Parashat Ekev

O momento mais importante é agora.

Esta declaração, feita por um paciente terminal de 70 anos que estava internado na UTI, foi publicada em um jornal americano:
 
“Meu primeiro sonho foi terminar a escola. Eu imaginava que somente quando as pessoas entravam na faculdade e começavam as festas e os namoros é que a vida realmente começava. Meu segundo sonho foi terminar a faculdade, pois eu já me imaginava trabalhando, comprando meu primeiro carro. Meu próximo sonho foi estar casado, pois eu via as pessoas mais velhas casando e me imaginava casado com uma bela esposa e sabia que somente assim eu realmente seria feliz. Depois do casamento eu comecei a sonhar com a alegria verdadeira que seria quando eu tivesse filhos. Então eu comecei a sonhar como seria bom quando eles crescessem e se casassem, quando eu poderia relaxar um pouco. Finalmente meu sonho foi a felicidade que viria com a tão esperada aposentadoria. Só agora, que eu estou morrendo, percebo que  nunca vivi de verdade. Eu vivi uma ilusão”
 
Para realmente aproveitarmos cada segundo de nossas vidas neste mundo, há uma lição muito importante que devemos aprender: devemos estimar o momento em que estamos vivendo agora, ao invés de viver olhando sempre para algo no futuro.
 


 
Há milênios o ser humano se questiona: qual o nosso papel neste mundo? O que exatamente o Criador do mundo quer de cada um de nós? Na Parashá desta semana, Ekev, a Torá nos responde este questionamento em um único versículo: “E agora, Israel, o que Hashem, teu D'us, pede de você? Somente que tema a Hashem, teu D'us, ande nos Seus caminhos e O ame” (Devarim 10:12).
 
Mas este versículo levanta muitos questionamentos profundos. É fácil temer o guarda de trânsito, que pode nos dar uma multa por alta velocidade. É fácil amar nossos pais, que fazem tanto por nós. São coisas palpáveis, podemos vê-los, fazem parte da nossa realidade cotidiana. Mas como podemos sentir temor ou amor pelo Criador do mundo, com Quem não mantemos uma comunicação direta e Quem não podemos nem mesmo enxergar? E sendo tão difícil, por que a Torá diz “somente”, como se fosse algo fácil de ser conseguido? Além disso, podemos entender que D'us nos comande Mitzvót que envolvam atos físicos, como colocar Tefilin ou acender as velas de Shabat. Mas como é possível D'us nos comandar um sentimento? Como podemos forçar uma emoção?
 
O Rambam (Maimônides) escreve que existe um caminho para amar e temer a D'us. Quando o ser humano reflete sobre Suas maravilhosas e impressionantes criações, onde podemos enxergar Sua infinita sabedoria, inevitavelmente ele chega a amar o Criador. E quando o ser humano percebe quanto D'us é grande e, ao contrário, o quanto nós somos pequenos e insignificantes diante do Criador do universo, inevitavelmente ele chegará ao temor pelo Criador.
 
É interessante observar que quando o Rambam fala sobre outras leis como, por exemplo, as leis de Tefilá (reza), ele não menciona sobre um “caminho”. Por que? Pois em mandamentos que envolvem ações não é necessário um caminho e sim atos. Para fazer Tefilá é simples, basta abrir um livro de rezas e começar a rezar. Porém, quando se tratam de sentimentos, como amar e temer, o Rambam ressalta que a única maneira de cumprir a Mitzvá é através de um caminho, pois não há como obrigar uma emoção a não ser através de um processo que garanta alcançar este sentimento. Não se pode acordar um dia sentindo amor e temor por D'us. Mas quando o ser humano constantemente reflete sobre o Criador e Seus atos, com o tempo ele chegará inevitavelmente ao temor e ao amor. Pois apesar de D'us não poder ser enxergado ou tocado, Ele pode ser claramente sentido através de Seus atos.
 
E do conceito de que existe um “caminho” para atingir o temor e o amor por D'us aprendemos outro ponto importante. Nossa preocupação não pode ser em apenas atingir o objetivo final, pois o futuro está apenas nas mãos de D'us. O que está em nossas mãos é o caminho diário e contínuo de reflexão. É nisso que temos que concentrar o nosso foco, no nosso serviço diário. Com muita dedicação e perseverança os objetivos finais – amar e temer a D'us – certamente virão. Para alcançar os objetivos devemos apreciar os nossos esforços diários. Os resultados somente chegarão se sentirmos a alegria de estar construindo, passo a passo, o nosso objetivo. Por que está escrito “somente”? Pois adquirir o temor e o amor a D'us verdadeiro leva muito tempo, mas o que D'us espera de nós é o trabalho diário, nas coisas mais simples do cotidiano, que nos levarão ao nosso objetivo. Isto está ao alcance de todos nós.
 
Este conceito pode ser comparado à dois trabalhadores contratados para construir uma casa. Um deles somente enxerga a casa pronta e, portanto, cada tijolo que ele coloca é um peso, pois parece um ato pequeno. Já o outro enxerga que cada tijolo é parte do todo e, por isso, se alegra com cada pequeno pedaço de parede que aumenta. Para aquele que se alegra com cada tijolo, cada dia de empreitada é uma grande emoção e certamente a casa inteira chegará um dia a ser construída. Já para o outro, o trabalho diário é tão insuportável que dificilmente ele chegará até o fim da construção.
 
Existe um fenômeno estudado pela psicologia chamado “A depressão do Domingo à noite”. Por que a maioria das pessoas sente esta angústia quando o final de semana chega ao fim? Pois ao invés de viver cada momento e crescer com cada oportunidade, nós vivemos para o próximo final de semana, para as próximas férias, para a aposentadoria. Vivemos pensando no futuro sem aproveitar o dia de hoje. O judaísmo nos ensina a dar valor para cada pequeno ato, para cada pequeno momento. Não vivemos para o fim de semana, vivemos para o agora. É preciso planejar nosso futuro, é preciso ter a vontade de chegar ao objetivo, mas sem esquecer-se de valorizar cada passo dado.
 
Um exemplo clássico é a educação dos filhos. Todos querem ser bons pais. Queremos educar nossos filhos para que eles nos amem e nos respeitem no futuro. Mas para conseguir isso é necessário gostar do que fazemos. Nos pequenos atos do cotidiano o relacionamento é criado. Uma boa conversa, escutar o filho lendo suas primeiras palavras, ensiná-lo a jogar futebol, levando-o para um passeio de Domingo. Se o pai não gosta de cada passo do “caminho”, se para ele é um peso a educação do filho, é algo que ele quer se livrar logo, certamente nunca transmitirá amor ao filho e nunca se tornará o pai que gostaria de ter sido.
 
Em cada ato que fazemos na vida precisamos apreciar os processos e não apenas focar no objetivo final. Cada dia deve ser significativo, cada momento deve ser único e importante. É o que nos ensina Shlomo Hamelech (Rei Salomão): “A sabedoria está diante da pessoa com entendimento, mas os olhos do tolo estão direcionados ao fim da Terra” (Mishlei – Provérbios 17:24). A pessoa que valoriza cada instante é um sábio, enquanto aquela que foca apenas no objetivo final é um tolo, pois nunca conseguirá alcançá-lo. O tolo vê o tamanho de um livro e nem começa a ler, pois pensa que nunca conseguirá terminar. O sábio foca apenas na página que ele estuda hoje, e com perseverança e determinação ele conseguirá terminar o livro todo.
 
O dia de hoje é o mais importante de nossas vidas. Cada dia é valioso, cada pequeno ato é mais um tijolo que colocamos na nossa construção espiritual. Se fizermos com alegria e vontade, chegar ao amor e temor a D'us será algo fácil, como Moshé nos ensinou na Torá.
 
SHABAT SHALOM
 
Rav Efraim Birbojm

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