Parashat Tazria

Materialismo excessivo

Yossef era uma pessoa extremamente materialista. Ele era comerciante e estava sempre pensando em como ganhar mais e mais dinheiro.  Costumava se aproveitar do desespero das pessoas, cobrando dos clientes preços exorbitantes. Quanto maior a necessidade do cliente, maior o preço que ele cobrava. Mas algo fez Yossef mudar sua atitude.

Depois de uma hora de caminhada e um tornozelo torcido, Yossef se alegrou muito ao avistar um posto de gasolina. Porém, ao se aproximar, percebeu que estava fechado. Lembrou-se então, desesperado, que era domingo. Yossef não tinha mais forças para continuar caminhando. Foi então que viu um telefone público e uma lista telefônica com as folhas tão velhas que já estavam rasgando. Conseguiu ligar para a única companhia de auto-socorro que encontrou na lista, que se localizava a cerca de 30 quilômetros dali. “Não tem problema”, disse a pessoa do outro lado da linha, de forma muito simpática, “normalmente estou fechado aos domingos, mas posso ajudar. Chego aí em mais ou menos meia hora”.
 
Yossef se sentiu momentaneamente aliviado. Porém, começou a ficar preocupado com as implicações financeiras que aquela oferta de ajuda causaria. Se o homem do telefone fosse como ele, aproveitaria a situação de desespero para cobrar uma fortuna.

Algum tempo depois Yossef escutou uma buzina e viu um caminhão-guincho se aproximando. Marcos, o mecânico, se apresentou e foram juntos ao acampamento. Quando desceram do caminhão, Yossef observou que Marcos andava com a ajuda de muletas. Foi então que Yossef percebeu que Marcos não tinha uma perna. Yossef voltou aos  cálculos de quanto aquela ajuda custaria e foi ficando cada vez mais preocupado. Certamente aquele homem “enfiaria a faca” na hora de cobrar. Então Marcos chamou-o, interrompendo seus pensamentos:
 
– Não se preocupe, senhor, é só uma bateria descarregada. Vou dar uma pequena carga, deixamos o motor ligado para recarregar um pouco a bateria e em 10 minutos vocês podem seguir viagem.
 
Marcos era impressionante. Enquanto a bateria recarregava, distraiu o filho de Yossef com truques de mágica e chegou a tirar uma moeda da orelha, presenteando-a ao garoto.  Enquanto ele colocava os cabos de volta no caminhão, Yossef tomou coragem e perguntou quanto devia pelo serviço. Marcos respondeu que não devia nada. Yossef não entendeu, achou que tinha escutado errado e insistiu mais uma vez. Marcos então falou:
 
– Há muitos anos, alguém me ajudou a sair de uma situação de desespero, quando perdi a minha perna. A pessoa que me socorreu simplesmente disse: “Somos todos anjos de uma asa só, precisamos nos abraçar para alçar vôo. Quando tiver uma oportunidade, passe isso adiante”. Esta é a minha oportunidade.
 
Aquilo foi um verdadeiro “tapa na cara” de Yossef. A partir daquele dia, ele mudou a forma de viver sua vida. Parou de se aproveitar do desespero dos outros para ganhar mais dinheiro e passou a pensar mais em como ajudar as pessoas em situações de necessidade.

Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Tazria (literalmente “Concebe”) e Metzorá (literalmente “Pessoa contaminada com Tzaráat”). O ponto em comum entre as duas Parashiót é que elas descrevem uma terrível doença espiritual chamada Tzaráat, que contaminava pessoas que cometiam certos tipos específicos de transgressão. A manifestação física desta doença era através de manchas que podiam atingir as paredes da casa, as roupas e até mesmo a própria pele do transgressor. A Parashá Metzorá descreve o difícil e doloroso processo de purificação quando a Tzaráat atingia as paredes da casa. Neste processo estava incluída a retirada de todas as pedras da parede que estavam manchadas, exigindo a substituição por novas pedras, e a retirada de todos os objetos de dentro da casa, que precisavam ficar do lado de fora até o final do processo de purificação, pois tudo o que ficasse dentro da casa com Tzaráat automaticamente também ficava espiritualmente contaminado.
 
Porém, há uma aparente contradição sobre o motivo pelo qual D'us mandava a Tzaráat que atingia as paredes das casas. De acordo com o Talmud (Arachin 16a), a Tzaráat era uma punição pela transgressão da mesquinhez. O castigo que D'us mandava estava conectado com a transgressão cometida. Uma pessoa que é mesquinha não gosta de dividir o que é seu com os outros. Quando alguém pedia algo emprestado ao mesquinho, ele negava ter em casa o objeto pedido. Como punição, sua casa era atingida pela Tzaráat e o mesquinho tinha que colocar todos os seus objetos para fora de casa. Consequentemente, todos os que tinham pedido objetos emprestados viam que o mesquinho tinha o objeto em casa e que não havia emprestado por puro egoísmo. Portanto, de acordo com o Talmud, fica claro que a Tzaráat era a punição por uma transgressão.
 
Mas Rashi (França, 1040 – 1105), citando um Midrash (parte da Torá Oral), explica que a Tzaráat que atingia a casa das pessoas era algo bom. Os Emorim, que moravam na Terra de Knaan, quando viram o povo judeu se aproximando, esconderam todos os seus objetos de valor dentro das paredes de casa, na esperança de algum dia voltar para reaver seus bens. Quando os judeus conquistaram Knaan, foram morar nas casas construídas pelos Emorim, sem saber que aquelas paredes escondiam incríveis tesouros. De maneira natural seria impossível encontrar aqueles objetos de valor, pois estavam muito bem escondidos. Porém, D'us fazia com que as manchas da Tzaráat aparecessem justamente nas partes das paredes que ocultavam os tesouros. Assim, quando as pedras manchadas eram retiradas, revelavam incríveis fortunas. Isto implica que a Tzaráat nas casas não era uma punição por algum mau ato, e sim uma recompensa, uma forma de dar às pessoas grandes riquezas.
 
Portanto, existe uma enorme contradição entre a explicação trazida pelo Midrash e a explicação trazida pelo Talmud. Afinal, a Tzaráat que aparecia nas casas era uma recompensa ou era um castigo? Além disso, se era uma recompensa, por que vinha junto com o terrível sofrimento da Tzaráat? E se era um castigo, por que a pessoa terminava encontrando um enorme tesouro nas paredes da sua casa?
 
Explica o Rav Moshe Feinstein zt”l (Lituânia, 1895 – EUA, 1986) que a pessoa que recebia a Tzaráat na sua casa e depois encontrava o tesouro merecia as duas coisas, isto é, o castigo e a recompensa. Se a pessoa não tivesse cometido uma transgressão, D'us teria dado o dinheiro que ela merecia de outra maneira, certamente muito mais prazerosa. E se a pessoa tivesse cometido alguma transgressão e não merecesse encontrar o tesouro dos Emorim, então D'us teria feito com que as manchas aparecessem em outros lugares da parede e não nos lugares onde os tesouros estavam escondidos. Portanto, a pessoa cuja casa teve suas paredes atingidas pela Tzaráat e, ao fazer os procedimentos de purificação, encontrou os tesouros dos Emorim, deveria olhar para ambos os aspectos da Providência Divina. Por um lado deveria se alegrar por D'us ter concedido a ela a bondade de encontrar os tesouros. Porém, ao mesmo tempo, deveria fazer Teshuvá (se arrepender e consertar seu erro), não permitindo que as “boas notícias” o distraíssem de escutar a “bronca” de D'us.
 
Desta explicação aprendemos algo incrível. A Providência Divina é tão espetacular que D'us pode, em Sua Sabedoria Infinita, recompensar e castigar uma pessoa ao mesmo tempo. De acordo com a Torá, os castigos não são simplesmente formas de D'us nos causar dor sem nenhuma justificativa. Ao contrário, as punições de D'us são formas Dele se comunicar conosco, nos permitindo mudar e melhorar em certas áreas. Portanto, devemos estar sempre atentos às mensagens de D'us. Mesmo quando ocorrem coisas boas em nossas vidas, é sempre importante observar se estas coisas boas também carregam certos aspectos negativos. Muitas vezes há mensagens de consertos necessários que estão ocultas dentro das recompensas, como no caso dos tesouros encontrados nas paredes das casas com Tzaráat.
 
De acordo com o Rav Yehonasan Gefen, há ainda outro ensinamento importante que aprendemos do fato da recompensa da Tzaráat nas paredes de casa estar conectada com o castigo. De acordo com o Talmud, a pessoa teve Tzaráat por ter sido excessivamente mesquinha e por ter recorrido a táticas desonestas para proteger seus bens. Seu erro está baseado em olhar para suas posses e bens de uma maneira exclusivamente material, esquecendo que há um lado espiritual por trás de tudo o que ocorre. A pessoa seguiu apenas as “leis da natureza” que dizem, por exemplo, que dar Tzedaká (caridade) e emprestar objetos aos outros causa uma diminuição das nossas posses. A pessoa acredita que, sendo mesquinha e egoísta, ela pode proteger suas riquezas. Por isto o castigo vem “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), com o transgressor passando por uma substancial perda financeira através dos danos nas paredes da sua casa. Além disso, o transgressor passa pela vergonha de ser exposto como uma pessoa desonesta e egoísta, que evita emprestar seus bens com mentiras.
 
Talvez a própria recompensa de encontrar o tesouro era um “tapa na cara” que o transgressor recebia de D'us, para ajudá-lo a enxergar a fonte do seu erro. A pessoa que foi mesquinha acreditou que precisava recorrer a métodos desonestos para manter seu dinheiro, mas D'us o ensinava que Ele, em Sua infinita bondade, pode dar riquezas de diversas maneiras, como ensinam os nossos sábios: “Muitos são os 'mensageiros' que podem cumprir a vontade de D'us”. É por isso que a pessoa encontrava uma fortuna de maneira completamente improvável, até mesmo irônica: dentro das paredes da sua própria casa. Além de beneficiar a pessoa, este tesouro trazia consigo a importante mensagem de que não devemos gastar energias de forma excessiva para adquirir riquezas, pois é D'us Quem nos provê tudo o que necessitamos.
 
A Tzaráat nos ensina que se esforçar demasiadamente para adquirir bens materiais é vão e inútil. Isto se aplica ainda mais nos casos de pessoas que juntam riquezas de maneira desonesta ou através de mesquinharia. Devemos ser sempre retos e honestos, utilizando nosso dinheiro e nossos bens para fazer bondades com os outros. E com Emuná (fé) completa de que D'us sempre vai nos mandar o que necessitamos, principalmente se estivermos utilizando o que temos em prol dos outros.

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