Israel

Iom Hazikaron após 07 de outubro

Por Maurício Wofchuk

Iom Hazikaron após 07 de outubro

Iom kipur é um dia de reflexão religioso, em que cada judeu, como indivíduo, analisa seus atos frente a D’us e aos outros seres humanos. Há também um dia de reflexão nacional, no qual o país Israel honra e recorda os soldados caídos e as vítimas de atos de terror. Esse é Iom Hazikaron.

Há 76 anos, quando foi declarada a independência de Israel estávamos em guerra. Houve contentamento, e, ao mesmo tempo, mobilização nacional para rechaçar os ataques dos países vizinhos. Nos anos seguintes, o dia de comemoração do aniversário de Israel (Iom Haatzmaut) também era o dia de recordação dos caídos (somente anos depois as datas foram divididas em dois dias sequenciais). A recordação dos caídos sempre está próxima do contentamento Israel. Entendemos que a vida continua, mas precisamos saber que é através do sacrifício e heroísmo de poucos, que os muitos podem continuar chamando este país de nossa casa. Mas porque nesse ano o Iom Hazikaron será diferente de todos os outros anos?

Nunca me esquecerei do dia sete de outubro de 2023. Era shabat e às 6:30 eu estava na sinagoga. Sirenes tocaram, sistemas de defesa antimísseis foram acionados, e o rabino, o próprio rabino, pegou o telefone e ligou para a polícia. Responderam que por enquanto estava tudo bem. Continuamos dançando com a Torá, fizemos kidush, e, de repente, começou a diminuir o número de homens na sinagoga. Eles estavam sendo chamados para suas bases militares. Às 10 horas havíamos passado de 250 homens para cerca de 50 homens. Começaram as fofocas, dando a entender que algum evento gigante estava ocorrendo. A minha reação foi clara: não acreditar!“Não faz sentido!”. O Shabat acabou. Algo estava errado, muito errado. E o restante todos conhecem.

Todos os dias, meus filhos olham para mim quando escutam uma sirene de polícia ou de ambulância. Eles acham que é a sirene antiaérea. Um amigo de meu filho mora a três quilômetros da Faixa de Gaza. Com nove anos de idade, quando passamos juntos um shabat, ele explicou a diferença entre os sons de morteiro e de artilharia. E contou como consegue diferenciar, pelo som, se é de Israel para Gaza ou de Gaza para Israel.

Desde 2009 vivo em Israel. Uma das frases que escutei durante meu serviço militar foi que eu nunca conseguiria entender a real mentalidade israelense porque eu não tinha um familiar ou um amigo que faleceu em combate para relembrar em Iom Hazikaron. Infelizmente, eu entendi o real significado dessa frase em outubro de 2023. Em menos de 15 dias estive três vezes em um cemitério, e teve ainda uma quarta ocasião que não consegui ir, pois a área do cemitério estava sob ataque de foguetes no horário do enterro e minha esposa pediu para eu ficar em casa e não me aproximar daquela área.

Para mim, esse Iom Hazikaron será um dia solene. O primeiro em 15 anos que terá um significado pessoal. O primeiro que, durante o minuto de silêncio, terei uma ligação pessoal com caídos, e não somente uma ligação nacional com todos os lembrados.

Entenda! Em uma noite – Iom Hazikaron – estamos tristes, chorando por um ente querido, por um amigo, ou mesmo por um completo estranho. E em um longo e emocionante minuto o país fica completamente parado e em silêncio para honrar os seus caídos. No dia seguinte, lembramos a fundação do Estado e Israel. O povo de Israel entende que a verdadeira forma de honrar seus caídos não é ficando parado, e sim continuando em frente mesmo com as adversidades. Esse sentimento tem um nome, resiliência.

Na física, resiliência é a capacidade de um material voltar ao seu estado inicial após sofrer uma perturbação. Nós podemos voltar a viver após 07 de outubro e estamos lidando com o pós-trauma quando ainda estamos no meio do trauma. Porque somos o povo da resiliência. Sabemos que há um arco-íris após a tempestade. Sabemos que, mesmo em meio a destruição, medo e nossos irmãos ainda estando sequestrados, temos esperança. Temos esperança de que os sequestrados retornarão. Temos esperança de que os sacrifícios atuais levarão a uma situação mais calma na faixa sul e norte do país.

Os israelenses poderiam escolher não ter motivos para ver uma luz no fim do túnel, porém, e especialmente nestes últimos meses, há razões para esperança, outro sentimento tão importante quanto resiliência. A união nacional para trazer um sorriso no rosto de cada cansado soldado, para proporcionar uma refeição para uma família enlutada, para fazer um simples salmo pela proteção de civis e soldados ou para oferecer ajuda psicológica e social em frente à todas as adversidades são razões suficientes para acreditar neste país e no povo de Israel.

Na nossa Torá, está escrito que cada judeu é responsável pelo seu irmão. Nos últimos seis meses, isso é cada vez mais palpável.  Por isso acredito que deveríamos mudar o slogan do país. No lugar de ser a start-up nation, Israel deveria ser conhecido a partir de hoje como o país do povo resiliente.

Então, sim! Honraremos cada um dos caídos, rezaremos pela elevação de cada alma, acenderemos velas de recordação. Será uma lembrança com felicidade contida. Mas uma lembrança forte e sentida em todos os cantos. Talvez a mesma felicidade, que o povo sentia vendo o Cohen Hagadol sair do Kodesh Hakodashim no dia de Iom Kipur, por saber que Hashem está conosco.

Assim, mais um ano se passou e novamente é Iom Hazikaron. E a cada ano, Israel fica mais velha, mais sábia, com algumas cicatrizes novas, mas também com novos laços sociais de união que fortalecem o futuro do país.

Em memória dos 25.034 soldados e civis que perderam suas vidas na defesa do Estado de Israel e em atos de terror desde 1860.

Maurício Wofchuk nasceu em Porto Alegre e vive em Israel desde 2009. Mora em Petach Tikva com a esposa e 2 filhos. É mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Jerusalém e trabalha como guia de turismo em Israel. Atualmente, juntamente com outros guias, oferece um curso online de história de Israel no link https://go.hotmart.com/C91148486U

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