Parashat Korach

Fazendo a joia brilhar

“Alexandre estava com um grupo de amigos fazendo turismo em Hong Kong. Certo dia eles foram conhecer uma famosa joalheria, conhecida pela diversidade de pedras preciosas. O grupo ficou maravilhado com a quantidade de pedras preciosas diferentes que estavam em exposição. Mas a que mais chamou a atenção de Alexandre não foram as pedras brilhantes e coloridas. Ao contrário, havia em um canto da loja uma pedra opaca, completamente desprovida de brilho, nem parecia uma pedra preciosa. Ao chegar perto, Alexandre viu que era uma pedra cara. Curioso em saber quem se interessaria por uma pedra daquelas, cara e completamente sem graça, ele questionou o joalheiro.

O joalheiro explicou que aquela era uma pedra cara por causa do seu brilho maravilhoso. Vendo a cara de espanto de Alexandre, o vendedor abriu um sorriso, retirou a pedra da vitrine, colocou-a no centro de sua mão e fechou. Alguns instantes depois, ele abriu a mão e, para a surpresa de Alexandre, a pedra brilhava com uma beleza incomum.

– Esta pedra – ensinou o joalheiro – é uma opala, mais conhecida como “joia sentimental”. Ela parece opaca e apagada, mas tudo o que ela necessita é do contato com a mão humana para irradiar brilho e luz” 

As crianças são joias como opalas. Podemos dar presentes caros, viagens extravagantes, os mais modernos jogos, mas isto tudo não é suficiente para deixar uma criança realmente feliz. O que preenche de verdade uma criança é o carinho e a proximidade dos pais, a “mão humana” que faz a luz delas brilhar. 

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Na Parashá desta semana, Korach, a Torá descreve uma grande rebelião organizada contra Moshé e Aharon, na qual suas posições de destaque, respectivamente como líder do povo e Cohen Gadol (Sumo sacerdote), foram questionadas. A rebelião terminou de forma trágica, com centenas de pessoas mortas através de castigos aplicados diretamente por D’us. Em seguida a Torá lista os serviços pelos quais os Cohanim (sacerdotes) eram responsáveis e uma série de presentes que o povo judeu deveria dar a eles. Qual a conexão entre estes assuntos?

Os Cohanim eram os responsáveis pelos serviços espirituais do Mishkan (Templo Móvel), e por isso D’us deu a eles presentes, como uma recompensa por sua dedicação. Além disso, D’us queria afirmar publicamente que os Cohanim eram Sua “legião pessoal”. Esta afirmação foi feita justamente depois da rebelião de Korach e seu grupo, na qual eles haviam questionado Aharon, o Cohen Gadol, pois D’us queria afirmar o quanto os Cohanim eram queridos e próximos Dele. 

Entre os vários presentes listados na Parashá, há um que nos chama a atenção: “Aqueles que necessitam ser redimidos, a partir de 1 mês de idade você deve redimir, de acordo com o seu valor, cinco shekels de prata, do shekel sagrado, que são vinte guerá” (Bamidbar 18:16). Sobre o que está falando este versículo e onde está o presente aos Cohanim?

Explica o Sefer HaChinuch (Mitzvá 18) que existe uma Mitzvá de oferecer a D’us nossos primeiros frutos, para nos lembrarmos que tudo é Dele. Quando o ser humano se esforça para produzir algo, os primeiros frutos são muito queridos, e mesmo assim imediatamente oferecemos para D’us. Entre as coisas que oferecemos a D’us está o filho primogênito, que é o primeiro fruto do ventre.  Por isso, o pai precisa resgatar seu filho, que simbolicamente pertence a D’us, através de um Cohen, dando para ele cinco moedas de prata, em uma cerimônia chamada “Pidion Haben” (resgate do filho). Estas cinco moedas de prata, que o pai da criança dava para resgatar seu filho, era um dos presentes que os Cohanim recebiam.

Há um detalhe muito interessante nesta cerimônia do “Pidion HaBen”. Nossos sábios estabeleceram que durante o resgate o Cohen deve fazer ao pai da criança a seguinte pergunta: “Qual deles você prefere?”. Em outras palavras, o Cohen está perguntando ao pai: “Você prefere seu filho ou as cinco moedas de prata?”. Mas esta pergunta do Cohen desperta uma série de questionamentos. Em primeiro lugar, parece uma pergunta tola, sem o menor sentido. Que pai em sã consciência escolheria o dinheiro ao invés do próprio filho, e ainda mais o primogênito? Além disso, há aparentes problemas com a Halachá (lei judaica), pois se a Torá exige que o pai redima seu filho, então por que o Cohen propõe que o pai deixe de redimir seu filho e fique com o dinheiro? E finalmente, mesmo se o pai se recuse a redimir seu filho, o Cohen não tem nenhum direito de ficar com a criança, pois ela não é sua propriedade, o Cohen é apenas um intermediário nesta transação entre o pai e D’us. Portanto, por que nossos sábios estabeleceram esta estranha pergunta do Cohen no momento da realização desta interessante Mitzvá de “Pidion HaBen”?

Explica o Rav Yochanan Zweig que nossos sábios querem chamar nossa atenção para um triste fenômeno. Se uma pessoa oferecesse a qualquer pai a proposta de comprar seu filho por 10 milhões, alguém aceitaria? Certamente que não. Isto quer dizer que temos um verdadeiro tesouro em nossas casas. Uma pessoa que tem 4 filhos é um verdadeiro milionário, pois tem mais de 40 milhões dentro de casa. A grande pergunta é: sabemos realmente dar o verdadeiro valor para os nossos filhos e para a nossa família? Quantas vezes nós trocamos nossos filhos por um pouco mais de conforto em nossas vidas? Muitas vezes um pai trabalha duro para dar uma vida mais confortável aos seus filhos, mas deixa seu filho sem o mais importante, que é a presença do pai. Estamos sempre racionalizando nossos atos, nos enganando, tentando mostrar a nós mesmos que precisamos realmente trabalhar tanto, mesmo às custas de ficarmos muito tempo fora de casa, transferindo nossa obrigação de educar nossos filhos à escola e à babá.

Os pais dizem que trabalham tanto justamente para poderem dar um futuro decente aos seus filhos. Mas será que a presença dos pais em casa, apesar de optarem por uma vida mais simples, não seria muito mais benéfica a eles? A verdade é que a ideia de que estamos ajudando o futuro dos nossos filhos dando a eles uma vida material confortável é apenas uma racionalização, pois visto através da ótica correta, se assemelha muito ao ato de trocar o filho pelo dinheiro.

Por isto nossos sábios inseriram na cerimônia de “Pidion HaBen” esta pergunta tão chocante, na qual o Cohen oferece ao pai a opção de trocar seu filho pelo dinheiro. O propósito dos nossos sábios é nos despertar, para que sejamos mais exigentes ao avaliar nossas motivações. Quando o dinheiro deixa de ser uma necessidade de prover o bem estar da família e se torna uma busca por um conforto desnecessário, às custas do tempo com a família? Quanto o conforto que oferecemos aos nossos filhos é realmente mais importante do que a nossa presença e atenção?

Vivemos em uma geração que vê os pais cada vez mais comprometidos com o trabalho, uma geração na qual cada vez menos faltam para as famílias recursos materiais, mas cada vez mais falta atenção e carinho em casa. O resultado é o aumento da violência, da delinquência juvenil, dos casos cada vez mais frequentes de depressão atacando jovens em idades ainda muito tenras. Uma geração de crianças que tem tudo – dos jogos mais caros até os tablets mais tecnológicos – e ao mesmo tempo não tem nada. Uma geração que tem o brilho da opala, mas que falta a mão humana que faça esta joia brilhar. Esta é a lição da pergunta do Cohen, e ela deve ajudar a direcionar nossas escolhas na vida. O conforto é importante, uma boa fonte de sustento é essencial, mas não podem estar acima dos nossos próprios filhos.

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