“Um pai tinha sete filhos. Certo dia ele reuniu todos e pediu para que cada um trouxesse um pequeno bambu seco. Até mesmo o mais novo dos filhos, que ainda era pequeno e fraquinho, saiu para buscar um bambu. Após algum tempo todos voltaram trazendo seus bambus. Então o pai pegou o bambu do filho mais velho, entregou ao filho mais novo e pediu para que ele quebrasse. Apesar de ainda não ter muita força, o menino quebrou o bambu ao meio com facilidade. E assim ele pediu para que cada filho quebrasse o bambu que havia trazido, o que foi facilmente realizado por todos.
O pai então pediu para que cada um trouxesse mais um bambu, mas desta vez o pai amarrou-os com uma corda, formando um feixe. Ele pediu para que o filho mais velho quebrasse os bambus, mas apesar de ser o mais forte dos irmãos, o rapaz não conseguiu nem mesmo dobrar o feixe, muito menos quebrá-lo. O pai pediu para que os outros irmãos o ajudassem, mas mesmo com todos juntos eles não puderam quebrar os bambus. O pai então explicou:
– Meus queridos filhos, prestem atenção no que vocês aprenderam hoje. Quando o bambu estava sozinho, mesmo o mais fraco de vocês conseguiu quebrá-lo com facilidade. Porém, quando os bambus foram reunidos em um feixe, nem todos vocês juntos conseguiram parti-los. Esta é uma das mais preciosas lições que eu ensino para vocês: se vocês ficarem desunidos, cada um preocupado apenas com as suas próprias necessidades, então vocês serão facilmente derrotados pelas dificuldades da vida. Mas se vocês se unirem em torno de um mesmo objetivo, se vocês se respeitarem e se ajudarem como se fossem um só, então nem o mais forte dos problemas poderá derrotá-los”.
Toda vez que o povo judeu perde sua união, nossos problemas nos derrubam. Devemos aprender com a nossa história, pois em todas as épocas em que estávamos unidos, podíamos vencer até o mais forte dos nossos inimigos.
Nesta semana lemos a Parashat Vayikrá (que literalmente significa “E chamou”). A Parashat explica algumas das leis referentes à oferenda de Korbanót (sacrifícios). E na próxima semana comemoraremos a Festa de Purim, que começa na noite de 4ª feira (23/03). A Festa de Purim envolve algumas Mitzvót interessantes, como a obrigação de fazer uma Seudá (Refeição Festiva) durante o dia; Escutar duas vezes (uma vez de noite e outra de dia) a leitura da “Meguilat Esther”, que conta a história da salvação milagrosa dos judeus da Pérsia na época de Mordechai e Esther; Presentear um amigo com “Mishloach Manót” (pelo menos duas porções de comidas ou bebidas); e dar “Matanót Laevionim” (doar dinheiro a pelo menos dois pobres, possibilitando que eles também possam fazer uma Seudá honrosa em Purim).
Porém, estas Mitzvót de Purim nos chamam a atenção. As duas primeiras são facilmente entendidas, pois em todas as festas participarmos de refeições festivas e escutarmos a leitura de trechos da Torá que descrevem o que estamos comemorando naquela festa. Porém, as duas últimas são Mitzvót relacionadas com atos de Chessed (bondade), que não se repetem em nenhuma outra festa do ciclo do calendário judaico. Qual é a conexão destas Mitzvót com a festa de Purim?
A resposta pode ser encontrada analisando com atenção alguns dos versículos da Meguilat Esther. Quando Haman, o odiador do povo judeu, apresentou ao rei Achashverosh seu malévolo plano de destruição do povo judeu, ele fez questão de ressaltar qual era o motivo pelo qual os judeus não mereciam ser mantidos vivos: “E Haman disse ao rei Achashverosh: 'Há um povo, espalhado e disperso entre os povos, em todos os países do seu reinado' ” (Esther 3:8). Os comentaristas da Meguilá dizem que Haman estava fazendo uma precisa crítica ao povo judeu, que conseguiu convencer o Rei Achashverosh de que não havia nada com o que se preocupar caso quisesse destruir o povo judeu. Quando o rei Achashverosh disse que temia a proteção Divina do povo judeu, algo que já havia se repetido diversas vezes na história, Haman tranquilizou-o, argumentando que o povo judeu, por estar desunido, não teria o mérito da proteção Divina.
Felizmente não foi apenas Haman que percebeu este ponto fraco do povo judeu. Os judeus também entenderam que por trás do decreto de Haman havia um decreto Celestial, que somente poderia ser anulado através da renovação do senso de união do povo. O Rav Yonasan Eibeshitz zt”l (Polônia, 1690 – Alemanha, 1764) ensina que esta foi a intenção de Esther quando ela instruiu Mordechai, o líder do povo, a como proceder para anular o decreto: “Vá, junte todos os judeus de Shushan e jejuem por mim” (Esther 4:16). Esther entendeu que apenas um esforço conjunto poderia cancelar o decreto.
Realmente esta forma de abordagem demonstrou ser eficiente. De acordo com o Rav Eliahu zt”l (Lituânia, 1720 – 1797), mais conhecido como Gaon MiVilna, há uma série de versículos que demonstram que realmente o povo judeu conseguiu recriar sua união, e que isto os levou a derrotar seus inimigos. Por exemplo, está escrito “E o restante dos judeus através das províncias do rei se uniram e se levantou para defender suas vidas, e descansaram de seus adversários e mataram seus inimigos” (Esther 9:16). A conjugação correta seria “se levantaram”, mas o versículo vem ressaltar que o povo judeu estava muito unido, como se fosse uma única pessoa.
Com este entendimento do imenso significado da união do povo judeu na história de Purim, fica mais fácil entender por que os nossos sábios instituíram justamente nesta festa as Mitzvót de “Mishloach Manót” e “Matanót Laevionim”, que estão na área de “Bein Adam Lehaveiró” (entre a pessoa e seu companheiro). Purim nos lembra da importância da união do povo judeu, e dar presentes aos amigos é uma excelente ferramenta para nos ajudar a nos importarmos com os outros. Porém, nossos sábios exigiram que nossa preocupação não se limite apenas aos nossos amigos, mas que se estenda também aos menos afortunados, os pobres, que são facilmente esquecidos por nós.
Mas apesar de entendermos que a desunião foi o fator chave que desencadeou o decreto contra o povo judeu, ainda não fica claro qual foi o motivo que levou o povo judeu a estar tão desunido e como eles foram capazes de corrigir esta falha. A resposta é trazida pelo mais sábio de todos os homens, Shlomo Hamelech (Rei Salomão): “Aquele que busca seus desejos, se separará” (Mishlei 18:1). Explica o Rabeinu Yona zt”l (Espanha, século 12) que este versículo nos ensina que a pessoa que segue seus desejos acaba se afastando de seus amigos. Isto ocorre pois os desejos são inerentemente voltados para as próprias vontades da pessoa, e normalmente se chocam com as vontades das outras pessoas. Por isso, a pessoa que apenas se importa em satisfazer seu próprios desejos terá metas divergentes em relação às pessoas à sua volta, e uma sociedade inteira composta por este tipo de pessoa certamente não terá nenhuma união.
Haman entendeu que o povo judeu havia sido influenciado pelas ideologias e desejos das nações com quem moravam e conviviam. Foi por isso que ele ressaltou ao rei Achashverosh que o povo judeu estava “espalhado e disperso entre os povos“. Ele intencionalmente enfatizou o fato deles estarem entre os povos, pois esta era a causa de sua desunião. Os objetivos de cada judeu estavam sendo influenciado pelas sociedades vizinhas e, portanto, não havia união dentro do povo judeu como um todo.
O Rabeinu Yona explica que a chave para a união é ter um objetivo em comum: se conectar a D'us. O povo judeu somente consegue realizar sua verdadeira função neste mundo quando todos compartilham este propósito em comum. Quando isto acontece, os problemas, as disputas e os casos de concorrência prejudicial se dissipam, permitindo às pessoas focarem seus esforços em seu crescimento espiritual.
Purim nos conecta ao incrível momento de recebimento da Torá no Monte Sinai. Rashi (França, 1040 – 1105) ensina que sob o Monte Sinai o povo judeu estava unido “como um único homem, com um só coração”. Como eles atingiram este nível de harmonia no Monte Sinai, eles puderam focar todas as suas energias em receber a Torá. Sem discórdias, sem disputas, sem discussões. Se eles não estivessem nesta sintonia, teriam sido incapazes de receber a Torá. O mesmo ocorreu em Purim, pois Esther conseguiu perceber que a desunião do povo judeu era consequência de seus objetivos divergentes, e que os desejos individuais eram a principal causa da desunião. Por isso, ela pediu para que todo o povo se unisse no contexto de um jejum. Fora o óbvio motivo que está por trás dos jejuns, que é a reflexão e o arrependimento pelos nossos erros, Esther sabia que, ao se abster dos prazeres físicos, isto enfraqueceria a ligação das pessoas com seus desejos físicos e as ajudaria a retomar o foco em sua espiritualidade. E realmente a história demonstra que o jejum ajudou as pessoas a se reconectarem com seu objetivo verdadeiro, que é cumprir a vontade de D'us.
Não é nenhuma coincidência que a união que os judeus alcançaram quando eles lutaram contra seus inimigos veio junto com outro jejum, feito no dia 13 de Adar. O jejum fortaleceu a habilidade dos judeus de vencer seus desejos egoístas e focar nos seus objetivos espirituais. Além disso, este nível incrível de união do povo possibilitou que eles reaceitassem a Torá da mesma maneira e força que eles haviam aceitado no Monte Sinai, mas desta vez com ainda mais amor.
Com este entendimento da conexão entre enfraquecer os nossos desejos físicos e a união do povo, podemos entender de maneira mais profunda as Mitzvót de “Mishloach Manót” e “Matanót Laevionim”. Para atingir o nível de união que os judeus atingiram, eles precisaram se separar de seus desejos naturais. Isto sempre é uma tarefa extremamente difícil, e ainda mais em Purim, quando nós acabamos nos envolvendo de uma maneira mais forte com o mundo físico por causa da comida, da bebida e da alegria do dia. Quando presenteamos nossos amigos e doamos dinheiro aos necessitados, estamos garantindo que não seremos puxados pelo egoísmo, que é resultado de seguirmos os nossos desejos. Ao pensar no próximo, e doar ao próximo, nós garantimos que tudo o que comemos e bebemos em Purim nos aproxima de D'us, e não nos afasta Dele.
Purim é a época de reviver a união do povo judeu. Deixar de lado nossos próprios desejos e focar as energias no nosso verdadeiro objetivo, que é cumprir a vontade de D'us. Infelizmente acabamos não aprendendo as lições ensinadas pela nossa história, e continuamos rotulando as pessoas de maneira negativa. Isto cria divisões e separações dentro do nosso povo. Nosso problema verdadeiro não são as ameaças do Irã, os ataques palestinos ou os boicotes da BDS (Boicotes, Desinvestimento e Sanções contra Israel). Se cada um deixar de pensar em suas próprias necessidades e, com o coração aberto e caridoso, que é uma das marcas registradas do povo judeu, nos importarmos de verdade com cada pessoa, e em especial com aqueles menos afortunados, certamente veremos em nossos dias a salvação do povo judeu das ameaças de todos os nossos inimigos. Pois o verdadeiro inimigo do povo judeu não vem de fora, vem de dentro. Se a causa dos problemas é a desunião, certamente a solução virá da nossa união sincera e verdadeira.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
Muitíssimo bom