Parashat Vayelech

Você é o que você fala

Em um lugar por onde passavam muitas pessoas, Rogério, um mendigo esfarrapado, sentava-se na calçada e ficava o dia inteiro pedindo esmola. Ele passava o tempo todo repetindo para si mesmo: “Sou um nada neste mundo! Ninguém me ajuda! Não tenho onde morar! Sou um homem fracassado e maltratado pela vida! Não consigo um mísero emprego que me renda alguns trocados! Mal consigo sobreviver!” As coisas iam de mal a pior. Certa noite Rogério achou um livro no lixo. Folheando, deparou-se com um trecho que dizia: “Tudo o que você fala a seu respeito vai se reforçando. Por pior que esteja a sua vida, diga que tudo vai bem. Por mais pobre que você seja, diga a si mesmo e aos outros que você vai prosperar”. Aquilo tocou Rogério profundamente. Como ele não tinha nada a perder, decidiu dizer para si mesmo: “Vejam como sou feliz! Sou um homem próspero, tenho sucesso, sou saudável e bem humorado”.
 
A partir desse dia tudo começou a mudar. Rogério percebeu que a cada dia recebia um pouco mais de dinheiro. Numa bela manhã, um executivo, que já o observava há algum tempo, aproximou-se e lhe disse:
 
– Você parece ser uma pessoa criativa! Gosto do seu bom humor. Não gostaria de colaborar em uma campanha de marketing da minha empresa?
 
Rogério aceitou, afinal não tinha nada a perder. Após um caprichado banho e com roupas novas, foi levado para a empresa. Daí para frente sua vida foi uma sequência de sucessos. Com o tempo ele tornou-se um dos sócios da empresa.
 
Tudo o que dizemos e pensamos a nosso respeito acaba se manifestando em nossa vida como uma realidade. Rogério finalmente havia entendido o poder das palavras. 

 

Nesta semana lemos a Parashát Vayelech (literalmente “E foi”), na qual Moshé, em seu último dia de vida, adverte o povo sobre os perigos de se assimilar e cair espiritualmente. O povo judeu em breve entraria na Terra de Israel e teria contato com povos idólatras, correndo o sério risco de ser influenciado por suas práticas, e por isso Moshé sentiu a necessidade de reforçar o cuidado do povo com as influências externas. E na próxima 3ª feira de noite (11/10) é Yom Kippur, o Dia do Perdão, data na qual o povo judeu foi finalmente perdoado pelo terrível pecado do bezerro de ouro. Esta influência do perdão de D'us se repete todos os anos em Yom Kippur, e todo aquele que se arrepende de seus erros neste dia, de forma sincera, é perdoado.
 
Uma das partes mais emocionantes do serviço de Rosh Hashaná e Yom Kipur é a Tefilá conhecida como “Unetane Tokef”, na qual dizemos: “Em Rosh Hashaná somos inscritos e no jejum de Kippur somos selados. Quem vai viver e quem vai morrer… Quem vai ter tranquilidade e quem vai ter dificuldades… Quem vai enriquecer e quem vai empobrecer”. É um lembrete de que tudo o que vai acontecer no nosso ano está sendo decretado nestes dias entre Rosh Hashaná e Yom Kippur, conhecidos como “Asseret Iemei Teshuvá”.
 
A história que está por trás da composição desta Tefilá é de cortar o coração. O livro Or Zarua registra que o autor desta reza foi o Rav Amnon de Mainz, o maior rabino de sua geração, que viveu por volta do século nove. O bispo de Mainz tinha uma grande estima pelo Rav Amnon e tentou convencê-lo a se converter. Para ganhar tempo, o Rav Amnon pediu três dias para pensar no assunto. Assim que as palavras saíram de sua boca, o Rav Amnon ficou completamente perturbado e implorou o perdão de D'us pela terrível transgressão que havia cometido. Depois de três dias, o Rav Amnon se recusou a comparecer perante o bispo. Irritado, o bispo mandou buscá-lo à força. Quando o Rav Amnom recusou a conversão, o bispo ordenou que ele fosse severamente torturado e posteriormente enviado para casa. Apesar dos graves ferimentos e das dores, o Rav Amnom conseguiu permanecer vivo até Rosh Hashaná. Ele pediu para que fosse levado à sinagoga antes da Kedushá, uma das partes mais importantes da repetição da Amidá. Quando o Chazan chegou na parte da Kedushá, o Rav Amnon pediu para ele esperasse. Ele então recitou o “Unetane Tokef” e faleceu. Três dias depois, o Rav Amnon apareceu em um sonho para um grande cabalista, o Rav Kolonymous ben Meshulam, pedindo-lhe para garantir que todos os judeus incorporassem aquela reza em seu serviço de Rosh Hashaná e Yom Kipur.
 
Mas, prestando atenção a esta história, surgem duas perguntas. Em primeiro lugar, qual foi exatamente a transgressão cometida pelo Rabi Amnon, que o deixou tão transtornado?  E por que ele só se deu conta de seu erro após as palavras saírem de sua boca?

A vida é algo muito especial e sagrado de acordo com a Torá. Aprendemos do versículo “Você deve observar os Meus estatutos e os Meus juízos, que um homem deve fazer e viver por eles” (Vayikrá 18:5) que devemos viver pelos mandamentos, e não morrer por eles. Porém, há três Mitzvót que são exceções, e um judeu tem a obrigação de morrer para não transgredi-las: idolatria, derramamento de sangue e relações ilícitas. O Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 – Egito, 1204) explica que estas transgressões resultam na profanação do nome de D'us e, por isso, exigem o mais alto sacrifício do ser humano: a sua própria vida.
 
Porém, entendemos que é necessário dar a própria vida para não cometer relações ilícitas e derramamento de sangue, pois são transgressões que envolvem atos. Mas a adoração de ídolos é normalmente uma transgressão que envolve apenas a cabeça e o coração da pessoa. Qual é a gravidade de alguém simplesmente fingir que está acreditando em uma idolatria, mas sem a intenção verdadeira de servir outra divindade? O Rambam responde que, mesmo se um judeu não acredita em outra divindade, mas aparenta através de seus atos que acredita, a simples percepção de que ele estava disposto a servir outro deus é uma das maiores formas de profanação do nome de D'us.
 
Explica o Rav Yohanan Zweig que o Rav Amnon inicialmente pensou apenas em ganhar tempo ao não responder imediatamente a proposta do bispo. No entanto, ele percebeu que o bispo ficou muito satisfeito de saber que ele estava realmente pensando em atender o seu pedido. O Rav Amnom então entendeu que esta percepção por si só, de que um judeu poderia abandonar seu Criador, era uma profanação do Nome de D'us. Por isso ele ficou tão perturbado, apesar de nunca ter lhe passado pela cabeça a mínima possibilidade de realmente abandonar o judaísmo.
 
O Sefer HaChinuch (Mitzvá 25) acrescenta uma nova dimensão do porquê uma pessoa está obrigada a sacrificar sua vida diante da exigência de servir outra divindade. Não é suficiente acreditar em D'us apenas no pensamento, a pessoa deve verbalizar este pensamento para concretizá-lo. Por outro lado, se uma pessoa faz qualquer declaração que expressa uma negação da realidade de D'us, mesmo que ele não acredita no que está dizendo, isto já causa um impacto negativo sobre sua Emuná (fé) e pode criar dentro dele uma dúvida quanto à existência de D'us.
 
Com esta explicação do Sefer HaChinuch podemos entender de forma mais profunda qual foi o grande arrependimento do Rav Amnom. Quando ele pronunciou as palavras que implicavam a possibilidade dele abandonar D'us, ele imediatamente sentiu o impacto que estas palavras tiveram sobre a sua própria Emuná, e percebeu que tinha cometido um grave erro. Além de denegrir o nome de D'us, sua atitude havia causado um impacto negativo sobre a sua própria alma.
 
Este ensinamento nos ajuda muito a ter o foco correto em Yom Kippur. Parte importante do nosso serviço é o Vidui, a confissão das nossas transgressões, que repetimos por dez vezes durante Yom Kippur. Porém, não devemos fazer o Vidui com um sentimento de que somos fracassados. Temos que verbalizar os nossos erros, mas como uma maneira de senti-los de forma mais profunda no coração, para podermos consertá-los. Em Yom Kippur nós assumimos os nossos erros, não como perdedores que desistiram de lutar, mas como vencedores que assumem seus erros como parte do conserto. Os fracos são aqueles que pensam que estão sempre certos e desviam seus olhos de suas falhas e defeitos. Os fortes são aqueles que sabem assumir suas falhas e defeitos, e que, apesar de terem tropeçado, levantam a cabeça para consertá-los.
 
Este conceito deve ser utilizado não apenas em Yom Kippur, mas em todos os momentos da vida, pois devemos sempre pensar de maneira positiva. Nossos pensamentos e nossa fala influenciam muito em quem somos. Estamos começando um novo ano e precisamos ser otimistas, olhar as oportunidades e as nossas possibilidades de crescimento, e não as dificuldades e os fracassos do passado. Com uma atitude positiva, certamente poderemos consertar todos os nossos erros e crescer muito neste ano. O poder das palavras é incrível, e quando bem utilizadas, podem nos transformar em pessoas cada vez melhores.
 
SHABAT SHALOM E GMAR CHATIMÁ TOVÁ

R' Efraim Birbojm

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