Parashat Ekev

Se importar com o próximo

“O Rav Ytzchak Elchanan Spector era o rabino da cidade de Kovno, na Lituânia, que na época estava sob o domínio da Rússia. De acordo com as leis russas, todos os jovens estavam obrigados a se alistar no exército. Para os judeus esta lei era muito dura, pois além do constante risco de perder a vida em uma batalha, era praticamente impossível continuar cumprindo as Mitzvót no exército russo. Portanto muitos jovens judeus apresentavam ao governo russo um pedido de dispensa do serviço militar.

Yaacov era um jovem aluno, muito querido pelo Rav Ytzchak Elchanan, e quando chegou na idade de alistamento, viajou para enviar ao governo russo seu pedido de dispensa do exército. Todos os dias o Rav Ytzhak Elchanan esperava, com o coração na mão, notícias do seu aluno querido, mas as novidades não chegavam, deixando o rabino angustiado. Certo dia ele estava muitas horas julgando um caso difícil no Beit Din (Tribunal Rabínico). Os litigantes eram dois homens de negócio muito ricos que disputavam ferozmente uma quantia enorme de dinheiro. O ambiente estava muito tenso, pois nenhum dos dois lados aceitava nenhum tipo de acordo, e por muitas horas os juízes se esforçavam, mas não conseguiam encontrar uma solução para o problema. De repente, a porta do Beit Din se abriu e um jovem rapaz, aluno do Rav Ytzchak Elchanan, entrou na sala. Quando viu o rabino, falou com emoção:

– Rabino, trago boas notícias. O Yaacov foi dispensado do exército!

O Rav Ytchak Elchanan deu um longo suspiro de alívio e disse ao seu aluno, com um grande sorriso: 

– Que D'us te abençoe por você ter me trazido notícias tão boas. Muito obrigado por ter vindo até aqui me contar. Que D'us te dê uma vida longa e com muita saúde. Eu te agradeço muito.

O jovem saiu da sala com um grande sorriso, feliz por ter alegrado seu rabino. O rabino então voltou para o difícil julgamento. Estavam tentando uma nova maneira de resolver o caso quando, alguns minutos depois, um outro aluno abriu a porta do Beit Din. Sem saber que seu colega já havia dado a notícia, ele correu até o rabino e contou que o Yaacov havia sido dispensado do exército. O Rav Ytzchak Elchanan sorriu como se não houvesse ainda escutado a notícia e falou:

– Muito obrigado. Que D'us te abençoe com muitos anos de vida e uma boa saúde. Eu te agradeço muito pela boa notícia.

O segundo jovem saiu de lá sorrindo, contente por ter alegrado seu rabino. No total, 6 alunos do Rav Ytchak Elchanan entraram naquela tarde no Beit Din para dar a mesma notícia de que seu aluno havia sido dispensado. O mais incrível é que nenhum dos alunos nunca soube que outros já haviam chegado antes com a notícia. Para cada um deles o Rav Ytchak Elchanan sorriu, agradeceu e abençoou o aluno da mesma maneira e com o mesmo entusiasmo, fazendo-os sentir importantes. E tudo isso ocorreu enquanto o Rav Ytzchak Elchanan estava imerso em um julgamento tenso e difícil”.

Se nós estivéssemos ali, certamente teríamos dito aos outros alunos “já sei”. Isto mostra como são especiais os grandes de Torá, que se esforçam não apenas nos seus estudos, mas também em amar e se preocupar de verdade com o próximo.
 


Na Parashá desta semana, Ekev, Moshé continuou seu discurso final para o povo judeu, encorajando-os a ter Emuná (fé) em D'us, para que tivessem sucesso na conquista da Terra de Israel, e a abominar qualquer forma de idolatria. E se prestarmos atenção há uma expressão que se repete 3 vezes na Parashá, “andar nos Seus caminho”. A primeira vez está escrito: “Vocês devem observar os mandamentos de Hashem, teu D'us, para andar nos Seus caminhos e temê-Lo” (Devarim 8:6). A segunda vez está escrito: “e agora, Israel, o que D'us pede de vocês? para que temam a Ele, andem nos Seus caminhos e O amem…” (Devarim 10:12). Na terceira vez está escrito: “E você vai cumprir toda esta Mitzvá que Eu comando para vocês, para cumpri-la, para amar a Hashem, teu D'us, para andar nos Seus caminhos e para se conectar a Ele” (Devarim 11:22). Surgem então duas perguntas: o que significa “andar nos Seus caminhos”? E por que a Parashá traz esta expressão 3 vezes, relacionada com os conceitos de temor, amor e conexão com D'us?

Explica o famoso rabino Chafetz Chaim que existem 3 níveis no nosso trabalho espiritual: o temor a D'us é o primeiro nível, depois vem o amor a D'us e finalmente vem a conexão com D'us, quando a pessoa coloca o amor a D'us de maneira constante em seu coração. Os 3 versículos fazem alusão ao crescimento espiritual de um nível para o outro, começando com temor, depois a transição entre temor e amor, e finalmente a transição entre amor e conexão com D'us. Mas o que significa “andar no Seu caminho”? Da mesma forma que D'us é misericordioso conosco, nós também devemos ser misericordiosos com os outros. Da mesma forma que D'us nos manda bondades sem esperar nada em troca, assim também nós devemos ajudar aos outros sem esperar nada em troca. Da mesma forma que D'us constantemente nos faz Chessed (bondades), assim também devemos estar sempre procurando oportunidades de fazer Chessed com os outros. A Torá está ressaltando que uma das principais partes do nosso crescimento espiritual é o cuidado e a preocupação com o nosso semelhante. Mas por que este ensinamento aparece 3 vezes, um para cada nível de trabalho espiritual?

O primeiro versículo, “para andar nos Seus caminhos e temê-Lo”, nos ensina que para iniciar o nosso crescimento espiritual necessitamos nos preocupar com o próximo. Mas poderíamos pensar que apenas para atingir um primeiro nível espiritual é necessário trabalhar nossas características em relação ao próximo, mas quando já somos tementes a D'us, talvez o resto do trabalho seja só entre nós e D'us. Para isso vem o segundo versículo, “Para que temam a Ele, andem nos Seus caminhos e O amem”, mostrando que o caminho de crescimento do temor para o amor a D'us também necessita vir junto de crescimento na área do homem com seu semelhante. E finalmente poderíamos pensar que depois de chegar ao amor a D'us, todo nosso crescimento espiritual deve ser voltado ao nosso trabalho com o Criador, e para isso vem o terceiro versículo, “para amar a Hashem, teu D'us, para andar nos Seus caminhos e para se conectar a Ele”, nos ensinando que para chegar ao máximo nível espiritual, quando definitivamente nos conectamos com D'us, é necessário trabalhar ainda mais em relação ao nosso semelhante.

E assim nos ensina o Pirkei Avót: “sem bons modos não há Torá, e sem a Torá não há bons modos”. Mas então por onde começar? Explicam nossos sábios que existem dois níveis de bons modos, um inicial, que é um mínimo que a pessoa precisa ter para ser chamado de ser humano. Sem este primeiro nível de respeito ao próximo não existe forma de crescer espiritualmente. E o segundo nível é quando a pessoa se dedica ao estudo e ao cumprimento da Torá e vai refinando o seu caráter, aprendendo cada vez mais a respeitar e a se preocupar com o próximo. É o nível que conseguem chegar grandes estudiosos da Torá, que muitas vezes se preocupam mais com os outros do que com si mesmos.

Muitas vezes pensamos que espiritualidade é a pessoa ficar meditando de cabeça para baixo, flutuando ou fazendo voto de silêncio. A Parashá nos ensina que o caminho para a espiritualidade verdadeira é outro. Para chegarmos a níveis de temor, amor e conexão com D'us, antes precisamos nos esforçar para amar ao próximo e a sentir as necessidades dos outros. Não há outro caminho.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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