Parashat Mishpatim

Inteiro e não pela metade

“Certa vez Eliezer, um jovem estudante de Torá, aprendeu uma grande lição sobre como fazer Chessed (bondade) com os necessitados. Ele foi convidado para comer uma Seudá (refeição) de Shabat na casa do Sr. Stern (nome fictício), no mesmo Shabat em que o dono da casa também tinha convidado um homem pobre para a Seudá. Após o primeiro prato, onde apenas alguns pedaços de pão e saladinhas haviam sido servidos, o Sr. Stern animadamente começou a cantar músicas de Shabat. Uma música, duas músicas, três músicas se passaram, mas a animação do Sr. Stern não passava. Já na quinta música o pobre, não aguentando mais de fome, desabafou:
 
– Por favor, chega de músicas e vamos para o próximo prato de comida!
 
O Sr. Stern olhou para o pobre, incrédulo, e respondeu rispidamente:
 
– Por favor, um pouco de Derech Eretz (bons modos), meu amigo!
 
A esposa do Sr. Stern, que estava na cozinha, ao escutar a discussão na sala, entrou e disse para o marido:
 
– Querido, não entendi. Você convidou este senhor para te ouvir cantando, para ensiná-lo a se portar com Derech Eretz ou para alimentá-lo?” (História Real).
 
Quando fazemos bondades, precisamos fazer de maneira completa, dando a cada um o que ele realmente necessita, e não o que nós achamos que é importante.

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Nesta semana lemos a Parashá Mishpatim, que traz muitas Mitzvót “Bein Adam Lehaveiró” (entre o homem e seu semelhante), entre elas algumas Mitzvót associadas ao empréstimo de dinheiro, como está escrito: “Quando você emprestar dinheiro para o Meu povo, para a pessoa pobre que estiver com você, não se comporte com ele como um credor; não coloque juros sobre ele. E se você pegar as roupas do seu companheiro como garantia, até o por do sol você deve devolver a ele, pois é a única vestimenta dele, é a roupa para sua pele, com o que ele se deitará? Porque se ele gritar para Mim, Eu escutarei, pois Eu sou misericordioso” (Shemot 22:24-26).
 
Superficialmente, estes versículos nos ensinam algumas Mitzvót simples e fáceis de serem entendidas. Porém, se refletirmos um pouco, nos despertam alguns questionamentos. Em primeiro lugar, vemos que a Torá incluiu outras Mitzvót, como a Mitzvá de devolver o objeto penhorado e a proibição de cobrar juros, junto com a Mitzvá de emprestar dinheiro, como forma de garantir que o Chessed (bondade) seja feito de maneira completa. Mas por que a Torá se preocupou com isso? O importante não é apenas fazer bondade, mesmo que não seja de forma completa?
 
Além disso, estas Mitzvót associadas ao empréstimo de dinheiro também despertam questionamentos. Por exemplo, está escrito “não se comporte com ele como um credor”. Explica o Rav Shlomo Itzchaki zt”l (França, 1040 – 1105), mais conhecido como Rashi, que se sabemos que a pessoa está passando por dificuldades no momento e é incapaz de devolver o empréstimo, não devemos pressioná-la mesmo que tenha chegado o prazo do pagamento. Ao contrário, Rashi ressalta que devemos fazê-la se sentir como se o empréstimo nunca tivesse acontecido, para não envergonhá-la. Mas este ensinamento é estranho, pois se chegou a data combinada para o pagamento, por que o credor não pode cobrar a dívida? É errado querer receber o próprio dinheiro de volta?
 
Outro ponto intrigante é a proibição de cobrar juros. Há um Midrash (parte da Torá Oral) que nos ensina o quanto cobrar juros é grave. De acordo com o Midrash, sempre que alguém comete uma transgressão, os anjos do Céu tentam procurar méritos para o transgressor, para aliviar as consequências espirituais. Mas se a transgressão for a cobrança de juros, os anjos não procuram nenhum mérito para o transgressor. Porém, por que cobrar juros é proibido, se uma pessoa que está em uma situação difícil, precisando urgentemente de dinheiro, não se importa em pagar um pouco a mais quando estiver em uma situação mais confortável? Apesar disso, por algum motivo a Torá proíbe, de maneira muito rigorosa, o empréstimo a juros, mesmo que seja com taxas muito baixas. Por que tanta rigorosidade se, afinal, a pessoa fez uma bondade com o próximo necessitado?
 
Finalmente aprendemos dos versículos que, ao pegarmos uma roupa como garantia de pagamento de um empréstimo, se esta for a única roupa que a pessoa tem para usar, somos obrigados a devolver nos momentos em que ela necessitar da roupa. Por exemplo, se a garantia for um cobertor, ele pode ficar na posse do credor durante o dia, mas todas as noites o cobertor deve ser devolvido para que a pessoa possa se cobrir. Porém, esta lei aparentemente anula todo o propósito do devedor deixar um objeto como garantia, pois se ele pode continuar utilizando o objeto normalmente todas as vezes em que necessitar, ele fica muito menos motivado a pagar o empréstimo. Apesar de parecer contraditório, mesmo assim a Torá exige que o objeto penhorado seja devolvido ao seu dono sempre que ele precisar. Portanto, qual é a lógica destas Mitzvót associadas à Mitzvá de emprestar dinheiro ao necessitado e o que elas vêm nos ensinar?
 
Explica o Rav Chaim Shmulevitz zt”l (Lituânia, 1902 – Israel, 1979) que a Parashá está nos ensinando a como fazer Chessed da maneira correta. O ponto em comum  entre todas estas leis é que elas ressaltam a importância de, quando fazemos um ato de Chessed, fazê-lo da maneira mais completa possível, pois um Chessed “defeituoso” diminui muito seu impacto positivo sobre a pessoa que recebe. Por isso, mesmo esta incrível Mitzvá de emprestar dinheiro para alguém necessitado precisa ser feita com extremo cuidado, sem pressionar de nenhuma maneira a pessoa. Mas não vemos o mesmo nível de cobrança com a pessoa que nem mesmo faz Chessed. Como pode ser que o “meio Chessed” pode ser mais grave do que não fazer Chessed?
 
Há um ensinamento interessante e enigmático do Talmud (parte da Torá Oral) que talvez nos ajude a responder esta pergunta. O Talmud (Sotá 13b) afirma que uma pessoa que começa uma Mitzvá mas não a termina é punido de uma maneira muito severa. Porém, por que um castigo tão duro para alguém que pelo menos começou a Mitzvá, se aquele que não faz nada da Mitzvá não é punido de maneira tão rígida? Explica o Rav Moshe Shterenbuch shlita que nosso julgamento depende da claridade que temos sobre o que é certo e o que é errado. Quanto maior a claridade, maior o nível de cobrança. Aquele que iniciou uma Mitzvá demonstra que, por querer cumpri-la, ele aprecia o valor da Mitzvá. Portanto, se ele deixa de terminá-la, é como se estivesse desprezando algo que ele sabe que é muito elevado e importante, e por isso o castigo é tão severo. Já aquele que nem começou a Mitzvá é considerado alguém que ainda não entende a importância das Mitzvót, que não tem claridade, e por isso é julgado de uma maneira mais leniente.
 
De acordo com o Rav Chaim Shmulevitz, o mesmo se aplica aos atos de Chessed. Quanto mais a pessoa sabe o verdadeiro valor do Chessed e sua importância, mais rigidamente ele é tratado caso não faça o Chessed da maneira correta. É por isso que aquele que cobra juros, que pressiona o devedor ou que não devolve o objeto tomado como garantia, apesar de apreciar o valor de um ato de Chessed, ao mesmo tempo despreza este ato ao fazê-lo de maneira incompleta, pois junto com a bondade vem algum tipo de sofrimento ao devedor. Já aquele que nem se ocupa em fazer bondades demonstra que não entendeu o valor verdadeiro deste ato e, por isso, é tratado de forma menos rigorosa.
 
Portanto, fica um importante ensinamento para as nossas vidas: quando decidimos fazer Chessed com outra pessoa, é muito importante nos esforçarmos ao máximo para aumentar os efeitos positivos deste Chessed e não deixar que nenhuma mancha diminua o verdadeiro valor deste belo ato. Parece algo teórico, mas este conceito certamente se aplica a muitas situações cotidianas. Por exemplo, quando alguém nos pede uma ajuda ou qualquer tipo de favor e nós, apesar de aceitarmos, o fazemos com relutância, demonstrando que não estamos fazendo com muita vontade. Embora seja de qualquer maneira uma bondade, esta relutância causa certo incômodo naquele que pediu o favor, pois ele se sente desconfortável de ter causado um inconveniente. Por isso devemos sempre nos esforçar para ajudar os outros com um sorriso no rosto, mesmo quando nos pedem algo difícil ou trabalhoso. Isto aumenta muito os benefícios do Chessed que fazemos, pois além de ajudar a pessoa necessitada, não a deixamos com a consciência pesada por ter nos incomodado.
 
O mesmo se aplica quando damos uma Tzedaká (caridade) para um pobre. Temos que saber que é humilhante para uma pessoa ter que pedir dinheiro, e se damos a Tzedaká com a cara fechada, como se fosse um grande peso, a ajuda vem com uma carga negativa. Por isso, sempre que damos Tzedaká, devemos fazer com um sorriso no rosto. O próprio Talmud (Baba Batra 9b) afirma que aquele que dá Tzedaká sem entusiasmo recebe 6 Brachót, mas aquele que dá com um sorriso e com alegria recebe 17 Brachót, quase o triplo! Isto acontece pois aquele que faz Chessed sem entusiasmo diminui muito o efeito da sua bondade, enquanto aquele que faz Chessed com um sorriso demonstra o quanto ele realmente valoriza o ato de ajudar o próximo. Quando nos importamos de verdade com os necessitados, D'us também se preocupa com as nossas necessidades. Mas se ignoramos o que os outros necessitam, certamente também nossas próprias necessidades serão ignoradas por D'us.
 
O versículo termina com as palavras “porque se ele gritar para Mim, Eu escutarei, pois Eu sou misericordioso”, para nos ensinar que, mesmo se fizermos uma grande bondade, se junto com isso causarmos também sofrimento e humilhação para a pessoa beneficiada, então seremos cobrados. Daqui aprendemos que não adianta fazermos “meias bondades” na vida. Se queremos de verdade ajudar alguém, deve ser como todo nosso coração e com toda a nossa força, com um sorriso no rosto, para que aquele que recebe as bondades possa se sentir feliz de maneira completa, e não pela metade.
 
 
Raנןמם Efraim Birbojm

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