar em casa durante um mês, explica o Or Hachaim Hakadosh, que a casa se relaciona ao beit midrash, o local onde a pessoa estuda Torá e suplica selichot.Diz o Zohar: “E ela chorou por seu pai e por sua mãe por um mês”, o mês de Elul, para ensinar que o novo Elul é uma lua de choro. Superficialmente, o choro vem de tristeza. Porém o choro de Elul decorre do ressentimento da pessoa sobre sua condição espiritual que é revelada a ela às custas de sua alma. Existe outro tipo de choro – choro de alegria. Diz-se que a futura geulá “vem em lágrimas” – é um grito de alegria, resultante da incapacidade de conter no cérebro a intensidade dos sentimentos de alegria e admiração pela redenção. Esses dois tipos de choro indicam dois tipos de arrependimento, dois ambientes diferentes que aparecem no mês da teshuvá. O arrependimento com alegria não se concentra nos pecados do homem em si, mas no fato de que D’us o aceita quando ele retorna para ele, apesar de todos osseus pecados. A alegria no arrependimento a D’us, na união com seu povo após estar distante é tão grande e milagrosa que não pode ser contida no intelecto e isso causa lágrimas de alegria. O choro da submissão – da pessoa triste por sua condição e pelo sentimento de incapacidade de mudar -, e o choro da doçura – no qual a tristeza pelos pecados do homem é adoçada por sua teshuvá. Na verdade, há uma separação entre submissão e doçura – o estágio de conexão. Quando o homem para de ‘chorar’ e reconhece seu estado de auto-aversão e depressão, ele descobre que pode ser separado do “eu” indesejável, retornando a D’us. E quando cresce a confiança na sua capacidade de retornar a D’us – quando a teshuvá não é percebida apenas como expiação pelo pecado do arrependimento, mas como uma teshuvá ao próprio D’us, que recebe de mão aberta os que voltam a Ele, a tal ponto que a pessoa se transforma em outra personalidade. Somente depois que a pessoa é separada de seus pecados e não é mais escravizada por eles, ela pode olhar para trás e ver como os próprios pecados foram adoçados. A alegria é porque ele – o pecador – foi aceito por D’us apesar de seus pecados. Portanto, há doçura na própria realidade do pecado, porque contra o pano de fundo do pecado, sentimos a misericórdia e o consolo de D’us. Contra o pano de fundo da distância, sentimos a alegria da aproximação.