Pessach

Vencendo as tentações

O Conde Valentine Potocki vinha de uma família nobre da Polônia. Ao viajar pelo mundo, encontrou-se com um erudito judeu estudando o Talmud (Torá Oral) e se interessou pela sabedoria milenar da Torá. Em pouco tempo ele se converteu ao judaísmo e ficou conhecido como Avraham ben Avraham, o famoso “Ger Tzedek (convertido) de Vilna”. Naquela época, a Inquisição perseguia todos aqueles que abraçavam outra fé. Avraham foi aconselhado pelo Rav Eliahu zt”l (Lituânia, 1720 – 1797), mais conhecido como Gaon MiVilna, a se esconder em uma sinagoga na pequena cidade de Ilya.
 
Naquela cidade havia alguns jovens garotos judeus sem educação, que ficavam o tempo inteiro zombando de Avraham e insultando-o, chamando-o de “falso” e “farsante”. Avraham escutava as ofensas em silêncio e nunca respondia de volta. Porém, um dia ele acabou perdendo a paciência e gritou com um dos garotos, ensinando-lhe a ter bons modos. O garoto ficou assustado e contou o ocorrido ao pai, obviamente sem mencionar o quanto eles haviam humilhado o homem. O pai do garoto, que tinha contato com as autoridades, ficou muito irritado e delatou Avraham aos inquisidores da Igreja, informando seu esconderijo na sinagoga. Infelizmente Avraham ben Avraham foi preso, julgado pela Inquisição e, ao se recusar a abandonar o judaísmo e voltar à sua crença anterior, foi condenado a morrer na fogueira em praça pública. No dia marcado para a execução, pouco antes de acender a fogueira, um dos monges disse para ele de maneira cínica:
 
– Não se preocupe, neste mundo nós vamos matá-lo, mas no Mundo Vindouro você poderá se vingar de nós.
 
Avraham ben Avraham tinha muita Emuná (fé) em D'us. Sem perder a tranquilidade, ele deu um sorriso e, olhando diretamente nos olhos do monge, respondeu:
 
– Você realmente acha que no Mundo Vindouro eu estarei pensando sobre esse ato insignificante de queimar o meu corpo finito? No momento em que minha alma estiver sendo exposta à verdade suprema, certamente a vingança será o pensamento mais distante da minha mente.
 
O monge ficou surpreso ao escutar aquela declaração de fé de um homem que não se abalava mesmo diante de uma morte dolorosa e terrível. Mas Avraham ben Avraham ainda não havia terminado, e acrescentou:
 
– E eu garanto que não vou descansar no Mundo Vindouro até conseguir que o homem que me delatou seja salvo do Gehinom (local onde as pessoas passam por sofrimentos espirituais após a morte, para expiar erros cometidos em vida).
 
Avraham ben Avraham morreu santificando o nome de D'us, de forma corajosa e heroica. Como muitos do povo judeu, ele conseguiu chegar ao nível de colocar a vontade de D'us na frente de suas próprias vontades, chegando a um nível mais alto até mesmo que os anjos (História Real).

 

A partir do anoitecer desta quinta-feira (28/04) novamente teremos um Yom Tov, o “Shevii de Pessach” (Sétimo dia de Pessach). O primeiro dia de Pessach é Yom Tov, pois foi o dia em que o povo judeu saiu do Egito. Mas o que houve de especial no sétimo dia para que também fosse Yom Tov? Explicam os nossos sábios que, apesar de já terem saído fisicamente do Egito, os judeus ainda se sentiam escravos, incapazes de lutar contra seus opressores. A prova disso é que os egípcios voltaram a perseguir os judeus no deserto e, apesar dos judeus estarem em esmagadora maioria, eles ainda não conseguiam se levantar contra seus opressores. Vendo-se diante do Mar Vermelho, intransponível, e perseguidos pelos egípcios, os judeus gritaram desesperadamente para D'us. Era o sétimo dia depois da saída do Egito, e neste dia aconteceu o incrível milagre da abertura do Mar Vermelho, permitindo a passagem do povo judeu em terra firme. Mesmo vendo aquele incrível milagre, os egípcios continuaram perseguindo os judeus até dentro do mar, até que as águas fecharam-se sobre os egípcios, matando-os. Os judeus somente se sentiram seguros e livres de verdade quando viram na praia o corpo dos seus opressores. A escravidão havia acabado de vez.
 
Pessach é a festa do agradecimento e do louvor a D'us por todas as bondades e milagres que Ele fez, nos libertando fisicamente e espiritualmente do Egito. Durante todos os dias de Pessach recitamos o Halel, que é composto por diversos capítulos de Tehilim (Salmos) que trazem louvores a D'us. Em um dos Tehilim está escrito: “Quando o povo judeu saiu do Egito… O mar viu e fugiu” (Salmos 114:1,3). Segundo nossos sábios, este versículo refere-se à abertura do Mar Vermelho. Mas o que fez o mar “fugir”, isto é, se abrir? Explica o Midrash (parte da Torá Oral) que o mar se abriu ao ver Moshé carregando o caixão de Yossef. Mas por que Moshé estava carregando o caixão de Yossef?
 
Yossef, filho do nosso patriarca Yaacov, após ter sido vendido como escravo, acabou tornando-se o vice-rei do Egito e conseguiu salvar toda a sua família da terrível fome que também atingiu a terra de Israel. Yossef já sabia que o povo judeu permaneceria por muitos anos no Egito, mas que um dia voltariam para Israel. Antes de falecer, Yossef pediu para que os judeus prometessem que, quando saíssem do Egito, levassem seu corpo para ser enterrado em Israel. No momento em que finalmente saíram do Egito, enquanto o povo judeu inteiro estava preocupado em pedir aos egípcios ouro e prata, para sair  com riquezas, Moshé estava preocupado em cumprir a promessa e se ocupou pessoalmente em pegar o caixão de Yossef, como disse o mais sábio de todos os homens, Shlomo HaMelech (Rei Salomão): “Aquele que é sábio no coração pega Mitzvót” (Mishlei 10:8).
 
Porém, se D'us havia ordenado ao mar que abrisse suas águas para permitir a passagem do povo judeu, então por que foi necessário que o mar visse o caixão de Yossef? Não era suficiente a ordem do Criador do Universo? Responde o Rav Yaacov Naiman zt”l (Bielorússia, 1909 – EUA, 2009) que se D'us realmente tivesse ordenado ao mar que se abrisse, certamente o mar teria cumprido imediatamente a vontade de D'us e não haveria necessidade de nenhum outro elemento externo. Mas neste caso D'us não havia ordenado nada diretamente ao mar, e sim havia pedido para Moshé: “Levante seu cajado, estenda sua mão ao mar e abra-o” (Shemot 14:16). Isto quer dizer que não foi D'us que ordenou diretamente ao mar que se abrisse, e sim Moshé que deveria ordenar. Mas com que força Moshé poderia fazer algo tão incrível?
 
Podemos aprender regras espirituais importantes prestando atenção nos pequenos detalhes do cotidiano. Por exemplo, o que podemos aprender de um simples jogo de damas? Em primeiro lugar, aprendemos que somente podemos ir para frente, nunca para trás. Também aprendemos que não podemos saltar casas, apenas caminhar uma de cada vez. Mas há uma regra ainda mais interessante no jogo de damas: quando você chega ao outro lado do tabuleiro e faz uma dama, as regras anteriores já não se aplicam mais. A peça pode se movimentar em qualquer direção e saltar quantas casas quiser.
 
Explica o Rav Naiman que o mesmo se aplica em nossas vidas. O mundo material foi criado com certas leis físicas que se aplicam a todos os seres humano. Porém, a pessoa que é um Tzadik (Justo), isto é, que se elevou ao se comportar de uma maneira exemplar, quebrando suas próprias vontades para cumprir a vontade de D'us, torna-se um sócio de D'us na Criação do Universo. O Tzadik tem o poder de ordenar ao mar que ele se abra, não apenas como um intermediário de D'us, mas pelo seu próprio potencial alcançado. Ao se elevar e se conectar de uma maneira especial com D'us, ele adquire o poder de mudar as leis da natureza, como afirma o Talmud (Moed Katan 16b) que quando um Tzadik decreta, D'us cumpre. Foi baseado nisso que D'us pediu a Moshé que ordenasse ao mar que se abrisse para a passagem do povo judeu. Porém, apenas a ordem de Moshé não foi suficiente, pois de acordo com o Midrash o mar argumentou: “É verdade que ele cumpre a vontade de D'us, mas eu também cumpro, então por que eu deveria escutá-lo?”. Somente quando o mar viu o caixão de Yossef e percebeu a verdadeira grandeza do ser humano é que ele se rendeu e escutou a ordem de Moshé.
 
Cada um dos nossos antepassados que se destacaram recebeu um “apelido”, que descreve a área em que ele se destacou. Por exemplo, nossos patriarcas são chamados de “Avinu” (nosso pai), pois deles herdamos a nossa “genética espiritual”. Moshé é chamado de “Rabeinu” (nosso mestre), pois dele recebemos a Torá. Yossef é chamado de “Tzadik” (Justo). Por que? Pois ele era um homem extremamente rico, poderoso e bonito. Tinha o Egito inteiro aos seus pés, a ponto das mulheres egípcias subirem nos muros da cidade para vê-lo passar, e mesmo assim ele teve autocontrole e nunca se corrompeu. Porém, seu maior teste aconteceu quando ele ainda era um simples escravo do Potifar, um dos ministros do Faraó. A esposa de Potifar, encantada com a beleza de Yossef, por diversas vezes tentou seduzi-lo, mas Yossef conseguiu resistir. O teste foi extremamente difícil, pois ela era uma mulher muito atraente e persistente, e causava tentações diárias a Yossef. Um dia ela perdeu a paciência com as constantes recusas de Yossef e agarrou-o pela roupa. Yossef sabia que era mais forte que ela e que poderia facilmente lutar e se soltar, mas teve medo de ser vencido pelo seu Yetzer Hará (má inclinação) se continuasse perto dela por mais alguns instantes. Ele preferiu deixar seu casaco nas mãos dela e fugir da tentação, apesar de saber das possíveis consequências do seu ato. E como ele temia, aquele casaco foi usado como prova da culpa de Yossef em uma falsa acusação feita pela esposa do Potifar contra ele, o que lhe custou 12 anos na prisão.
 
É por isso que o Midrash disse que o mar fugiu quando viu o caixão de Yossef. Da mesma forma que Yossef fugiu da transgressão, de forma heroica, vencendo seus próprios desejos para cumprir a vontade de D'us, assim também o mar “fugiu”, isto é, se rendeu diante de Yossef HaTzadik e abriu suas águas. Quando uma pessoa passa por testes difíceis e consegue vencer, ela se eleva a um nível acima até mesmo dos anjos. Diante da grandeza de Yossef, o mar entendeu que não podia ir contra a vontade dos Tzadikim, que passam por testes e conseguem vencê-los.
 
A Festa de Pessach é chamada de “Zman Cheruteinu” (A época da nossa liberdade). Não apenas a liberdade física da saída do Egito, mas também a liberdade espiritual. A palavra “Egito”, em hebraico, é “Mitzraim”, e vem da mesma raiz de “Metzarim”, que significa “limitações”. Sair do Egito significou sair de tudo o que nos limita e nos prende às regras do mundo material. Através das Mitzvót, que nos ajudam a desenvolver nosso autocontrole, podemos nos elevar acima dos anjos e controlar até mesmo as forças da natureza.
 
Passamos na vida por muitos testes difíceis. Há duas maneiras de reagir às dificuldades: podemos reclamar da vida e questionar D'us, ou podemos entender que cada teste é uma oportunidade de crescimento. Com cada teste podemos nos elevar e nos libertar dos desejos e vontades que nos aprisionam. Os anjos e o restante de toda a criação fazem a vontade de D'us, mas eles não têm livre arbítrio e não passam por testes. Quando passamos por testes e vencemos, nos elevamos acima de todas as criaturas, inclusive dos anjos. O mundo é sustentado pelos Tzadikim, que conseguem deixar de lado suas vontades e desejos para cumprir a vontade de D'us, mesmo quando é difícil e os desejos parecem ser tentadores.

SHABAT SHALOM e PESSACH KASHER VÊ SAMEACH

Rav Efraim Birbojm

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