Um rabino idoso sentou-se na sinagoga e cumprimentou um jovem rapaz que estava sentado na cadeira ao lado. O rabino perguntou ao jovem se ele era o Sr. Goodman, e o jovem confirmou. Então o rabino disse:
– Sr. Goodman, gostaria de te dar parabéns pelo seu incrível trabalho de “Shalom Bait” (Paz familiar).
O Sr. Goodman agradeceu pelo elogio, mas disse que era um engano, pois ele era apenas um jovem estudante de Torá, recém-casado, que nunca havia se envolvido com aconselhamentos de “Shalom Bait” na vida.
– O elogio certamente é para você – insistiu o rabino – E vou te explicar porque. Há um casal aqui em Bnei Brak que estava passando por terríveis problemas de “Shalom Bait”. Eu vinha trabalhando com este casal por mais de seis meses, mas não estava sentindo nenhuma melhora. Na verdade, eu já estava quase desistindo, pois infelizmente sentia que não havia mais nada para fazer.
– Há algumas semanas você estava em uma pequena sinagoga e havia do seu lado um garoto de quatorze anos de idade que estudava sem parar, e este garoto te deixou muito bem impressionado – continuou o rabino – Então o que você fez depois? Você foi até a parte de trás da sinagoga, onde o pai dele estava sentado, e disse: “Meus parabéns pelo filho maravilhoso você tem. Que orgulho!”. Você se lembra disso?
O Sr. Goodman lembrava-se vagamente da história, e começou a ficar assustado com aquele rabino que sabia tantos detalhes da sua vida. Vendo a confusão no rosto do Sr. Goodman, o rabino abriu um sorriso e concluiu:
– Então, aquele homem que você elogiou era justamente o marido que estava tendo problemas de “Shalom Bait” com a esposa. Grande parte dos problemas era consequência da baixa autoestima dele. Mas seu elogio a respeito do filho dele mudou tudo. Você devolveu a ele sua honra, e foi como se você tivesse injetado novamente vida em suas veias. Ele saiu da sinagoga um novo homem. Parou em uma floricultura e comprou para a esposa um buquê de rosas e, em seguida, comprou uma caixa do chocolate favorito dela. A partir deste dia sua casa se transformou em um verdadeiro “Gan Éden” (Paraíso). O que eu não pude ajudar em seis meses de trabalho intensivo, você conseguiu com apenas um elogio. Com suas palavras, você deu dignidade a este homem. Assim, mais uma vez, parabéns pelo seu incrível trabalho de “Shalom Bait” (História Real).
A Parashat desta semana, Re'eh, fala sobre muitos temas, tais como a definição de quais animais são Kasher (permitidos para o consumo), o perigo de falsos profetas se levantarem dentro do povo judeu e a importância de dar Tzedaká aos necessitados. A Parashá também nos ensina sobre um assunto interessante, o “Eved Ivri” (escravo judeu). Havia duas possibilidades de um judeu se tornar escravo de outro judeu: caso ele não tivesse meios para manter sua família, podia se vender como escravo; ou caso ele tivesse roubado um objeto e, quando apanhado por seu roubo, não tivesse dinheiro para ressarcir o dono. Neste caso, a pessoa era vendida pelo Beit Din (Tribunal Rabínico) e o dinheiro da venda era utilizado para ressarcir o dono do objeto roubado.
A Torá nos ensina que após seis anos de trabalho o “Eved Ivri” deveria ser libertado. A Torá acrescenta mais um detalhe sobre esta libertação: “Você não deve mandá-lo embora de mãos vazias. Você deve dar a ele presentes” (Devarim 15:13,14). Isto quer dizer que, além do pagamento no momento da compra, o dono ainda era obrigado a dar ao escravo, no momento da sua libertação, presentes de valor significativo. Qual é a mensagem que a Torá nos ensina ao obrigar uma pessoa a dar ao seu escravo presentes no momento de sua libertação?
Além disso, a linguagem utilizada no versículo nos chama a atenção. Normalmente o verbo utilizado para “dar” é “Latet”, mas neste versículo o verbo utilizado é “Lehanek”, que literalmente significa “adornar”. Por que a Torá utilizou neste caso um verbo tão incomum?
Finalmente, o próximo versículo traz uma informação que parece fora de contexto: “E vocês devem lembrar que vocês foram escravos na terra do Egito, e que D'us os redimiu. Por isso Eu estou comandando isto para vocês hoje” (Devarim 15:15). Qual a relação entre a saída do Egito e a libertação do “Eved Ivri”?
Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está na análise de um conceito interessante: o ato de dar gorjetas. Por que é uma prática aceita que certos serviços merecem ser recompensados com uma gorjeta, enquanto outros serviços não merecem? Por exemplo, quando a pessoa faz compras em um supermercado, o carregador que embala e leva as mercadorias compradas ao carro do cliente recebe uma gorjeta, mas a pessoa do caixa não recebe nenhuma gorjeta. Outro exemplo é na barbearia, quando a pessoa dá uma gorjeta para o barbeiro, porém não dá nada para a pessoa que cobra no caixa. Por que há esta diferença?
A resposta é que quando uma pessoa serve outra, de certa maneira ela se sente um pouco rebaixada e humilhada. Quanto mais personalizado é o serviço prestado, maior a perda de dignidade sentida. Portanto, é justamente quando recebemos um serviço personalizado é que nós damos a gorjeta. A gorjeta demonstra nossa apreciação pelo que recebemos do outro, e funciona como uma forma de restaurar a dignidade da pessoa que nos serviu. É por isso que o barbeiro e o empacotador recebem a gorjeta, pois fazem serviços exclusivos e diferentes para cada cliente. Já as pessoas que ficam no caixa do supermercado ou da barbearia fazem trabalhos padrões, praticamente iguais para todos os clientes, sem nenhum tipo de personalização, e por isso não recebem nenhuma gorjeta.
Com este conceito também podemos entender uma atitude aparentemente estranha de Avraham Avinu. Quando ele abandonou a sua casa e foi para a Terra de Israel, logo depois houve uma grande fome que o obrigou a buscar alimentos no Egito. Na volta para Israel, a Torá decreve que Avraham foi “de acordo com as suas viagens” (Bereshit 13:3). O Talmud (Arachin 16b) nos ensina que deste versículo aprendemos que Avraham voltou para Israel pelo mesmo caminho que ele havia ido ao Egito. Por que? Para que na volta pudesse se hospedar exatamente nas mesmas hospedarias que havia se hospedado na ida. Mas qual é o sentido de alguém refazer o mesmo caminho apenas para ficar nas mesmas hospedarias?
O dono de uma hospedaria serve seus clientes com uma enorme variedade de serviços personalizados, 24 horas por dia, algo que, de acordo com o conceito que vimos anteriormente, também diminui a sua dignidade. Porém, ao dono da hospedaria não é possível devolver a dignidade apenas dando uma gorjeta. Avraham então nos ensinou que a forma de devolver a dignidade ao dono da hospedaria é continuar dando preferência ao seu estabelecimento. Esta é a verdadeira demonstração de apreciação pelo serviço personalizado recebido.
É por isso que a Torá exige que o dono de um “Eved Ivri” dê a ele presentes no momento de sua despedida. Apesar de haver uma proibição de dar ao escravo qualquer tipo de trabalho muito pesado ou humilhante, o fato de o escravo estar o tempo inteiro à disposição de seu dono, prestando a ele serviços exclusivos e personalizados, faz com que ele perca a sua dignidade. Então D'us obrigou o dono, no momento da despedida de seu escravo, dar a ele presentes de valor significativo, que possam devolver ao escravo sua dignidade.
Entendemos também a utilização deste verbo tão incomum, “Lehanek”, no ato de dar presentes ao escravo que está sendo libertado. De acordo com Rashi (França, 1040 – 1105), “Lehanek” vem do substantivo “Anaká”, que significa “uma jóia utilizada em volta do pescoço”. Quando a pessoa se adorna com jóias, ela se sente elevada e especial, e isto dá a ela um senso de dignidade. Esta é justamente a função do presente que damos ao escravo no momento de sua partida, para que ele possa recuperar a dignidade perdida nos seus últimos seis anos nos quais ele serviu, de maneira personalizada, seu dono.
Finalmente entendemos a continuação do versículo, “E vocês devem lembrar que vocês foram escravos na terra do Egito”. A dura escravidão no Egito quebrou todo o senso de dignidade do povo judeu. Então, antes de nos tirar de lá, D'us fez com que os egípcios nos dessem muitos presentes. Esta foi a maneira que D'us utilizou para nos devolver, através dos nossos próprios opressores, a nossa dignidade. De forma semelhante, cada dono de escravo fica obrigado a restituir, no momento da libertação do seu escravo, a sua dignidade.
Apesar de atualmente não termos mais na prática o conceito do “Eved Ivri”, podemos utilizar este ensinamento da Parashat para nossas vidas, pois aprendemos um conceito muito importante e atual: o cuidado com a honra e a dignidade dos outros. Muitas pessoas atualmente sofrem de baixa autoestima e, com algumas palavras de incentivo, podemos ajudar a reerguer alguém que está caindo. Uma gorjeta pode restaurar a dignidade de um trabalhador, mas elogiar, demonstrar que confiamos nos outros e valorizar o que as pessoas fazem são atitudes que podem literalmente dar vida. E, ao contrário da gorjeta, estas atitudes não pesam nem no nosso bolso, pois são de graça.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm