Parashat Shemini

Quem é tolo?

“Conta-se que há muito tempo, em uma pequena cidade do interior, um grupo de jovens se divertia diariamente com um tolo que vivia na região. Era um pobre coitado, que aparentava pouca inteligência e vivia de pequenos trabalhos e de esmolas nas ruas. Todos os dias os jovens da cidade chamavam o tolo ao bar onde se reuniam e ofereciam a ele a escolha entre duas moedas: uma grande, de quatrocentos réis, e outra menor, de dois mil réis. O tolo sempre escolhia a maior e menos valiosa, o que era motivo de risos para todos. Certo dia, um dos jovens do grupo de zombadores chamou o tolo e disse:
 
– Desculpe perguntar, mas depois de tanto tempo você ainda não percebeu que a moeda maior vale menos?
  
– É claro que eu percebi – respondeu o homem, demonstrando não ser tão tolo assim quanto parecia – eu sei que ela vale cinco vezes menos do que a moeda pequena. 
 
– Se você sabe, então por que toda vez você pega a moeda menos valiosa? 
 
– Pois eu sei que, no dia que eu escolher a outra, a brincadeira acaba e não vou mais ganhar minha moeda…” 

Qual é a conclusão desta história? Que os zombadores, que achavam que estavam se divertindo e enganando, eram os verdadeiros tolos que estavam sendo enganados. Assim também acontece em nossas vidas. Não nos preocupamos com as pequenas transgressões que cometemos no dia-a-dia. Porém, de pequenos em pequenos erros, vamos deixando o nosso Yetser Hará (má-inclinação) nos controlar.

Nesta semana lemos a Parashá Shemini (literalmente “Oitavo”). Por que este nome? Pois a Parashá começa descrevendo o processo de inauguração do Mishkan (Templo Móvel). Por sete dias Moshé montou sozinho o Mishkan, fez os serviços diários e o desmontou. No oitavo dia Moshé montou definitivamente o Mishkan e os Cohanim (sacerdotes) assumiram os serviços diários, como a oferenda dos Korbanót (sacrifícios) e do incenso.
 
Em relação ao momento em que o serviço do Mishkan foi oficialmente passado aos Cohanim, há um versículo interessante que nos chama a atenção: “E disse Moshé para Aharon: Aproxime-se do Mizbeach e faça a sua oferenda de pecado e a sua oferenda de elevação” (Vayikrá 9:7). Mas por que Moshé precisou pedir para que Aharon se aproximasse do Mizbeach? Não era óbvio que para fazer os Korbanót ele deveria se aproximar do Mizbeach? 

Explica o Midrash (parte da Torá Oral) que Aharon, ao entrar no Mishkan, viu que o Mizbeach tinha o formato de um touro e por isso teve medo de se aproximar. Moshé, vendo o receio de Aharon de se aproximar do Mizbeach, o tranquilizou. Somente então Aharon se aproximou do Mizbeach. É por isso que a Torá precisou ressaltar que Moshé pediu para que Aharon se aproximasse do Mizbeach.
 
Porém, este Midrash é difícil de ser entendido. O que significa que Aharon viu que o altar tinha o formato de um touro? Além disso, por que isto teria deixado Aharon com medo de se aproximar? E, finalmente, como Moshé fez para convencer Aharon a se aproximar do Mizbeach?
 
De acordo com o Ramban zt”l (Nachmânides) (Espanha, 1194 – Israel, 1270), pelo fato de Aharon ser uma pessoa tão sagrada e elevada, não havia em sua alma nenhuma marca de transgressão, com exceção de sua participação na construção do bezerro de ouro. Este erro estava muito fixo em seus pensamentos o tempo inteiro, a ponto de Aharon enxergar o Mizbeach como se ele tivesse o formato de um touro, tamanha era sua preocupação que a sua participação na construção do bezerro de ouro pudesse impedir sua expiação espiritual. Foi então que Moshé o consolou e disse: “Acalme-se e não fique tão triste, pois D'us já te perdoou e já aceitou seus atos novamente”. Somente então Aharon concordou em se aproximar do Mizbeach.

Porém, esta explicação do Ramban também é difícil de ser entendida. A participação de Aharon na construção do bezerro de ouro foi algo quase irrelevante. Quando o povo errou as contas e achou que Moshé havia morrido no Monte Sinai, os judeus exigiram que Aharon construísse para eles um bezerro de ouro. Hur, o sobrinho de Aharon, tentou se levantar contra o povo para impedi-los, mas foi assassinado. Aharon percebeu que não adiantava usar a força, pois o povo estava obstinado. Era necessário utilizar a astúcia para tentar impedir o povo de fazer o bezerro de ouro. Por diversas vezes ele tentou ganhar tempo, na esperança que Moshé chegaria a qualquer instante, mas mesmo assim o bezerro acabou sendo construído. Por isso, apesar das boas intenções, a Torá considera que Aharon teve certa responsabilidade na construção do bezerro de ouro. Mas foi certamente uma participação secundária, com a intenção de fazer o bem, e não um erro intencional.
 
Além disso, quando Moshé bateu na pedra para dar água ao povo, ao invés de falar com a pedra, Aharon também foi duramente castigado e nenhum dos dois entrou na Terra de Israel. Os comentaristas da Torá se esforçam muito para descobrir exatamente qual foi a “fagulha” de erro cometido por Aharon neste episódio da pedra. Se no caso do bezerro de ouro Aharon não recebeu um castigo tão duro, isto significa que certamente o erro foi algo ainda menor do que o erro cometido no episódio da pedra. Então por que Aharon teve medo de se aproximar do Mizbeach por causa de sua participação na construção do bezerro de ouro se foi algo tão insignificante? E mesmo se ele realmente tivesse feito algum “estrago” espiritual com seu erro, D'us já tinha demonstrado que o havia perdoado ao escolhê-lo como Cohen Gadol (Sumo Sacerdote). Então por que tanta preocupação? 

Responde o Rav Leib Chassman zt”l (Lituânia,1869 – Israel, 1935) que desta atitude de Aharon podemos aprender algo muito importante para nossas vidas. Mesmo que foi um erro muito pequeno, este erro doeu tanto em Aharon e causou nele uma impressão tão forte que ele chegou ao ponto de ver o Mizbeach com a forma de um touro e não quis nem se aproximar dele. Este era o nível no qual Aharon aprofundava seus pensamentos de arrependimento e amargura pelo erro cometido, cumprindo as palavras de David Hamelech: “Minhas transgressões estão sempre diante de mim” (Tehilim 51:5).
 
Se isto se aplica a alguém tão sagrado quanto Aharon, que fez um erro tão pequeno e ainda rodeado de boas intenções, o quanto deve ser grande a preocupação de quem cometeu uma transgressão intencional? Quanto devemos nos envergonhar por termos ido contra a vontade de D'us? Infelizmente vemos pessoas que caminham na direção oposta de Aharon, pessoas que chegam ao nível de “um homem que bebe como água suas transgressões” (Yov 15:16). Por que a comparação do transgressor com aquele que bebe água? Pois da mesma forma que a pessoa bebe água com facilidade, sem grandes esforços, assim também é aquele que faz transgressões sem sentir nenhuma amargura ou arrependimento.
 
O que faz uma pessoa chegar neste nível espiritual tão baixo? De acordo com o Rav Leib Chassman, quanto mais a pessoa reflete sobre os seus atos e sobre a grandeza de D'us, mais ela vai ser cuidadosa com cada pequeno ato. Porém, a pessoa que não fica atenta aos seus atos e aos caminhos que está seguindo em sua vida acaba vivendo apenas de acordo com as vontades do seu coração. Seus pequenos maus atos cotidianos vão bloqueando seu coração de perceber a grandeza de D'us e, automaticamente, de perceber a gravidade dos estragos causados por cada transgressão que comete. Como na história do tolo, o nosso Yetser Hará vai nos fazendo tropeçar em pequenas transgressões, que vão se acumulando. Aquele que não reflete, quando percebe já está atolado de transgressões até o pescoço. Apesar de achar que está enganando seu Yetser Hará ao evitar as grandes transgressões, na verdade é ele quem está sendo feito de tolo.
 
Nossos sábios comparam nossa vida com uma corda que está esticada desde o dia do nosso nascimento até o nosso último dia de vida, e sobre ela nós precisamos caminhar, como um equilibrista que caminha sobre a corda bamba esticada sobre um abismo. Quando prestamos atenção em um equilibrista que caminha sobre a corda bamba, percebemos sua incrível concentração a cada passo dado. Por que ele se concentra tanto? Pois ele sabe que apenas um único passo errado pode custar sua vida. Ele precisa de foco e de todo o cuidado. Assim era o sentimento de Aharon, completamente concentrado e focado em cada pequeno passo. Por isso ele sentiu tanto o peso de sua participação na construção do bezerro de ouro. Como ele refletia e se sentia em uma corda bamba sobre um abismo, mesmo seu pequeno erro pareceu aos seus olhos algo gigantesco.
 
Aquele que reflete sempre e acerta a cada instante seu passo conseguirá terminar sua travessia com segurança e alcançará uma incrível recompensa pela travessia de sucesso. Mas aquele que deixa a vida levá-lo corre o enorme risco de cometer, mais cedo ou mais tarde, um tropeço fatal.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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