Criando raízes

André era vizinho de Eduardo, um médico cujo “hobby” era plantar árvores no enorme quintal de sua casa. Às vezes, André observava da sua janela o esforço de Eduardo para plantar árvores e mais árvores, mas o que mais chamava a atenção de André era que, apesar de todos o trabalho, as árvores estavam demorando muito para crescer. Um certo dia resolveu aproximar-se do médico e perguntar qual era o problema daquelas árvores. O médico, com um ar orgulhoso, explicou sua “teoria”:

– As árvores não têm nenhum problema, muito pelo contrário. Se eu regasse as plantas todos os dias, as plantas cresceriam mais rápido, mas as raízes se acomodariam na superfície e ficariam sempre esperando pela água mais fácil. Como eu não rego com tanta freqüência, as árvores demoram mais para crescer, mas suas raízes vão para o fundo, em busca da água e das várias fontes nutrientes encontradas nas camadas mais profundas. Com raízes mais largas e profundas, as árvores ficam mais resistentes às intempéries. Eu estou investindo nas raízes para garantir um futuro melhor para as árvores.

Pouco tempo depois André foi morar em outro país. Passados vários anos, retornou e teve curiosidade de visitar sua antiga residência. Ao aproximar-se, notou um bosque que não havia antes. Era um dia de vento muito forte e gelado, que chegava a dobrar as árvores da rua, e algumas não resistiam ao rigor do inverno. Entretanto, ao aproximar-se do quintal do médico, notou como estavam sólidas suas árvores, praticamente não se moviam, resistindo firmemente àquela ventania toda. Finalmente entendeu que o médico havia realizado seu sonho”.

É inevitável que os ventos gelados e fortes nos atinjam na vida. Sempre haverá uma tempestade ocorrendo em algum momento. O que precisamos fazer é nos esforçar para conseguir desenvolver raízes fortes e profundas, de tal modo que, quando as tempestades chegarem e os ventos gelados
soprarem, resistiremos bravamente, ao invés de sermos simplesmente varridos para longe.

 


A Parashá desta semana, Ki Tavô, traz dois assuntos interessantes: a Mitzvá dos Bikurim, isto é, a oferenda das primícias (primeiros frutos de cada colheita), e as Brachót (bençãos) e Klalót (maldições) que Moshé apresentou ao povo judeu entes deles entrarem em Israel, condicionais ao comportamento deles em sua futura terra. E assim diz o versículo sobre a Mitzvá de Bikurim: “E vocês tomarão das primícias de todos os frutos do solo produzidos pela terra que D'us te dá, e as colocarão em um cesto, e irão ao lugar que D'us escolher” (Devarim 26:2).

Observando outras Mitzvót da Torá, percebemos que várias “primícias” devem ser dedicadas para D'us: a primeira tosa de lã, a primeira parte da massa de farinha, o primogênito dos animais e até mesmo os primogênitos humanos, que precisam ser redimidos. Afinal, por que a Torá ressalta tanto a importância das “primícias”, ao invés de nos comandar a oferecer o melhor da nossa produção? E por que a Torá traz os assuntos de Bikurim e as Brachót e Klalót juntos?

Explica o Rav Zeev Leff que a importância das “primícias” é porque elas são as raízes e as fundações do que virá em seguida. As fundações de um edifício devem ser totalmente livre de imperfeições, e mesmo uma pequena trinca nas fundações pode comprometer toda a segurança de um edifício, enquanto a mesma trinca no quarto andar pode ser insignificante. Similarmente, em todas as coisas que possuem alguma santidade, é importante que o começo seja puro e sagrado, para que disto saia também pureza e santidade. Qualquer tipo de imperfeição nas fundações espirituais podem comprometer completamente todo o desenvolvimento futuro. Por isso nós dedicamos todas as nossas “primícias” para D'us, para estabelecer firmemente as fundações e raízes do que se seguirá.

Nossos sábios aprendem deste ensinamento a importância da educação das crianças, pois são nos primeiros anos de vida que elas começam a crias suas raízes e fundações espirituais, e a partir delas construirão todo o seu caráter. E é também por isso que a Torá junta o assunto dos Bikurim com o assunto das Brachót e Klalót, pois o povo judeu estava prestes a entrar na terra de Israel e logo iriam começar a construir as fundações espirituais da terra, então era muito importante que eles tivessem total consciência das suas obrigações, responsabilidades e conseqüências.

Daqui a pouco mais de uma semana será Rosh Hashaná, o marco inicial de um novo ano. A lei judaica nos ensina que nestes dias, principalmente entre Rosh Hashaná e Yom Kipur, devemos ser um pouco mais rigorosos no cumprimento das Mitzvót, e se possível acrescentar algo ao que já vínhamos fazendo. À primeira vista isso é difícil de entender, pois de que adianta ser mais rigoroso apenas nestes dias e ser leniente durante todo o ano? Não é uma tentativa de enganar a D'us para parecermos mais Tzadikim e garantirmos um julgamento mais favorável?

Um juiz de carne e osso pode ser enganado, mas não D'us, que pode ver não somente os nossos atos, mas também os nossos corações. Então por que nestes dias nos comportamos de forma diferente? Pois os dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur não são apenas o começo de um ano novo, são as fundações e as raízes do ano inteiro. Estes dias deve ser tratado com “primícias”, e devemos nos comportar com mais santidade e pureza. Portanto nos esforçamos mais, estudamos mais, rezamos com mais Cavaná (intenção) e acrescentamos Mitzvót nas nossas vidas, não para mostrar ou enganar, e sim para construir fundações sagradas para o ano inteiro. E mesmo se durante o ano não pudermos manter a mesma qualidade dos “materiais de construção”, boas fundações podem garantir a estabilidade de todo o prédio.

Ninguém ganha uma corrida sem preparo e treino. Ninguém se torna um grande profissional sem esforço e estudo. Não podemos mudar do dia para a noite. Os dias de Elul são dias de preparação, dias de esforço, quando podemos acrescentar pequenas coisas em nossas vidas. Podem aparentemente parecer pouco, mas podem fazer uma grande diferença no nosso novo ano.

“SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM” (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).

SHABAT SHALOM

Rav Efraim

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