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O depoimento de um pai ultraortodoxo que perdeu seu filho no festival Nova

O pai ultraortodoxo cujo filho foi assassinado no festival Nova: Não perguntamos por que ele foi assassinado no Shabat, mas o que fazemos a respeito?

Mesmo depois que Noam Elimelech decidiu sair e se afastar da religião, a família não desistiu dele: Ele estudava Inglês com minha esposa…. quando ele nos vinha visitar, todos (inclusive nós) pulávamos nele. Na noite após Simchat Torá (7/10/23) a família descobriu que ele estava desaparecido, e por dois dias a família estava nas sombras da incerteza. Quatro meses depois de seu filho ser assassinado no Festival Nova, o Rabino Arie Rotenberg conta sobre a conexão especial preservada com o filho, as questões de fé e o gesto que fez para transmitir uma mensagem de unidade.

Nos dois dias dolorosos em que ele não sabia o que havia acontecido com seu filho, o Rabino Arie Rotenberg, teve um sonho com seu filho, que pela sensibilidade do assunto, não contou nada a sua esposa até que a situação, mesmo sendo dolorosa, ficasse esclarecida.

“Foi na noite de 8 para 9 de outubro. Meu filho veio até mim em sonho. Não me lembro se ele estava de boné ou de kipá, mas ele brilhava todo feliz, com o rosto sorridente e lindo, que fazia muito tempo que não o via assim. E assim ele me disse: “Pai, não se preocupe comigo, estou em um bom lugar, estou estudando Torá com D’us”. E em suas mãos, havia uma Guemará dourada.

O pai não compartilhou este sonho com ninguém, pois entendeu seu significado, que seu filho já não estava neste mundo.

No dia seguinte, representantes da FDI chegaram à casa da família Rotenberg com a amarga notícia transmitida de forma seca, como deve ser: Noam Elimelech foi assassinado no Festival Nova.

Desde então, os familiares enfrentam a perda do filho.

Apesar de ter sido assassinado na festa de Simchat Torá, não há raiva no coração do Rabino Arie, mas principalmente sentimento de gratidão a D’us pelos 24 anos concedidos na convivência com seu filho Noam Elimelech. O Rabino Rabino Arie demonstrou amor e fé em D’us, sentimentos que podem ensinar algo a todos nós.

“Noam Elimelech apontou questões básicas e profundas que todos nos devemos perguntar”

O bairro de Ramot em Jerusalém está vazio de gente nas primeiras horas da manhã. As crianças estão na escola, as mulheres no trabalho e os homens estão no Colel. O Rabino Rabino Arie Rotenberg não é diferente do cenário ultraortodoxo, mas algo está diferente. Algo insensível, exceto talvez a expressão triste em seus olhos por trás dos óculos.

Ele tem 50 anos, nascido no Brasil e no decorrer dos anos fez teshuvá. Após sua imigração para Israel, estudou em diversas Yeshivot. Casou-se com sua esposa, uma assistente social a quem elogia em todas as oportunidades e juntos tem (por enquanto) 14 filhos. 13 neste mundo e um no mundo vindouro, diz ele dolorosamente. “Noam é nosso segundo filho, seu nascimento foi o mais tranquilo de todos os nascimentos.

 Ele era muito inteligente, assim como minha esposa, muito agitado como eu, e era muito social, muitas pessoas estavam a seu redor.

A expressão disso foi em seu funeral. Às 23 horas do dia 10 de outubro havia 2500 pessoas no funeral, de todas as cores do arco-íris. Desde seus amigos das instituições ultraortodoxas nas quais estudou em sua infância e adolescência, bem como seus amigos de sua trilha especial de vida. Todos estavam em contato com ele, pois ele tinha seu charme pessoal, sem falar no amor e amizade.

Como membro de família ultra ortodoxa, Noam inicialmente frequentou as instituições de estudo de sua comunidade.

“Aos poucos, meu filho começou a se afastar. A princípio não de forma inequívoca. Como pais, tentamos direcionar, mas percebemos bem rápido, que qualquer pessoa, mesmo os filhos, têm suas próprias escolhas. Esse foi o caminho que escolheu para sua vida, com toda a dor que tivemos, ele nos fez passar pela escola da vida e entender que a escolhe é unilateralmente dele”

Isso não se chama “abandonar o caminho”, pois ele teve perguntas bastante profundas que que saiu na busca de sua verdade pessoal para obter as respostas corretas.

Sua alma estava com muita sede. As perguntas que ele tinha eram realmente muito contundentes e difíceis, perguntas que todos deveriam questionar, sem diferenciar se segue a religião ou não.

Para que estou neste mundo? Porque D’us me colocou aqui? Será que fui colocado aqui somente para me divertir e depois servir de alimento para minhocas? Ele perguntou isto e não encontrou respostas!!!

Noam saiu de casa e foi morar com amigos, porém, mesmo assim, o relacionamento com sua família foi mantido como se nada tivesse acontecido.

No início de sua nova jornada na vida, o pai de Noam foi se aconselhar com o Rosh Yeshivat Ponivez, Maran Rabi Guershon Edelshtein Zts”l em Bnei Brak, e perguntou-lhe o que fazer.

Disse o Rabino: “Seu filho está num estado de busca pessoal de sua verdadeira identidade. Ele deve se sentir completamente bem-vindo em casa, com os aparelhos que tem e com todos os amigos, sem nenhuma diferença. Amor e calor humano sem pausa. Imagina você. Seu filho está com conflitos em sua identidade pessoal, não se identificando com os valores que recebeu enquanto era mais jovem. Se você não o aceitar integralmente em casa, ele pode sentir que nenhum lugar aceita-o e pode pular pela janela”

Justamente deste modo nós agimos. Embora ele tenha ficado longe por ver que a família segue um caminho de vida e ele segue outro caminho, de qualquer modo, sempre quando ele vinha em casa, todos os irmãos pulavam em cima dele de alegria e felicidade, pela simples presença dele conosco. Ele ajudava os irmãos em provas de Talmud e assuntos seculares, como se estivesse vivendo em casa.

O apoio da família continuou durante todo o caminho, mesmo quando Noam decidiu sobre seu alistamento. E assim disse o pai: Normalmente as pessoas que abandonam o caminho no qual foram educados, tem a tendência de estar em depressão. Porém meu filho não era assim. Ele estava determinado a ter sucesso. Seu objetivo no exército era de estudar o ramo de analista de sistemas. Ele estudou inglês com minha esposa”

Nos estudos, Noam era um gênio. Imaginem só: após somente três meses de serviço, foi promovido a ser líder de equipe, mesmo nem sequer sabendo (no início) nada de inglês.

O pai se lembra muito bem do dia anterior a Yom Kipur:  “Naquele dia da véspera de Yom Kipur, como de costume, Noam nos ligou para desejar um bom Yom Kipur. Nos últimos tempos, deixei de conversar com meu filho sobre assuntos de religião para não causar constrangimento. Não sei o que me deu na cabeça, que disse a meu filho o seguinte: Noam. Tenho plena confiança de que você chegará ao lugar mais correto e digno para você”. Não entendi o porquê de ter recitado estas palavras, porém após Simchat Torá no dia 7 de outubro, entendi o significado disso.

Noam visitou os pais entre Yom Kipur e Sucot, pois queria participar junto com seus irmãos na construção da Sucá.

Disse Rabino Arie: “No primeiro dia de Sucot, uma semana antes da tragédia, Noam esteve conosco em casa, fazendo o Yom Tov. A única coisa que lhe pedimos, foi que chegasse antes do Shabat e saísse após o Shabat. Que se vista do jeito que queira, não pedimos que venha as rezas e que se comporte de certo modo, nada. Ele chegou antes do Shabat, porém em relação à saída já não…

Rabino Arie disse a sua esposa que talvez Noam sentiu ardendo por dentro, vendo seus irmãos em harmonia no caminho religioso e ele…. sentiu que não poderia aguentar isso, e portanto escapou rapidamente antes…

Uma semana depois, em Simchat Torá, os familiares nem sabiam de sua programação de sair com os amigos para o festival Nova.

“Após o Shabat, ligamos para Noam e nada…nada…, começamos a ficar preocupados. Conversamos com seu comandante no exército e este nos disse que a última conversa com Noam foi durante a festa de Nova às 10:00.

Antes de seguir seu caminho pessoal, Noam possuía um celular casher. A amiga de seu amigo ligou para este número no Shabat, para saber notícias, mas nada…Este celular estava com outro filho meu na cidade de Karmiel na Yeshivá. Obviamente no Shabat, meu filho não respondeu, mas após o Shabat ao devolver a ligação, este filho já havia entendido que a situação não era tão simples como parecia ser.

No dia seguinte, a família estava chocada e sem saber o que pensar e fazer, estavam imaginando que poderia ter acontecido o que realmente aconteceu, mas até então isto ficou somente em pensamento. A família ficou em casa esperando alguma informação esperançosa, mas nada…

“Na manhã da segunda-feira, disse a minha esposa que a vida deve seguir ritmo normal, pois não sabemos o que e quando acontecerão as coisas. Minha esposa foi ao trabalho, as crianças foram para a escola e eu fui a uma cerimônia para que meu filho volte para casa, são e salvo. Mas a providência Divina quis outra coisa…. Quando voltei para casa, já havia lá dois soldados especialistas em avisar notícias trágicas…

“O que os soldados te disseram?”

“O soldado disse assim: seu filho morreu. Ele foi encontrado com o corpo intacto, exceto uma bala no estômago.

A família não pergunta o porquê de ser morto no Shabat, mas sim o que devemos fazer com isso.

Noam esteve na festa com quatro amigos que eram irmãos, Dois irmãos seguiram o mesmo caminho de Noam em direção aos céus dois irmãos sobreviveram

“Noam, disse Rabino Arie, conseguiu salvar duas moças, mandando elas entrarem debaixo do palco. Porém para ele. D’us tinha outros planos e outras programações.

Esta foi a última foto de Noam, antes de partir para um mundo melhor.

A grande dor de perder um filho não vem acompanahda com questões de fé

“Você está com raiva?”

” Perdão, você pode me explicar por qual motivo deveria estar com raiva?”

“Como assim por quê? D’us pegou seu filho!!!”

“Ficar com raiva de D’us?  Obviamente que não!!!”

“As pessoas pensam, por que fulano fez isso comigo? Por que o gerente do banco não aprovou o empréstimo? Mas na verdade, será que alguém está obrigado a fazer algo para ou para mim? Será que D’us está obrigado a me conceder algo? Ninguém, e muito mais D’us, está obrigado a fazer algo por ou para mim.

Disse Rabino Arie uma lição muito instrutiva: “Primeiro de tudo temos que saber que D’us não está obrigado a nos dar e conceder nada. Tudo o que temos é pura graça Divina. E lhe garanto, não faltam coisa pelas quais devemos somente agradecer a D’us”

“Como então você alinha isto com a fé?”

“Não entendo sua questão? Não há aqui nenhuma contradição, nenhuma reclamação, simplesmente agradeço ao Todo-Poderoso, por me ter dado este belíssimo filho durante 24 anos e meio de vida”

“O que significa para você, isto ter acontecido no Shabat?”

“Não pergunto o porquê, mas sim me questiono o que D’us exige de nós? O que devemos fazer com isso?”

Juntos vencermos

Durante a Shivá, Rabino Arie convidou propositalmente um personagem político que pensa um pouco diferente do que sua filosofia de vida, o chefe da oposição, o membro do Knesset Yair Lapid.  

Lapid lhe perguntou: “Por que você pediu que lhe visitasse? “

Rabino Arie respondeu: “um amigo meu me visitou e disse que os terroristas alegaram ter feito este ataque cruel por terem visto o povo dividido. Manifestações, reforma judiciária etc. Naquele momento pensei, o que poderia fazer imediatamente na posição onde estou, para demonstrar que somente juntos venceremos? A resposta foi convidar você, Yair Lapid, para demonstrar que o fato que pensamos e vivemos de modo diferente, não significa que devemos estar em briga. Pois acima de tudo, somos judeus, somos irmãos e devemos ter acima de tudo fraternidade e carinho familiar.

“Então, o que Yair Lapid te disse?”

“Posso te abraçar?”

“Óbvio que sim!!!”

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