Parashat Teruma

Vencendo a preguiça

“Era uma vez um grande palheiro que ficava perto de uma aldeia. Vários animais de pequeno porte haviam construído suas casas naquele palheiro e ali habitavam de forma harmoniosa, sem serem molestados pelos seres humanos. Entre os habitantes daquele palheiro estavam três grandes amigos: o jabuti, a tartaruga e o esquilo. O esquilo era agitado e ágil, enquanto o jabuti e a tartaruga eram muito lentos e preguiçosos.
 
Certo dia, os três estavam conversando animadamente no palheiro quando, de repente, ouviram pessoas gritando: “Fogo! Fogo!”. Muitos animais ficaram assustados e começaram a correr para salvar suas vidas. O jabuti não se incomodou, afirmando que estava tranquilo porque sabia mais de cem maneiras de lidar com o fogo. A tartaruga também não se preocupou e disse que sabia mais de mil maneiras de como acabar com um incêndio. Somente o esquilo percebeu o real perigo e, após tentar convencer seus amigos, fugiu para salvar sua vida. Enquanto todos os animais corriam, o jabuti e a tartaruga ficaram ali, discutindo e comparando seus conhecimentos sobre combate a incêndios.

Infelizmente, dos três amigos, o esquilo foi o único que sobreviveu ao incêndio.”

Esta pequena fábula ilustra a terrível influência da preguiça em nossas vidas. O preguiçoso, mesmo diante de um terrível fogo, não toma atitudes. Ao invés de correr, de se movimentar, o preguiçoso procura justificativas lógicas para continuar parado. E é por isso que o preguiçoso acaba se queimando tanto na vida.

A Parashá desta semana, Terumá (literalmente “Porção”), descreve uma das realizações mais incríveis do povo judeu: a construção do Mishkan, o Templo Móvel que funcionava como “residência” da Presença Divina no meio do povo no deserto. O Mishkan foi construído com materiais nobres, que foram prontamente doados pelo povo, como está escrito: “E esta é a porção que você pegará deles: ouro, prata e cobre; lã turquesa, lã púrpura e lã escarlate; linho e pelo de cabra; couro de carneiro tingido de vermelho; couro de Tachash (animal multicolorido, já extinto); madeira de acácia; óleo para a iluminação, especiarias para o óleo da unção e para o incenso aromático; pedras de Shoham e pedras de preenchimento, para o Avental e para o Peitoral” (Shemot 25:3-7).
 
Há algo nesta lista que nos chama muito a atenção. Aparentemente a ordem dos materiais listados está de acordo com o seu valor monetário, começando com os metais mais preciosos e terminando com o óleo. Porém, no final da lista aparecem as pedras de Shoam e as pedras de preenchimento, que eram pedras preciosas de valor inestimável. Então por que, se tinham um valor tão alto, elas apareciam apenas no final da lista, como se fossem materiais sem valor?
 
Responde o Rav Chaim ben Atar zt”l (Marrocos, 1696 – Israel, 1743), mais conhecido como Ohr HaChaim Hakadosh, que os Nessiim, príncipes das tribos, as pessoas mais influentes e ricas do povo judeu, ao escutarem que o Mishkan seria construído com as doações do povo, disseram: “Deixe o povo doar o que eles puderem e tudo o que faltar nós completaremos”. Porém, no final o plano deles deu errado, pois o povo doou com tanta alegria e entusiasmo que Moshé precisou até mesmo pedir para que as doações parassem de ser trazidas. Quando os Nessiim perceberam, todos os materiais já haviam sido doados e eles acabaram ficando de fora. D'us ficou muito aborrecido com o comportamento deles e castigou-os, fazendo com que a palavra “Nessiim”, normalmente escrita com a letra “Iud”, fosse escrita incompleta, sem a letra “Iud” (ver Shemot 35:27). Porém, ao perceber que os Nessiim estavam arrependidos do seu erro, D'us permitiu que eles trouxessem as pedras preciosas do Avental e do Peitoral, que faziam parte das roupas do Cohen Gadol (Sumo Sacerdote). Pelo fato da doação das pedras preciosas envolver algum tipo de transgressão, elas são mencionadas por último na lista de materiais doados ao Mishkan, pois apesar de seu grande valor material, a imperfeição espiritual da doação causou com que as pedras preciosas fossem inferiores aos outros materiais da lista.
 
Porém, ainda não está claro qual foi exatamente o erro dos Nessiim. Qualquer pessoa responsável pela captação de fundos de uma sinagoga ou de uma instituição filantrópica sonharia em escutar este tipo de oferta. Um doador que se dispõe a cobrir tudo o que falta parece ser uma pessoa muito caridosa, um verdadeiro Tzadik (Justo). Se o aborrecimento de D'us foi com o atraso das doações dos Nessiim, aparentemente eles adiaram suas doações com motivações nobres e compreensíveis. Qual foi exatamente o erro que eles cometeram? E se foi apenas um pequeno deslize, por que eles foram punidos de maneira tão dura por D'us.
 
Rashi (França, 1040 – 1105), no versículo no qual a palavra Nessiim aparece faltando o “Iud”, nos traz a seguinte explicação: “Pelo fato dos Nessiim terem sido preguiçosos no início, eles perderam um “Yud” no seu nome”. Rashi está trazendo uma explicação incrível, que demonstra que D'us vê inclusive os pensamentos mais íntimos do coração de cada ser humano. D'us revelou que, mesmo revestido por justificativas corretas, o argumento dos Nessiim era, na verdade, apenas uma desculpa. Embora os Nessiim estivessem justificando que não estavam levando imediatamente suas doações por motivos nobres, D'us sabia que no fundo o motivo era a preguiça.

O Rav Moshe Chaim Luzzatto zt”l (Itália, 1707 – Israel, 1746) explica em seu livro “Messilat Yesharim” (Caminho dos Justos) que mesmo os motivos aparentemente mais válidos para não assumirmos responsabilidades na vida normalmente não passam de desculpas que encobrem nossa preguiça e nosso desejo de não sair do lugar. Um exemplo impressionante que ilustra esta força do nosso Yetser Hará (mau instinto) é o livro “Chovot Halevavot” (Deveres do coração), uma das maiores obras de Mussar (Ética) já escritas, que certamente já teve uma incrível influência espiritual sobre dezenas de gerações de judeus. O Rav Bahya ibn Paquda (Espanha, início do século 11), autor do “Chovot Halevavot”, detalhou na introdução do seu livro quantas dificuldades ele venceu para escrevê-lo. Uma das principais dificuldades foi que, depois de ter decidido escrever o livro, ele acabou mudando de ideia, baseando-se em uma série de motivos lógicos e aparentemente racionais. Por exemplo, ele imaginava que não tinha força nem entendimento suficientes para captar profundamente os ensinamentos da Torá e transmiti-los em um livro. Além disso, o livro deveria ser escrito em árabe, a língua que a grande maioria dos judeus falava na região em que ele vivia, porém ele não dominava um estilo elegante da escrita árabe. Ele também tinha medo de assumir a responsabilidade de uma difícil tarefa cuja consequência poderia ser a exposição pública de seus próprios defeitos e limitações. Por estes e outros motivos, o Rav Bahya decidiu abandonar o projeto. Os judeus de todas as gerações teriam perdido uma incrível fonte de ensinamentos espirituais.
 
O que levou o Rav Bahya a mudar de ideia e novamente investir em sua obra? Ele parou para refletir sobre sua decisão e chegou à conclusão que talvez suas motivações não estavam sendo completamente puras. Ele começou a suspeitar que havia escolhido a opção mais confortável, buscando apenas tranquilidade na vida. Ele chegou à conclusão que, por trás das razões aparentemente racionais, o que realmente havia motivado o cancelamento do projeto era o desejo de ficar parado na vida. Para o eterno benefício do povo judeu, ele acabou juntando forças, teve a coragem de encarar os desafios e, apesar das dificuldades, escreveu o “Chovot Halevavot”. Não podemos nem imaginar o povo judeu desprovido das incríveis orientações espirituais contidas neste livro.
 
As razões do Rav Bahya para não escrever o livro pareciam realmente corretas e lógicas, mas ele conseguiu reconhecer, em sua grandeza espiritual, que eram razões “manchadas” pelo desejo de conforto na vida. Se alguém grande como o Rav Bahya estava sujeito às influências das nossas características negativas, em especial a preguiça, muito mais nós, em nosso nível espiritual tão baixo, devemos nos preocupar com os riscos de cairmos nas armadilhas da preguiça, um traço de caráter destruidor. Cada um de nós sempre tem razões aparentemente válidas e corretas para ignorar possíveis caminhos de melhoria na vida, mas devemos estar conscientes que, na grande maioria das vezes, é apenas a preguiça nos convencendo a ficarmos parados.
 
O Yetser Hará da preguiça é tão astuto que pode vir disfarçado de traços de caráter admiráveis, como a humildade. O Rav Moshe Feinstein zt”l (Lituânia, 1895 – EUA, 1986) nos ensina que temos a tendência comum de subestimarmos o nosso potencial, argumentando que temos poucos talentos e que não estamos destinados à grandeza espiritual. Mas o que parece humildade é, na verdade, o nosso Yetser Hará querendo nos enganar. Esta tendência de subestimar o nosso potencial vem da nossa preguiça, uma manifestação do nosso desejo por conforto. Atingir a grandeza espiritual requer muito esforço e disposição para encarar contratempos e até mesmo fracassos. Isto não é uma tarefa fácil, o que torna ainda mais tentador para a pessoa “se liberar” de suas responsabilidades na vida e escolher os caminhos mais fáceis e cômodos. Muitas “almas de ouro” do povo judeu podem simplesmente ter se apagado por terem se acomodado na vida.
 
Constantemente surgem oportunidades de crescimento e melhoria. Estas oportunidades servem para podermos crescer no nosso nível espiritual e também para influenciarmos positivamente outras pessoas em volta. A dura lição aprendida pelos Nessiim é eterna e também serve para cada um de nós. Talvez o mais poderoso fator que pode nos impedir de atingir a grandeza espiritual é o desejo pelo conforto, que deriva da preguiça. Isto faz com que a pessoa crie inúmeras razões para justificar a sua inabilidade de crescer tudo o que poderia. Foi por isso que D'us castigou os Nessiim de forma tão dura, para mostrar o quanto esta característica da preguiça é terrível e pode nos impedir de crescer e de cumprir o nosso objetivo na vida. O livro “Messilat Yesharim” nos ensina a identificar estas razões e justificativas como sendo “conselhos do Yetser Hará”. Devemos, portanto, ignorá-las e continuar os nossos esforços para alcançar os nossos objetivos. Para vencer este terrível Yetser Hará, cada um precisa se esforçar, antes de tudo, para ser sincero consigo mesmo. Precisamos refletir e saber identificar quando realmente nossos argumentos são verdadeiros e quando são apenas desculpas para nos manter parados.

Viemos ao mundo material justamente para crescer, mas não há crescimento sem esforço. Fracassos são parte da vida, ninguém chega ao sucesso sem tropeços e dificuldades. Quando tentamos fazer nosso trabalho espiritual e surgem dificuldades, isto é um sinal de que estamos indo no caminho correto, pois o Yetser Hará está tentando nos impedir de alcançar nosso objetivo. Quando alguém está cavando em busca de um tesouro e bate com a pá em algo duro, é um sinal de que o tesouro está perto. O mesmo vale para a nossa vida, pois quando surgem grandes desafios e dificuldades, isto é um sinal de que o sucesso está muito perto.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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