Devolvendo bondades

O Sr. Ackerman estava desesperado. A situação financeira de sua Yeshivá, localizada na cidade de Bnei-Brak, estava muito difícil, e ele precisava juntar U$ 25 mil para aliviar um pouco a situação, mas não sabia por onde começar. Viajou para Jerusalém, onde pensava ser mais fácil conseguir o dinheiro. Lá ele encontrou, em uma sinagoga, um famoso filantropo americano que estava de férias em Israel. Convidou-o para jantar e, durante a refeição, contou sobre as dificuldades financeiras da Yeshivá. O filantropo se sensibilizou com a causa e fez uma proposta incrível. Ele fez um cheque de U$ 5 mil e disse que se o Sr. Ackerman conseguisse até o dia seguinte mais U$ 10 mil, ele completaria os U$ 10 mil que faltavam. 

O Sr. Ackerman ficou empolgado. No dia seguinte de noite já tinha conseguido os U$ 10 mil. O filantropo então tirou o talão de cheques e preencheu com o valor que faltava. Então, olhando emocionado para o Sr Ackerman, o filantropo falou:

– Você deve estar curioso para saber por que eu doei tanto dinheiro para sua Yeshivá. Eu vou lhe contar uma história que aconteceu há 25 anos. Quando eu era jovem, eu era tão pobre que meus pais não tinham dinheiro nem mesmo para me comprar um chapéu para meu casamento. No dia do casamento eu tomei coragem e fui até a loja de chapéus da cidade, cujo dono era judeu, e expliquei que me casaria naquele dia. Pedi que ele me desse um chapéu e me comprometi a pagar no dia seguinte, com o dinheiro que ganharia de presente. O dono da loja confiou em mim e me deu o chapéu. Lembrei então que meus pais também não teriam dinheiro para comprar os vinhos para o casamento. Fui até a loja de bebidas, cujo dono também era judeu, e ele também confiou em me dar as bebidas. Era um milagre, tudo estava dando certo demais naquele dia.

– Foi então que eu vi você na rua, Sr. Ackerman – continuou o filantropo – Naquela época, você era o mais fantástico dançarino das festas judaicas. Você alegrava os casamentos e transformava as festas em algo inesquecível. D'us já havia me ajudado tanto que eu resolvi arriscar mais uma vez. Apresentei-me e te convidei para o casamento. Você não prometeu nada, mas anotou o endereço do salão e falou que tentaria ir. No meio das danças, você entrou correndo na pista e dançou de forma magnífica. Os convidados adoraram, ficaram muito felizes. Você ajudou a tornar aquela a melhor noite da minha vida.

– Quando chegou o fim da noite – concluiu o filantropo – eu jurei para mim mesmo que algum dia eu retribuiria de alguma maneira por sua bondade. Graças a D'us eu tive sucesso na vida e enriqueci muito. E quando você veio falar comigo, mesmo 25 anos depois, eu te reconheci, e percebi que era o momento de retribuir aquele enorme presente que você me deu. Por isto estou te dando esta enorme doação agora.

Os dois se abraçaram, comovidos, e agradeceram um ao outro pelas bondades feitas de coração. 


Na Parashá desta semana, Ki Tetse, a Torá descreve que, por algum tipo de má-índole intrínseca ou algum comportamento oposto à essência do povo judeu, alguns povos podem até mesmo se converter ao judaísmo, mas não podem se casar com os judeus. Para alguns povos a proibição de se casar é apenas temporária, isto é, por algumas gerações, enquanto para outros povos a proibição é eterna. Entre aqueles que a proibição é apenas por algumas gerações estão os egípcios, como está escrito: “Não abominarás o egípcio, pois peregrinos vocês foram na terra dele” (Devarim 23:8). Mas por que receber os egípcios como parte do nosso povo por termos sido peregrinos em sua terra? Qual a conexão entre as duas coisas?

Imagine que você, recém casado, está desesperado em busca de um lugar para morar. Você encontra então uma pessoa que lhe oferece uma casa para alugar. Você gosta da casa e decide aluga-la, e durante muitos anos o convívio com o dono da casa é agradável. Com o tempo, a família cresce e você sente a necessidade de ir para um lugar maior. Você encontra um lugar mais adequado e decide se mudar. Mas no momento de ir embora, o dono da casa não permite sua saída e subitamente se torna uma pessoa perversa. Ele te obriga a pessoalmente fazer melhorias em todo o apartamento, sem pagar nenhum centavo. Para piorar, ele te causa sofrimentos físicos e psicológicos por meses e meses, sem descanso. Será que seria necessário guardar qualquer sentimento de gratidão por este “louco”, que no princípio nos forneceu um lugar para morar, mas que depois nos causou tantos sofrimentos? 

Diz o Rav Yeruham HaLevi Levovitz que a mesma pergunta se aplica a este ensinamento trazido na Parashá. É verdade que nos hospedamos por muito tempo no Egito, desde que Yaacov desceu para lá com seus filhos e netos, fugindo da seca que assolou a terra de Israel. E é verdade que no início fomos bem recebidos e vivemos no Egito com tranquilidade. Porém, após a morte de Yossef e seus irmãos, o comportamento dos egípcios mudou completamente. Nossa “hospedagem” se transformou em um verdadeiro inferno. Fomos escravizados e castigados com os piores requintes de crueldade. Nossos bebês foram atirados vivos no Rio Nilo e nosso povo foi quebrado pelo jugo do trabalho pesado, pelo qual não receberam um único centavo. Por mais que os egípcios nos fizeram bem no princípio, no final eles nos fizeram muito mal. Então, por que mostrar qualquer tipo de gratidão, recebendo-os como parte do povo judeu, depois de tanto sofrimento que eles nos causaram?

A pergunta fica ainda mais difícil ao observarmos que, poucos versículos antes, a Torá proíbe para sempre os homens dos povos de Amon e Moav de se casarem com mulheres judias, mesmo depois de se converterem. Nos chama a atenção o motivo apresentado pela Torá: “Pelo fato que eles não te receberam com pão e água no caminho, quando vocês estavam saindo do Egito (Amon), e porque eles contrataram contra vocês Bilaam… para amaldiçoar vocês (Moav)” (Devarim 23:5). Mas diferente dos egípcios, Amon e Moav não nos causaram sofrimentos físicos, não nos escravizaram e nem atiraram nossos bebês vivos no rio. Então, por que D'us foi mais rigoroso com os povos de Amon e Moav do que foi com os egípcios?

A resposta é um dos mais importantes fundamentos do judaísmo: o “Akarat Hatóv” (reconhecer as bondades recebidas). Os povos de Amon e Moav eram “parentes” do povo judeu. Eles descendiam das filhas de Lót, o sobrinho de Avraham. Quando Lót foi sequestrado, Avraham arriscou sua própria vida e não mediu esforços para salvá-lo. Mas os povos de Amon e Moav não tiveram Akarat Hatóv. Apesar de deverem suas vidas a Avraham, eles foram incapazes de dar pão e água quando os judeus estavam famintos no deserto. Mas não porque eram pobres, pois apesar da obrigação de retribuir o bem recebido, eles preferiram gastar seu dinheiro para contratar Bilaam, na tentativa de destruir o povo judeu. Portanto, Amon e Moav demonstraram que não possuem entre suas características o Akarat Hatóv. Por isso não podem se casar, para sempre, com mulheres judias, pois o Akarat Hatóv é um dos principais pilares do povo judeu.

Mas até onde vai a obrigação de Akarat Hatóv? Será que se uma pessoa nos faz um bem, mas depois nos faz mal, mesmo assim ainda estamos obrigados a reconhecer e retribuir o bem que recebemos? A Parashá nos ensina que sim. Os egípcios nos fizeram muito mal, eles quase nos destruíram, fisicamente e espiritualmente, mas mesmo assim a Torá nos obriga a aceitá-los. Por que? Pois eles nos receberam como peregrinos em sua terra em um momento em que não tínhamos mais para onde ir. As coisas ruins que eles nos fizeram não apagam as coisas boas que recebemos deles e, portanto, não nos isenta da obrigação de Akarat Hatóv.

Ensina o livro Tomer Dvora, do Rav Moshe Cordovero, que devemos sempre guardar com toda nossa força as coisas boas que recebemos dos outros, enquanto devemos minimizar e esquecer as coisas ruins, pois é assim que D'us se comporta conosco. Ele guarda para sempre cada Mitzvá que fazemos, mas as Aveirót (transgressões) Ele tenta limpar rapidamente. Para que possamos meritar os prazeres eternos do Mundo Vindouro, D'us não “desconta” as Mitzvót com as transgressões. Por isso, não devemos utilizar as coisas ruins para “descontar” as coisas boas que as pessoas nos fizeram.

Muitas vezes não apenas não nos comportamos da maneira que D'us se comporta, mas fazemos justamente o contrário. Por anos recebemos bondades das pessoas, mas na primeira “pisada de bola” jogamos fora todo o sentimento positivo e o nosso Akarat Hatóv. Frequentamos por anos uma instituição, recebendo bondades e atenção, e após um único desentendimento, decidimos nunca mais pisar neste lugar. Pior ainda, muitas vezes deixamos de manter ou ajudar instituições por pequenas falhas cometidas, depois de termos recebido anos e anos de ajuda. Certamente é o oposto de como esperamos que D'us se comporte conosco.

Este ensinamento é particularmente importante para esta época do ano. Estamos no mês de Elul, o último mês do ano, a época de preparação para o julgamento de Rosh Hashaná, onde nossas próprias vidas, e cada detalhe de tudo o que ocorrerá no próximo ano, estarão em jogo. Ensina o Tomer Dvora que da maneira que nos comportamos aqui embaixo, assim D'us se comporta conosco. Se esquecermos as coisas boas que recebemos e guardarmos as coisas ruins, D'us também fará isto no nosso julgamento, e infelizmente não faltam erros e transgressões que fizemos durante o ano. Mas se guardarmos as coisas boas e esquecermos as coisas ruins, então D'us certamente nos ajudará no nosso julgamento.

“SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM” (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo