O valor de nossa herança

“Sam havia perdido muito dinheiro com a queda das bolsas e estava traumatizado com a idéia de novos investimentos. Certo dia seu amigo Bill, dono de uma empresa de investimentos, ligou para ele e disse:

– Meu querido amigo Sam, eu tenho informações privilegiadas sobre um excelente investimento. É garantido que o investimento dobrará de hoje para amanhã. Queria te dar esta oportunidade, para te ajudar a recuperar seu dinheiro perdido. Invista comigo R$ 10.000 e vamos dobrar este valor.

Mas Sam não queria escutar de investimentos. Ele lembrava o que havia acontecido quando seguiu as “informações privilegiadas” de outros investidores. Agradeceu a oferta mas preferiu não investir nada.

Uma semana depois, Sam recebeu um telefonema de Bill, contando que havia investido os R$ 10.000 e o investimento havia dobrado. Bill avisou que tinha informações de que o investimento continuaria dobrando, e novamente convidou Sam a se juntar a ele nesta empreitada. Mas novamente Sam não aceitou.

Mais uma semana se passou e Bill ligou novamente, informando que os R$ 10.000 haviam sido reinvestidos e agora ele já acumulava R$ 40.000. Pela terceira vez ele convidou Sam a investir junto com ele, garantindo que o investimento novamente dobraria, mas Sam teve medo de arriscar.

Alguns meses se passaram e um dia o telefone de Sam tocou. Era Bill:

– Eu quero lhe dizer uma coisa. Você se lembra de quando, meses atrás, eu te convidei a investir comigo R$ 10.000? Bem, hoje meu dinheiro rendeu e eu tenho mais de 1 milhão. Mas eu não esqueci de você. No meu investimento inicial eu separei R$ 10.000 do meu dinheiro e investi em seu nome. Agora você tem mais de um milhão te esperando no banco. Nós somos bons amigos e eu me importo muito com você, Sam”

Alguém faria por nós um negócio como este? Sim, este 'investimento” existe e já foi feito por nós durante a história do povo judeu. Desde Moshé até Maimônides, do Templo Sagrado à Israel dos nossos dias, os nossos antepassados lutaram e se sacrificaram para construir e nos deixar um legado judaico. Um legado de sabedoria, de idealismo, de educação e de valores. Nossos antepassados construíram uma fortuna que está apenas esperando por nós. Por 3.000 anos o povo judeu tem guardado um grande tesouro acumulado. Somos os descendentes e esta é a nossa herança milionária, que temos agora a oportunidade de receber em nossas mãos e passá-las para os nossos filhos e descendentes.
 


Por mais de 3.000 anos o povo judeu sobreviveu a vários tipos de ataques e tentativas de extermínio. Dos egípcios aos gregos, dos romanos aos nazistas, muitos foram os que se levantaram contra nós e não tiveram sucesso em nos exterminar. Mas infelizmente há um inimigo que o povo judeu não está conseguindo vencer: a assimilação. Muitos judeus têm abandonado o judaísmo sem nem mesmo saber o que estão deixando para trás. Mais de 3.000 anos de sabedoria, conhecimento e valores, que nos foram entregues diretamente pelo Criador do mundo e transmitidos de geração em geração. Mas afinal, o que há de tão especial no judaísmo, pelo qual nossos antepassados muitas vezes deram a vida para nos manter este legado?

No mundo há milhares de religiões, que prometem para seus fiéis a Vida Eterna. Mas quantas religiões ensinam as pessoas a serem pessoas melhores neste mundo, a respeitarem mais os outros, a serem retos em todos os atos do cotidiano? Em muitas religiões, para receber a Vida Eterna basta acreditar em um salvador, não é necessário mudar nenhum ato nem se esforçar. O judaísmo nos ensina que o único caminho para chegar à Vida Eterna é através do nosso esforço para cada dia se elevar um pouco mais espiritualmente, e as melhorias devem ser tanto em relação à D'us quanto em relação aos nossos semelhantes. Mesmo nas atividades cotidianas mais simples há sempre como crescer e melhorar.

Um exemplo da contribuição que a Torá dá ao mundo está na Parashá desta semana, Ki Tetse. A Parashá nos ensina muitas Mitzvót “Bein Adam Lehaveiró” (entre o homem e seu semelhante), e entre elas está a Mitzvá de “Hashavat Aveidá” (devolver ao dono um objeto perdido). Não apenas a Torá nos obriga a devolver um objeto que encontramos, mas somos proibidos de ver um objeto perdido e fingir que não o vimos para nos isentar da obrigação e do trabalho de devolver o objeto ao dono. Porém, se refletirmos um pouco, será que esta não é uma Mitzvá lógica, que cumpriríamos mesmo se a Torá não nos tivesse ensinado?

Apesar de parecer algo simples, esta é uma Mitzvá muito difícil de ser cumprida, e é um grande teste de honestidade e sensibilidade. Quando encontramos um objeto perdido na rua, principalmente se for algo de valor elevado, é muito tentador ficar com o objeto, mesmo sabendo que é de outra pessoa. Afinal, ninguém está olhando e ninguém vai ficar sabendo mesmo. Além disso, já que não sabemos quem perdeu o objeto, a vítima torna-se alguém “sem rosto”, ficando mais fácil racionalizar o roubo e enganar o nosso lado racional. D'us nos comandou esta Mitzvá para que possamos trabalhar a nossa honestidade mesmo quando ninguém está olhando. Fora isso, a Mitzvá de “Ashavat Aveidá” também nos ajuda a ter mais sensibilidade, a sentir um pouco a dor dos outros, a quebrar o nosso egoísmo.

E a grande novidade é que, apesar de ser algo lógico, se D'us não nos tivesse comandado a devolver um objeto encontrado, provavelmente não o faríamos. Temos uma prova disso ao comparar os valores ensinados pelo judaísmo com os “modernos” valores da nossa sociedade. Por exemplo, segundo nossos valores ocidentais, “achado não é roubado”. Quem definiu isso? Quem escolhe o que é roubo e o que não é? Os valores da nossa sociedade variam de acordo com as nossas necessidades e conveniências. Fixamos as regras de acordo com nossos interesses momentâneos. Será que isso é fazer o que é correto? Será que as consequências são positivas? Na nossa sociedade o mais importante são os direitos. Porém, o que acontece quando todos têm apenas direitos? O meu direito invade o direito do meu vizinho, o direito do vizinho invade o meu direito, e no final das contas se forma uma sociedade sem harmonia.

Um dos maiores legados do judaísmo para o mundo é que nós não temos direitos, nós temos deveres, que são as Mitzvót. Quando cada um se preocupa com os seus deveres, no final das contas os direitos de todos estão garantidos. É o que ocorre, por exemplo, no trânsito. Se todos tivessem somente direitos, um iria passar por cima do outro. Mas a partir do momento que os motoristas seguem regras e deveres, os direitos de todos ficam garantidos. A conseqüência é uma sociedade muito mais harmoniosa. Em muitos lugares de Israel é possível ver nas ruas bilhetes colados nos muros e nos pontos de ônibus, anunciando que alguém encontrou um objeto perdido e está procurando o dono para devolvê-lo. Algumas pessoas chegam ao ponto de gastar dinheiro colocando anúncios pagos em jornais e revistas para encontrar o dono de um objeto perdido. Esse é o verdadeiro caminho para o crescimento espiritual.

Ser uma boa pessoa não é algo que cai do céu. Demanda estudo, esforço e dedicação. Ser uma boa pessoa não é apenas dizer “eu não faço mal a ninguém”. Os judeus não estão apenas obrigados a não fazer mal a ninguém, estamos obrigados a ativamente fazer o bem, temos que receber sobre nós a responsabilidade de melhorar o mundo. Se nos focarmos nos nossos direitos, estaremos contribuindo para o caos e a desunião que existem atualmente. Mas se nosso foco for os nossos deveres, estaremos dando nossa preciosa contribuição para fazer deste mundo um lugar melhor para se viver.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo