Parashat Ekev

Pensando nos vizinhos

“Jorge foi até a casa de seu vizinho Pedro, na sexta-feira de manhã, e pediu seu cortador de grama emprestado. Pedro estranhou, pois sabia que Jorge também tinha um cortador de grama, e sabia que não estava quebrado, pois havia visto ele utilizando-o durante a semana. Por que então ele estava pedindo o seu cortador emprestado? Não quis perguntar, com medo de ofendê-lo, mas ficou curioso.

De tarde, Pedro encontrou Antônio, seu outro vizinho, e no meio da conversa comentou sobre o estranho pedido de Jorge. Antônio ficou preocupado, pois Jorge havia também pedido o seu cortador de grama emprestado de manhã. Que estranho! E quando foram até a casa de Fernando, um outro vizinho, e descobriram que Jorge também havia passado de manhã e pedido o seu cortador de grama emprestado, decidiram descobrir de uma vez por todas o que estava acontecendo. Foram até a casa de Jorge, e quando ele abriu, os três perguntaram, já um pouco irritados:

– Ei, Jorge, que brincadeira de mau gosto é esta que você está fazendo conosco? Por que pediu o cortador de grama de nós três?

Jorge, desmascarado no seu plano genial, sorriu e explicou:

– Não foi uma brincadeira. Não se preocupem, vocês terão seus cortadores de grama de volta na segunda-feira logo pela manhã. É que eu estou muito cansado, e finalmente conseguirei dormir em paz no fim de semana até um pouco mais tarde…”

Muitas vezes estamos tão entretidos nas nossas atividades cotidianas que nos esquecemos o quanto podemos estar atrapalhando e incomodando outras pessoas. O judaísmo ensina que devemos pensar, em cada pequeno ato que fazemos, como isso afeta os outros à nossa volta.
 


A Parashá desta semana, Eikev, começa enumerando uma série de Brachót (bençãos) que D'us prometeu dar ao povo judeu, condicionais ao cumprimento das Mitzvót, como diz o primeiro versículo da Parashá: “Vehaia eikev tishmeun…” (E será, porque ouviram estas leis, e as cuidarão e as cumprirão, e D'us guardará o pacto e a bondade que Ele jurou aos seus antepassados) (Devarim 7:12). Rashi, comentarista da Torá, explica que a palavra “Eikev” pode significar “porque”, mas também pode significar “calcanhar”. Ele explica que o versículo está se referindo aos cuidados que devemos ter com as Mitzvót fáceis, aquelas que aparecem no cotidiano e que, por parecerem simples e sem valor, muitas vezes nós desprezamos e “pisamos com nossos calcanhares”. O Talmud também reforça o cuidado com as Mitzvót fáceis e simples, e diz que o julgamento final da pessoa é de acordo com o desprezo que a pessoa teve por estas Mitzvót. Mas de que tipo de Mitzvót fáceis e simples a Torá está se referindo?

Umas das obrigações do ser humano neste mundo é desejar sempre chegar à máxima grandeza espiritual, e todos os dias devemos nos questionar “Quando meus atos chegarão aos atos dos meus patriarcas?”. Atos como os de Avraham, que após fazer seu Brit-Milá aos 99 anos, sem anestesia nem instrumentos cirúrgicos, sentou-se na porta de casa para esperar convidados, pois a dor de não fazer bondades era maior do que a dor física do Brit-Milá. Atos como o de Itzchak, que sabendo que seu pai iria sacrificá-lo para D'us, aceitou com alegria e pediu que suas mãos fossem amarradas, para que nenhum ato reflexo pudesse desviá-lo de cumprir a vontade Divina. Ou atos como o de Yaacov, que passou 20 anos sendo enganado por seu tio Lavan, e mesmo assim não deixou de ser honesto nem trabalhador durante todo esse tempo. Mas mesmo almejando este nível de grandeza espiritual, não podemos nos esquecer das coisas do cotidiano, aqueles pequenos detalhes, que tantas vezes passam desapercebidos por parecerem desprezíveis. E incluído entre estas pequenas coisas está o “Derech Eretz” (Bons Modos), que são tão importantes, ao ponto dos nossos sábios afirmarem “Derech Eretz Kadmá La Torá” (Os bons modos vêm antes da Torá).

Mas o que os bons modos têm a ver com a Torá? Aquele que é relaxado com os assuntos mundanos, também será relaxado com os assuntos espirituais, pois a falta de cuidados com os assuntos pequenos do cotidiano é um reflexo de uma falha nas características espirituais da pessoa, que não se importa em chegar ao preenchimento total em seus atos. Pela maneira como nos comportamos nos pequenos atos do cotidiano podemos saber realmente a nossa essência.

Mas é preciso deixar claro que bons modos não significa saber com que faca comer o peixe ou como arrumar o guardanapo na mesa, pois isso se chama “etiqueta”. Bons modos significa se preocupar com a honra do próximo, com o sentimento dos outros. A Mishná em Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas) nos ensina: “Qual o caminho correto na qual o ser humano deve seguir? Rav Iossi disse: seja um bom vizinho”. Mas ser um bom vizinho é algo muito específico, este é o caminho que devemos seguir para a vida, algo muito mais amplo?

Grande parte das atividades “Bein Adam Lehaveiró” (entre o homem e seu semelhante) ocorre entre vizinhos. Se a pessoa se esforça para ser um bom vizinho, de forma que seu pensamento está sempre voltado a ajudar aos outros e a se cuidar para não causar nenhum dano ou incômodo, ele se acostumará a fazer as pequenas coisas do cotidiano da maneira correta, e no final também direcionará todas as sua atitudes na vida, pequenas ou grandes, da maneira correta. Pois quando nos acostumamos a nos comportar de forma correta e ordenada nos assuntos pequenos, no final também nos comportaremos de forma correta e ordenada nos assuntos grandes.

Da mesma forma que grandes edifícios começam a partir de pequenos tijolos, assim também grandes homens começam com pequenos atos.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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