Parashat Noach

Este é o seu destino

Ricardo era um rapaz esforçado, investia muito no seu crescimento espiritual. Fixava horas de estudo de Torá todos os dias e procurava sempre refletir sobre a vida e a importância do tempo, nosso bem mais precioso. Mas foi quase por acaso que ele recebeu uma das maiores lições sobre o valor da vida.

Certa vez havia falecido um parente distante de Ricardo e ele decidiu ir ao cemitério para cumprir a importante Mitzvá de “Levaiat Hamet” (acompanhar o morto até a sepultura). Como ele não conhecia o caminho até o cemitério, programou seu GPS e foi seguindo as instruções. 

Durante todo o caminho, o GPS foi dando as coordenadas: “Vire à direita”, “Vire à esquerda”, “Siga em frente”. Quando o carro entrou no cemitério, Ricardo ficou arrepiado. O GPS, em alto e bom som, anunciou: “VOCÊ CHEGOU AO SEU DESTINO”…

Quando lembramos que estamos aqui neste mundo apenas por um tempo limitado, aproveitamos mais a nossa vida, damos valor para cada segundo. A única certeza que temos na vida é que um dia a vida acaba. Então vale a pena aproveitar cada segundo do nosso tempo. 

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Nesta semana lemos a Parashá Noach, que nos ensina sobre o dilúvio que destruiu toda a humanidade. Mas apesar de toda a corrupção e imoralidade que haviam se institucionalizado no mundo, Noach e sua família se mantiveram íntegros e encontraram graça aos olhos de D'us, sendo salvos, junto com um par de cada animal da Terra, em uma gigantesca arca. Durante 40 dias e 40 noites D'us mandou uma forte chuva sobre a Terra, acabando com toda a vida que havia ficado para fora da arca.

Quando D'us anunciou que mandaria um dilúvio, avisou para Noach: “Eu estabelecerei Meu pacto com você, e você deve vir até a arca – você, seus filhos, sua esposa e as esposas dos seus filhos com você” (Bereshit 6:18). Por que D'us, ao comandar Noach, separou os homens das mulheres? Explica o comentarista Kli Yakar que D'us estava proibindo os seres humanos de terem relacionamentos íntimos durante os dias em que estivessem dentro da arca, pois eles não poderiam se ocupar dos seus próprios prazeres enquanto o resto da humanidade estava passando por terríveis sofrimentos.

Após um ano fechados na arca, D'us comandou que eles saíssem: “Saia da arca, você e sua esposa, seus filhos e as esposas de seus filhos junto com você” (Bereshit 8:16). Desta vez D'us comandou Noach a sair com sua esposa, e os filhos com suas esposas, para comunicar que a proibição das relações maritais não mais se aplicava. Ao contrário, agora eles precisavam repovoar o mundo, que estava completamente desolado e vazio.

Porém, alguns versículos depois a Torá descreve a saída de Noach da arca: “E saiu Noach, e seus filhos, e sua esposa e as esposas dos seus filhos com ele” (Bereshit 8:18). Se D'us já havia novamente permitido as relações maritais, por que a Torá descreve que os casais saíram da arca separados, como se a proibição das relações íntimas ainda existia?

Explica o Kli Yakar que Noach não queria mais ter filhos. O ser humano precisa encontrar um sentido no que faz na vida. Uma pessoa não passaria o dia empilhando lixo, mesmo de maneira remunerada, se soubesse que de noite alguém pegaria a pilha e espalharia tudo de novo, fazendo com que o trabalho recomeçasse do zero no dia seguinte, pois ninguém consegue fazer um trabalho que é vão e sem sentido. Foi isso o que Noach sentiu naquele momento, ele pensou que mesmo se trouxesse descendentes ao mundo, logo alguma geração não muito distante se corromperia e um novo dilúvio destruiria novamente o mundo inteiro. Então por que se esforçar se logo tudo seria destruído? Noach ficou firme em sua decisão até que D'us confortou-o, jurando que nunca mais traria um dilúvio ao mundo, como está escrito: “Nunca novamente toda a carne será destruída pelas águas do dilúvio, e nunca novamente haverá um dilúvio para destruir o mundo” (Bereshit 9:11).

Mas surge uma grande pergunta filosófica. Sabemos que tudo o que D'us faz é por bondade, mesmo quando Ele precisa nos castigar de maneira severa. É como um pai que, ao ver seu filho colocando a própria vida em risco, lhe dá um castigo duro para convencê-lo a não fazer mais o mesmo erro. Segundo este fundamento, por que D'us mandou o dilúvio? Pois o mundo havia se corrompido tanto que Ele achou necessário, pelo bem da humanidade e das futuras gerações, reconstruir o mundo. Então como D'us poderia jurar que nunca mais mandaria um dilúvio para o mundo? E se a humanidade novamente se corrompesse e se desviasse do caminho correto, D'us não mandaria mais o “conserto” necessário?

Explicam nossos sábios que o mundo “pós-dilúvio” não foi reconstruído da mesma maneira como era antes. D'us fez mudanças para que a humanidade nunca mais se corrompesse naquele nível. Em certo nível, D'us tirou um pouco do nosso livre arbítrio, para nos impedir de cair tanto quanto caiu a geração de Noach. Mas que mudanças foram estas e como nos ajudam a não cair?

A primeira mudança foi na diminuição da expectativa de vida dos seres humanos, como está escrito: “E disse D'us: Meu espírito não continuará a julgar o homem para sempre, uma vez que ele não é mais do que carne. Seus dias serão 120 anos” (Bereshit 6:3). Até a geração de Noach as pessoas viviam mais de 700 anos, mas D'us decretou que a expectativa de vida do ser humano iria gradativamente diminuir, até chegar ao limite de 120 anos. Por um lado, um tempo de vida longo pode ser utilizado para acumular sabedoria e espiritualidade, mas se for mal utilizado, resulta em tempo suficiente para cometer muitas bobagens na vida. Com a diminuição do tempo de vida, as pessoas ficaram menos propensas a desenvolver um nível muito grande de maldade. Além disso, o medo da morte, um fenômeno que passou a ser algo mais próximo do ser humano, ajudou as pessoas a se concentrarem no que é principal e deixar de lado o que é secundário.

A segunda mudança foram alterações climáticas na Terra, como está escrito: “Enquanto a Terra existir, a época do plantio e da colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite, não cessarão” (Bereshit 8:22). Antes do dilúvio, todos os dias eram dias de primavera, com um clima ameno e agradável. Não havia estações do ano nem temperaturas extremas. Neste clima agradável e constante, o tempo parecia não passar. As mudanças de estação nos ajudam a perceber, de uma maneira mais clara, que o tempo está correndo. Nos ajuda a refletir que a vida é curta, que precisamos aproveitar as oportunidades ou elas passam e nós as perdemos, talvez para sempre. Além disso, quando tudo está tranquilo, a tendência é as pessoas se acomodarem. As dificuldades de viver em uma constante luta contra o frio e o calor nos despertam, nos dão força, nos ajudam a atingir o nosso objetivo.

Estas mudanças que D'us fez para diminuir nosso Yetzer Hará (má inclinação) nos ensinam uma importante lição para a vida: a melhor maneira de evitar cometer transgressões, e a receita para fugir de uma vida de vanidades, é lembrar constantemente que estamos neste mundo apenas por um tempo limitado e que todos os nossos atos neste mundo são levados em consideração para definir o nível espiritual que teremos por toda a eternidade. A vida passa em um piscar de olhos, o tempo não espera, ele não para nunca. Quem não aproveita sai deste mundo de mão vazias.

Por que não aproveitamos as oportunidades de crescimento espiritual? Pois vivemos como se nunca fossemos morrer. As oportunidades aparecem, mas sempre deixamos as coisas importantes para depois. Sempre dizemos: “Amanhã eu faço” ou “Depois eu cuido disso”. Quando o ser humano vivia mais de 700 anos, havia tempo de sobra para se preocupar com o Mundo Vindouro. Mas já não vivemos tanto, como diz David Hamelech: “Os dias da nossa vida chegam a 70 anos, e para alguns mais fortes chegam a 80 anos” (Tehilim – Salmos 90:10). Algumas vezes vamos ao cemitério e o choque momentâneo de perceber que um dia a vida acaba nos acorda, mas com o tempo voltamos ao comodismo de antes. Precisamos despertar do nosso sono espiritual, precisamos aproveitar cada instante de nossa vida para construir méritos para a nossa Vida Eterna. Temos que nos esforçar ao máximo para que, nos dia em que chegarmos realmente ao nosso destino final, possamos sair deste mundo com a nossa mala espiritual completamente cheia.
 

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