Turistas ou moradores?

“Certa vez um turista que estava de passagem pela cidade de Radin, na Polônia, foi conhecer a casa do famoso rabino Chafetz Chaim. Para sua decepção, descobriu que o rabino vivia em uma casa muito simples, e tudo o que ele tinha era uma cama, uma mesa e um armário. Indignado, o
turista perguntou:

– Onde estão seus móveis??? Isso é tudo o que você tem na vida?

O Chafetz Chaim perguntou:

– Também não estou vendo seus móveis. Onde estão suas coisas?

– Ei, espere aí – gritou o visitante – o motivo pelo qual eu não tenho móveis comigo é porque eu sou apenas um turista!

O Chafetz Chaim sorriu e disse:

– Eu também”

Temos que saber que também somos turistas neste mundo. Da mesma forma que um turista abre mão de um pouco do seu conforto para aproveitar ao máximo a viagem, assim também devemos estar prontos para fazer, se queremos realmente aproveitar esta viagem chamada “vida”.
 


A Parashá desta semana, Re'eh, traz diversos assuntos que parecem não ter nenhuma conexão entre si, como os Shalosh Regalim (as 3 festas, Pessach, Shavuot e Sucót, quando todo o povo judeu se reunia no Templo), as leis de Kashrut e as leis de Tzedaká (caridade). Qual a relação entre estes assuntos aparentemente tão diferentes?

Quando uma pessoa está numa excursão, conhecendo um novo país, ela não dorme direito, não come bem, não se importa de abrir mão do conforto e mesmo assim está sempre contente. Por que? Pois ela tem um propósito, ela quer aproveitar a viagem ao máximo. Ela sabe que o tempo é limitado, e por isso não quer perder nenhum segundo. Nossa vida também é uma excursão, e também temos um tempo limitado. Então por que não abrimos mão das coisas secundárias e nos dedicamos apenas às coisas mais importantes? Por que queremos dormir muito, comer bem e estar sempre rodeados de conforto? Pois vivemos como se a vida fosse eterna, e esquecemos que tudo isso um dia terá fim.

A natureza humana é muito interessante. Apesar de termos muitos bons momentos na vida, nós somente conseguimos perceber quanto algo é importante quando corremos o risco de perdê-lo. Nós precisamos de contrastes para entender as coisas. Somente quando falta a luz percebemos o quanto ela é essencial. Por isso, por incrível que pareça, uma das coisas que mais dá sentido para a vida é a morte.

Na verdade a morte não estava nos planos originais de D'us. A morte surgiu como uma consequência do erro cometido por Adam e Chavá (Adão e Eva), quando não escutaram a ordem de D'us e se distanciaram do Criador. D'us se comportou “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), e também se afastou de nós, tornando mais difícil encontrá-Lo no mundo. A morte então tornou-se uma maneira necessária para nos despertar e ajudar a buscar o sentido de tudo isso, e assim encontrar D'us. Em hebraico, a palavra “Tavá”, que significa “se afogar”, se escreve da mesma maneira que palavra “Téva”, que significa “natureza”. Sem a morte, afundaríamos cada vez mais no materialismo do mundo, até perder completamente nossa sensibilidade espiritual.

Mas não precisamos necessariamente passar pelo choque da morte para despertarmos. A morte não é a única maneira de nos fazer voltar ao equilíbrio. As Mitzvót, muitas trazidas nesta Parashá, também são “bóias” para nos ajudar a não afundar no mundo material. Elas servem como um lembrete constante do que realmente é o mais importante, e nos dá claridade para podermos checar, a cada instante, se estamos vivendo uma vida verdadeira ou uma vida de ilusões.

Por exemplo, uma parte considerável de nossas vidas é dedicada à comida. Comer pode ser um ato meramente animal, ou pode ser um ato espiritual. Podemos, através da Kashrut, manter o nosso foco espiritual, prestando atenção no que comemos e como comemos. Os Shalosh Regalim nos ensinam a necessidade de, em alguns momentos, quebrar o cotidiano e diminuir o contato com o mundo material, aumentando assim a conexão com o mundo espiritual. E finalmente a Mitzvá de Tzedaká nos ensina que, apesar dos pensamentos serem muito importantes, os atos são ainda mais importantes, pois materializam nossas intenções e pensamentos. A repetição de bons atos molda as nossas características e nos torna pessoas melhores e mais espiritualizadas.

Não precisamos ser lembrados do nosso propósito através de dor e sofrimento. Com as Mitzvót, mesmo os menores atos de nossas vidas passam a ser lembretes constantes de que somos apenas turistas em uma importante jornada, na busca de sentido na vida e de conexão espiritual.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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