Quanto vale um bom pensamento?

“Há muitos anos, um rabino certa vez entrou em uma pequena loja de Tel Aviv e viu que havia dois jovens, vestidos com roupas de alunos de Yeshivá, atendendo clientes. O homem descobriu que os dois rapazes eram filhos do dono da loja, e como estavam de férias, aproveitavam para ajudar o pai. Eram extremamente educados e responsáveis, e o comportamento deles chamou a atenção do rabino. O rabino perguntou ao pai dos rapazes:
 
– Desculpe a curiosidade, mas que bom ato você fez para ter o mérito de ter filhos assim tão maravilhosos?
 
O homem respondeu que não se lembrava de nada especial, porém o rabino insistiu, dizendo que era impossível que ele tivesse filhos tão especiais sem nenhum mérito. O homem ficou pensativo por alguns instantes e depois disse:
 
– Lembrei-me de algo, mas acho que foi um ato pequeno. Quando eu era jovem e vivia na Rússia, certa vez consegui juntar uma quantia um pouco maior de dinheiro para Tzedaká. Perguntei para o rabino da cidade o que fazer com aquela soma, e ele me falou que havia dois estudantes que estavam começando a se destacar no estudo da Torá, e que ele gostaria de mandá-los para a Yeshivá de Slobodka, na Lituânia, onde eles poderiam crescer muito mais. Aquele dinheiro seria muito importante para eles se manterem lá por algum tempo e poderem se dedicar integralmente aos estudos. Então eu dei para o rabino o dinheiro, e depois escutei que os rapazes realmente tiveram sucesso nos estudos.
 
– Que interessante – falou o rabino – Mas você se lembra do nome dos dois rapazes que você ajudou?
 
– Os nomes eram Yaacov e Aharon. Se não me engano, as famílias eram Kamenetzki e Kotler…”
 
Simplesmente aquele homem havia ajudado dois jovens estudantes de Torá a se transformarem em dois dos maiores líderes espirituais da geração passada, o Rav Yaacov Kamenetzki zt”l e o Rav Aharon Kotler zt”l. Pequenos bons atos e boas intenções podem trazer para nós mesmos, e para todo o povo judeu, muitos bons frutos (História Real). 
 


Nesta semana a Parashat Vayera continua descrevendo os 10 testes de Avraham, até chegar ao teste mais difícil, a “Akeidat Itzchak”, no qual Avraham teve que controlar suas emoções ao nível de estar pronto a sacrificar seu próprio filho. No final, apesar de toda a preparação de Avraham, o sacrifício não ocorreu, como está escrito: “Avraham construiu um altar, arrumou as madeiras, amarrou seu filho Itzchak e colocou-o sobre o altar… E Avraham estendeu sua mão e pegou a faca para sacrificar seu filho. E um anjo de D'us chamou-o dos céus… Então ele disse: “Não estenda sua mão contra o rapaz, não faça nada a ele, pois agora eu sei que você tem temor a D'us” (Bereshit 22:9-12).
 
Porém, destes versículos surge uma pergunta: por que o anjo repetiu o comando a Avraham? Se ele já havia dito “não estenda sua mão contra o rapaz”, por que acrescentou “não faça nada a ele”? Explica Rashi (França, 1040 – 1105) que quando o anjo pediu a Avraham para que parasse, Avraham respondeu: “Então me deixe ao menos fazer um pequeno corte no meu filho Itzchak, para que minha vinda até aqui não tenha sido em vão”. É por isso que o anjo acrescentou: “Não faça nada a ele”, isto é, não faça nem um pequeno corte. Neste momento o anjo exclamou: “Agora eu sei que você tem temor a D'us”, pois a reação de qualquer pessoa, ao receber o aviso de que não precisava mais sacrificar seu filho, seria pular de alegria. Mas Avraham estava mais preocupado com o comando de D'us do que com suas próprias emoções. Por isso o anjo declarou como era incrível o temor a D'us de Avraham.
 
Mas o que exatamente incomodou Avraham, que o levou a pedir ao anjo a permissão de fazer ao menos um pequeno corte em seu filho Itzchak? Responde o Rav Yechiel Tauber que todas as vezes que fazemos uma Mitzvá, recitamos uma Brachá imediatamente antes do seu cumprimento. Por exemplo, antes do acendimento das velas de Shabat recitamos “Lehadlik Ner Shel Shabat”. Se Avraham estava sacrificando seu filho para cumprir um comando de D'us, e já estava com a faca na mão, então certamente já havia pronunciado a Brachá referente à oferenda de sacrifícios. E se o anjo interrompeu-o no meio, significa que Avraham pronunciou a Brachá mas não conseguiu finalizar o ato. Avraham tinha tanto temor a D'us que ficou desesperado com a possibilidade de ter feito a transgressão de pronunciar uma Brachá em vão. Por isso Avraham pediu para pelo menos fazer um pequeno corte em seu filho, para que a Brachá pudesse recair sobre algo e não fosse em vão. Mas se realmente havia o problema de uma Brachá em vão, então por que o anjo não salvou Avraham da transgressão, permitindo-o de fazer um pequeno corte em seu filho? A recompensa desta incrível Mitzvá de Avraham, de estar disposto a sacrificar seu próprio filho, foi uma transgressão?

Existe um conceito transmitido pelos nossos sábios de que todo aquele que morre “Al Kidush Hashem” (santificando o Nome de D'us) tem o mérito de ir diretamente para o Olam Habá (Mundo Vindouro). Algumas gerações do povo judeu foram confrontadas com a escolha de se converter para outra religião ou morrer, e muitos conseguiram vencer o teste. Isto também se aplica a um judeu que morre em um atentado terrorista, pois ele morreu pelo simples fato de ser judeu, e isto santifica o Nome de D'us.
 
Porém, sabemos que as Mitzvót precisam ser feitas com “Kavaná” (intenção). Alguém que cumpre uma Mitzvá “sem querer”, sem saber que a está cumprindo, certamente não receberá recompensa por isso. Mas aparentemente este conceito não se aplica a todos os que morrem “Al Kidush Hashem”. Por exemplo, nos casos em que terroristas suicidas entram em um ônibus lotado e matam muitos inocentes, todos os que faleceram estão incluídos entre os que santificaram o nome de D'us. Porém, quantos deles tinham realmente intenção de morrer em nome de D'us? Entendemos o mérito das pessoas que na Inquisição deram suas vidas por escolha, mas como isto se aplica àqueles que morreram em um atentado sem nenhuma intenção de dar suas vidas por D'us?
 
Explica o Rav Ezriel Tauber que a resposta está em um incrível conceito ensinado pelo Talmud (Kidushin 40a): “D'us junta uma boa intenção a um bom ato”. Isto significa que, se uma pessoa tem boas intenções mas as circunstâncias não permitem que ela faça o que pretendia, então D'us pega esta boa intenção e conecta com outro ato para que ela possa receber o mérito. Na prática como isto funciona? Muitas vezes temos boas intenções, mas não conseguimos realizá-las por motivos alheios à nossa vontade. Por exemplo, uma pessoa vai visitar um doente no hospital, mas seu carro quebra no meio do caminho. Outras vezes fazemos bons atos, mas sem nenhuma intenção. Por exemplo, quando fazemos a nossa Tefilá (reza) pensando nos negócios ou planejando as férias. D'us, em Sua misericórdia infinita, pega aquela boa intenção que não estava associada a nenhum ato e conecta com algum ato que ficou sem a intenção apropriada, dando méritos para a pessoa.
 
Isto ocorre também a nível comunitário. O povo judeu inteiro está conectado entre si, como se fosse uma única entidade. Há uma conexão espiritual entre todos os judeus do mundo, fazendo com que os méritos dos bons atos de cada judeu também beneficiem outros judeus. Por exemplo, quando um judeu faz uma incrível doação de milhões de reais para a construção de uma sinagoga, mas exige que seu nome apareça com muito destaque, demonstra estar procurando apenas reconhecimento e honra pelo seu ato. Neste caso temos um incrível ato de doação, mas com uma intenção inadequada. Do outro lado do mundo, um judeu muito pobre está para comer seu prato de comida, que é tudo o que ele tem na vida, quando chega outra pessoa que não tem o que comer. Em um incrível ato de doação, o homem pobre divide seu prato com o outro pobre esfomeado. Neste caso foi feita uma doação pequena, de meio prato de comida, mas com uma intenção incrível, de alguém que doou metade de tudo o que tinha. Então D'us une os dois, o ato da doação da sinagoga com a intenção daquele que doou metade de tudo o que tinha, e o benefício de um grande ato com uma grande intenção vai para o povo judeu inteiro.
 
Com este incrível conceito espiritual podemos responder nosso questionamento. Quando Avraham foi sacrificar seu filho, ele tinha a intenção perfeita de cumprir a vontade de D'us, mesmo acima de suas próprias emoções. Cada pensamento, cada ato de preparação, cada palavra da Brachá que ele pronunciou antes de sacrificar seu filho não foram em vão. Eles ficaram guardados para sempre, para os seus descendentes. Avraham teve a intenção, mas no final faltou-lhe o ato. Então todo judeu que morre “Al Kidush Hashem”, mesmo que não tenha nenhuma intenção, recebe aquela Brachá de Avraham, fazendo com que seu ato fique completo e sagrado. É como se o ato de Avraham, de sacrificar seu filho para D'us, tivesse realmente acontecido, mas com um lapso de tempo, durante toda a nossa história, se materializando em cada judeu que morre santificando o nome de D'us. Cada vez que um judeu dá a vida por D'us, é como se Itzchak estivesse sendo sacrificado por Avraham sobre o altar.
 
Aprendemos daqui o valor de cada bom ato, e mais do que isso, o valor de cada boa intenção. Podemos receber o benefício imediatamente, mas às vezes o mérito fica guardado para o futuro. Algumas vezes pode até mesmo beneficiar outras pessoas e não a nós mesmos. Um bom ato ou uma boa intenção nunca voltam vazios, sempre trazem consigo muita Brachá, para cada indivíduo ou para o povo judeu como um todo. A força dos bons atos e das boas intenções é tão grande que até hoje, quase 4 mil anos depois, ainda recebemos os benefícios dos atos de Avraham Avinu, que mesmo quando era submetido a difíceis testes, encontrava forças para cumprir a vontade de D'us. Da mesma maneira, se nos esforçarmos, nossos bons atos e intenções poderão iluminar o mundo inteiro.  

SHABAT SHALOM
 
Rav Efraim Birbojm

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo